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6 O TRABALHO DA COORDENAÇÃO PEDAGÓGICA NA CRECHE

6.6 Ações junto às crianças

Entre as ações que integravam os fazeres cotidianos da coordenadora pedagógica, algumas a colocavam diretamente em contato com as crianças, de modo que se pode considerar que a coordenadora pedagógica realizava ações permanentes e eventuais junto às crianças.

As ações permanentes dizem respeito ao que Paula realizava com maior regularidade. Destas, tiveram destaque a recepção das crianças na entrada e a organização da saída, bem como o acompanhamento nos momentos de refeição, já mencionados neste capítulo. Além dessas ações, a tarefa de organizar os remédios trazidos pelos pais das crianças e a de verificar os registros feitos nas caixas ou nos frascos de remédios acerca do horário em que as crianças teriam que tomá-los e, sobretudo, a ação de dar o remédio às crianças, cotidianamente, eram realizadas pela coordenadora. Assim, todos os dias, no período da manhã e à tarde, Paula se dirigia às salas de atividades para dar o remédio de alguma criança.

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Foram infrequentes os momentos em que Paula não pôde fazer isso, solicitando à secretária escolar que o fizesse.

As ações eventuais estão relacionadas àquelas que a coordenadora realizava em determinados momentos, ou seja, não aconteciam todos os dias, como, por exemplo, a chamada “culminância coletiva” de projetos ou a celebração de alguma data comemorativa. Na transcrição a seguir é retratada uma culminância referente ao mês da Bíblia.

A coordenadora solicita a uma professora que avise às outras professoras para levarem as crianças para o pátio, pois ela já estava indo para fazer a culminância da Bíblia. A professora retornou e informou que as crianças já estavam lá. Nesse momento, Paula vai procurar um livro de literatura infantil “A criação de Deus,” mas não o encontra. O tempo passa e ela continua procurando. Uma professora vem chamá-la porque as crianças estão esperando. Ela diz que não achou o livro e que vai levar a bíblia. Paula mostra a bíblia às crianças e pergunta o que tem na bíblia. As crianças não dizem nada e ela afirma que “na Bíblia diz que tem que obedecer, que não pode bater no coleguinha, que tem que se comportar.” As professoras dizem: “Tem que obedecer as tias” e riem. As crianças não pareciam interessadas na conversa. Paula diz que vai pegar um livro para contar uma história para eles e sai. Enquanto isso, as crianças ficam sentadas esperando e recebendo ordens para ficarem quietas, e não levantarem etc. A coordenadora demora e quando chega as crianças estão muito agitadas, não suportando mais ficar sem fazer nada e paradas. Paula fala para as crianças que não encontrou a história que ela queria, mas que vai contar uma história sobre o amor, mostrando o livro para as crianças, que parecem não escutar. Elas estão conversando entre si, deitando no chão, levantando, brincando sozinhas, etc. Uma professora do berçário chega e diz que encontrou o livro “A criação de Deus.” Paula, então, fala: “Olha pessoal, a tia achou o livro que eu queria, o nome desse livro é “A criação de Deus”, ele conta como Deus criou o mundo.” Já passaram cerca de 30 minutos desde a hora que chegamos lá, sem contar o tempo que as crianças já estavam antes de chegarmos. As crianças estavam cada vez mais inquietas e Paula começa a pedir silêncio. As professoras dizem: “Tá vendo, tá vendo! Eu quero ver é você todo dia com eles! Depois você fala quando a gente reclama.” Paula tenta se justificar e diz: “Não, não, peraí!.” Insiste pelo silêncio das crianças e começa a dizer que quem não fizer silêncio vai ficar sem piscina. Continua contando a história e a interrompe várias vezes para chamar a atenção das crianças que estão conversando. Quando termina, ela pergunta: “Do que a história falava? O que Deus fez no primeiro dia?” Quando as crianças falavam espontaneamente o que pensavam, ela dizia: “Não foi isso não! O que foi, hem, pessoal, que Deus fez nesse dia? Primeiro foi...” O tempo ia passando e as crianças estavam cada vez mais inquietas. Uma professora do Infantil II parecia muito incomodada e interrompe a sua fala sugerindo que a atividade seja encerrada com uma oração e convida todas as crianças para darem as mãos e rezarem o Pai nosso. Depois da oração, as crianças vão para as salas. (DIÁRIO DE CAMPO, 30.09.13).

Vale questionar o que justifica a presença de práticas organizadas em torno da celebração do mês da Bíblia se a laicidade do Estado brasileiro (BRASIL, 1988) pressupõe a ausência em instituições públicas de práticas religiosas que não assegurem o respeito à diversidade cultural e religiosa presente no Brasil. É importante destacar, ainda, que as ações e as falas da coordenadora e das professoras retratadas no relato expõem práticas que desrespeitam as características e demandas de interesses infantis e buscam disciplinar as crianças por meio de castigos, ameaças e outras formas de violação dos direitos das crianças,

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por exemplo, o direito de viverem no cotidiano da Educação Infantil experiências de aprendizagem significativas e prazerosas, norteadas pelas interações e a brincadeira, por seus interesses e necessidades. (BRASIL, 2009b).

Além disso, as ações e falas presentes no relato elucidam que os conhecimentos da coordenadora pedagógica sobre infância, a criança e a Educação Infantil parecem pouco se diferenciar dos das professoras. Este fato pode estar associado à ausência de orientação e acompanhamento à prática docente, que em diversas situações mencionadas na seção 6.4 se faziam necessárias e não aconteceram.

Assim, é notória a distância entre a realidade e a qualidade pretendida para o trabalho específico da coordenação pedagógica. Isto porque diversos estudos (ALVES, 2007; BRUNO; ABREU; MONÇÃO, 2010; BONDIOLI, 2004; SAITTA, 1998) destacam seu importante papel na construção de práticas pedagógicas de boa qualidade e defendem aspectos específicos do seu trabalho em creches e pré-escolas que impactam a qualidade do atendimento às crianças e suas famílias. Alguns desses aspectos específicos são: a escuta das crianças como orientação para planejar e avaliar o trabalho desenvolvido junto a elas; a atuação como formador de professores; a mediação e articulação coletiva do projeto educacional, das práticas educativas, dos momentos de planejamento e reflexões permanentes acerca da articulação entre cuidado e educação etc.

É imprescindível enfatizar, no entanto, que, além das condições materiais necessárias para que na prática essas ações que compõem os aspectos específicos do trabalho da coordenação pedagógica sejam implementadas, o conhecimento e compreensão por parte da coordenadora pedagógica das concepções que as fundamenta é essencial e indispensável.