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6 O TRABALHO DA COORDENAÇÃO PEDAGÓGICA NA CRECHE

6.4 Orientação e acompanhamento ao trabalho das professoras

É considerado, aqui o fato de que orientação e acompanhamento ao trabalho das professoras abrangem diálogos e trocas nos momentos de planejamento das experiências de aprendizagem que serão desenvolvidas junto às crianças, bem como observações e orientações sistematizadas nas práticas pedagógicas.

Cabe ressaltar que a mencionada orientação precisa considerar as interações e a brincadeira como essenciais ao desenvolvimento e aprendizagem da criança, precisa ser orientada pela intenção de educar e cuidar, de forma indissociável, as crianças, garantindo o acesso às experiências de aprendizagem previstas nas DCNEI/2009 (BRASIL, 2009b). Assim, é considerando os novos conhecimentos sobre a infância, a criança e a Educação Infantil (BARBOSA, 2009; BRASIL, 2009a; CRUZ, 1996; KUHLMANN JR., 1998; ROCHA, 1999; SARMENTO, 2007) que precisa se edificar a orientação e o acompanhamento ao trabalho pedagógico na Educação Infantil.

No contexto pesquisado, as ocasiões de orientação e acompanhamento do trabalho pedagógico docente foram raras e pouco sistematizadas, acontecendo de forma casual e mais numa perspectiva de controle. Além disso, não foi notado o estabelecimento do diálogo com os novos conhecimentos sobre a infância, a criança e a Educação Infantil.

Os momentos em que a orientação e o acompanhamento mais aconteceram foram durante as refeições das crianças. Todos os dias a coordenadora pedagógica acompanhava algum momento de refeição das crianças. Ela demonstrava preocupar-se muito com o fato de as crianças não se alimentarem e comentava que gostava de acompanhar esse momento porque às vezes a criança não queria comer e as professoras não incentivavam muito.

A orientação e o acompanhamento de outras experiências de aprendizagem (por exemplo, as práticas desenvolvidas nas salas de atividades) não foram realizados nenhuma vez pela coordenadora durante o trabalho de campo. Havia ocasiões, entretanto, em que as professoras a procuravam em sua sala para relatar dificuldades que estavam enfrentando no trabalho com alguma criança. Nesses momentos, Paula tinha a oportunidade de orientar como a professora deveria organizar suas práticas diante de algumas situações, mas não o fazia. O relato a seguir exemplifica uma dessas ocasiões:

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Uma professora do turno da manhã, de uma das turmas de Infantil III entrou na sala da coordenação e reclamou em tom exaltado que não agüentava mais uma criança que estava batendo nela e na auxiliar. Disse à coordenadora que ela tinha que tomar as providências, falar com os pais da criança. A diretora estava na sala e, antes da coordenadora falar, ela mencionou que ia fazer uma reunião com a mãe da criança, pois ela tinha outro filho na creche que apanhava muito em casa e que por isso batia. Ressaltou, ainda, que essa mãe não cuidava muito deles [dos filhos] e que ia fazer uma reunião com ela e se ela não melhorasse ia pedir para o conselho tutelar acompanhar a criança. A coordenadora mencionou, apenas, que o pai da criança tem mais pulso com ela do que a mãe. (DIÁRIO DE CAMPO, 02.10.14).

É possível notar que as poucas palavras ditas pela coordenadora pedagógica pouco contribuíram para que a professora se esforçasse para entender o que estava acontecendo com a criança. Ao contrário, reforçou a culpa que estava sendo posta isoladamente na criança, como se o fato de ela bater na professora e na auxiliar fosse algo decorrente das experiências que vivencia em casa. A diretora mostrou-se mais sensível e atenta às necessidades das crianças e ao que poderia estar contribuindo para ela agir assim. Vale destacar, todavia, que talvez a reação da diretora tenha dificultado a atuação da coordenadora.

Uma situação semelhante que evidencia a necessidade de orientação e acompanhamento ao trabalho pedagógico também pode ser notada no relato:

A irmã da diretora, que desde que cheguei à instituição, embora não tenha a formação mínima para atuar com professora de Educação Infantil, substituía a professora do turno da tarde, da turma de Infantil IV94, entrou na sala da coordenação muito nervosa segurando o braço de uma criança (um menino) que chorava muito. Ela disse que não sabia o que fazer com ele, que ele não obedecia, que quando ela dizia que ele ia ficar sem piscina ele respondia que não gostava de piscina, e afirmou: “não sei o que fazer para combater isso.” A coordenadora não deu nenhuma orientação à suposta professora, nem ao menos perguntou o que tinha acontecido, apenas sugeriu que ela deixasse a criança na sala da coordenação, que ela ia conversar com ele. A irmã da diretora retornou para sua sala e a coordenadora convidou a criança para sentar ao lado de uma mesa e olhar alguns livros de literatura infantil que estavam lá. Logo a criança parou de chorar e ficou folheando os livros. A diretora escutou tudo, mas dessa vez não disse nada. (DIÁRIO DE CAMPO, 02.10.14).

Chama atenção que, diante de tais reclamações, a coordenadora não apresente uma orientação em relação à forma como as professoras devem agir nesses momentos, bem como que não considere necessário observar as práticas pedagógicas, ou seja, as experiências de aprendizagens que estão sendo desenvolvidas junto às crianças e que relações orientam as

94Em uma conversa informal, uma das lactarista da creche comentou que a irmã da diretora, que não tinha formação para atuar como professora, substituía uma professora que tinha quebrado a perna e que não queria tirar licença. Mencionou, ainda, que essa professora pagava a irmã da diretora para ela vir todas as tardes ficar com sua turma e que a diretora permitia que todo mês o ponto fosse levado na casa da professora para ela assinar. Vale pontuar que a ilegalidade destas práticas será retomada na seção 6.7, que trata das ações relacionadas à substituição de profissionais.

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interações das professoras com as crianças nesses momentos. Ela parece não considerar que as reações das crianças podem estar relacionadas a um planejamento insuficiente das ações (ANDRADE, 2002) e, igualmente, parece não perceber que as professoras estão precisando urgentemente de orientação em relação ao trabalho com crianças pequenas.

Este cenário é preocupante, considerando que a coordenadora pedagógica é a profissional responsável pela gestão pedagógica (ALVES, 2007), aquela que impulsiona, motiva, provoca, desafia e instiga os professores a questionar sempre, a refletir sobre sua prática, a buscar opções para mudanças (BRUNO; ABREU; MONÇÃO, 2010).

Algumas vezes, no dia em que os pais entravam para pegar as crianças nas salas de atividades, no final da tarde, a coordenadora passava rapidamente na porta das salas de atividades para perguntar às professoras se já estava tudo organizado, se as crianças já estavam prontas e posteriormente autorizava a entrada dos pais. Vale salientar que a preocupação de Paula nesse momento não parecia ser com o trabalho pedagógico que estava sendo desenvolvido junto às crianças, mas com o que os pais poderiam ver.

A observação ao cotidiano de trabalho da coordenadora pedagógica permitiu ainda perceber que esta profissional se preocupava com a realização do encontro de planejamento mensal95, mas o planejamento individual de cada professora parecia não ser alvo de preocupação, sobretudo em razão da ausência de orientação e de acompanhamento a esses momentos. Durante todo o trabalho de campo, em todos os dias, havia professoras planejando, e apenas uma vez a coordenadora pedagógica leu o planejamento de uma professora, não apresentando nenhuma consideração.

Essa ausência de orientação e acompanhamento nos momentos de planejamento ficou evidenciada em alguns acontecimentos cotidianos, como pode ser notado nas transcrições a seguir:

Às 14 horas a coordenadora retorna do almoço e, ao entrar em sua sala, reclama para secretaria que a professora PAI mais uma vez faltou no dia do planejamento e pede para a secretária olhar no livro de ponto se na quarta feira passada ela veio. A secretaria olha e diz: “Esse mês ela faltou todos os dias de planejamento.” A coordenadora diz espantada: “Ela não veio nem uma vez, não? Amanhã vou falar com ela.” (DIÁRIO DE CAMPO, 23.10.2013).

Às 13 horas e 55 minutos, a professora PAI que estava faltando nos dias do planejamento entrou na sala da coordenação e informou à diretora que trouxe os seus planejamentos para ela ver. A diretora respondeu: “Quem vai ver é a Paula.” A coordenadora retorna do almoço às 14 horas e a professora diz para ela que trouxe seus planejamentos para ela ver, que já fez até os da próxima semana. A coordenadora não diz nada e não pede para ver os planejamentos. A professora sai e vai para sala das professoras. (DIÁRIO DE CAMPO, 24.10.2013).

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Neste contexto, é necessário destacar que, embora diversos estudos sobre coordenação pedagógica na Educação Infantil (ALVES, 2007; CUNHA, 2006; GOMES 2011; PALLIARES, 2010; PEREIRA; CRUZ, 2013; 2014; WALTRICK, 2008; ZUMPANO, 2010) apontem, entre outras atividades, a observação, orientação e acompanhamento à prática pedagógica das professoras e aos momentos de planejamento pedagógico como importantes ações que caracterizam o trabalho da coordenação pedagógica, na creche pesquisada, estas ações eram episódicas. Assim, parecia não ser uma atividade planejada pela coordenadora para acontecer.

A impressão que se tem é que o planejamento das professoras é entendido pela coordenadora pedagógica apenas como um momento para cumprir uma tarefa burocrática, não constituindo atividade pedagógica intencional, reflexiva, que auxilia o professor na elaboração de experiências significativas para com o grupo de crianças (OSTETTO, 2000) que precisa ser orientado e acompanhado por ela, profissional responsável pela gestão pedagógica.

Algumas atitudes da coordenadora demonstravam, contudo, que, se a orientação e o acompanhamento ao trabalho das professoras acontecessem, talvez não se diferenciasse substancialmente do que as professoras evidenciavam realizar em suas práticas pedagógicas com as crianças. As transcrições a seguir elucidam essa idéia:

Durante o lanche uma das professoras do turno da manhã, da turma do Infantil II, falou para a coordenadora pedagógica, na frente da criança, que não aguentava mais ela, que ela estava mordendo muito. A coordenadora então disse, em tom rigoroso e olhando para a criança: “Eu já falei com ele que se ele mordesse ele ia pra minha sala, já falei até com o pai dele, o pai dele já sabia quem é ele.” A professora retrucou que a mãe não sabia, pois quando falou para ela [mãe] que ele [criança] lhe mordeu ela disse: “O bichinho [criança] [...].” (DIÁRIO DE CAMPO, 30.09.13). A irmã da diretora, que estava substituindo a professora do turno da tarde, da turma de Infantil IV, chegou na sala da coordenação segurando um menino pelo braço. A criança chorava muito. Paula não estava na sala e ela disse para diretora que ele estava chorando porque queria ganhar uma boneca, não queria o carrinho. Em seguida falou: “Vou deixar ele aqui na sala [do núcleo gestor] para a Paula conversar com ele.” Paula chegou e, ao ver a criança chorando, perguntou a ele o que tinha acontecido. O menino não respondeu nada e a diretora contou o motivo do choro e imediatamente a coordenadora olhou para ele e disse: “O que é isso, menino! Homem tem que brincar é com carro, boneca é para mulher.” (DIÁRIO DE CAMPO, 11.10.13).

Em face dessas atitudes da coordenadora pedagógica, nota-se a fragilidade de sua formação, que possivelmente não lhe possibilitou acesso e compreensão acerca dos novos conhecimentos sobre infância, criança e Educação Infantil, fundamentalmente necessários para realizar uma gestão pedagógica respeitosa dos direitos das crianças, dos seus interesses e

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necessidades em cada momento do desenvolvimento. Essa falta de formação não colabora para que realize ações de orientação e acompanhamento ao trabalho das professoras que contribuam para boa qualidade do trabalho dessas profissionais. Assim, no segundo relato de campo, transcrito anteriormente, chega a reforçar estereótipos ligados a gênero, no lugar de problematizar com a professora e a diretora a sua existência.

Nesse sentido, Dahlberg, Moss e Pence (2003) notam que o trabalho pedagógico é o fruto do que se pensa que sejam as crianças pequenas e do que se pensa que sejam creches e pré-escolas; assim, o que se ajuíza sobre a criança e essas instituições determina o que os profissionais fazem e o que acontece dentro desses espaços.