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6 O TRABALHO DA COORDENAÇÃO PEDAGÓGICA NA CRECHE

6.5 Organização de festas na instituição

A coordenadora pedagógica também assumia as atividades de organização de festas na instituição para celebrar alguma data cuja comemoração era bastante presente na cultura, como o Dia das Crianças, para citar apenas a festa em que se pôde observar o seu envolvimento96.

A coordenação das iniciativas de arrecadação de recursos financeiros para a realização da festa do Dia das Crianças foi assumida pela coordenadora. Paula ficou responsável por receber o dinheiro das vendas da rifa de uma cesta básica, cujos ingredientes foram doados pelas professoras. Cada professora tinha que vender um determinado número de rifas e prestar contas com a coordenadora. O núcleo gestor também assumia a venda de algumas rifas. O dinheiro arrecadado era destinado à compra dos presentes das crianças, que seria realizada pelas professoras.

O relato seguinte elucida o envolvimento da coordenadora na organização de comemorações que considera importante que aconteça na instituição:

Uma professora entra na sala da coordenadora pra prestar conta da rifa da festa do dia das crianças. Quando a professora sai, Paula comenta comigo que no mês de outubro eram duas festas para organizar, a das crianças e das professoras, mas essa rifa era para a festa das crianças. (DIÁRIO DE CAMPO, 24.10.2013).

Os pais foram convidados a contribuir para realização da festa das crianças trazendo bolos e refrigerantes. Além disso, contribuíram com a quantia de R$ 1,00 para custear o aluguel de um “pula-pula.” A participação deles, entretanto, se resumiu apenas nas

96Em pesquisa realizada na rede municipal de ensino no litoral paulista, Franco (2008) encontra uma realidade semelhante a esta, e destaca que os coordenadores pedagógicos consideram que investem muito do seu tempo organizando eventos e festas na instituição.

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contribuições referidas, eles não foram convidados a vivenciar nenhum momento da rotina junto às crianças no dia da festa.

É importante lembrar que o diálogo com as determinações contidas na legislação educacional e com estudos sobre gestão democrática (BRASIL, 1996; CÔRREA, 2001; PARO, 2000) autoriza avaliar que a participação da comunidade, pais e famílias no processo educacional não pode se restringir apenas à execução de atividades e contribuição para eventos festivos, devendo fazer-se presente também na partilha do poder, na tomada de decisões relativas ao processo educacional.

Quando da comemoração do Dia da Criança, o atendimento na creche “Cuidando e Pensando no Futuro” permaneceu em tempo integral e o que distinguiu esse dia dos demais foi a presença de um lanche diferenciado (bolo e refrigerante), do “pula-pula” e a entrega de um presente para cada criança. Vale ressaltar, entretanto, que tanto o “pula-pula” como o presente eram apresentados às crianças como uma recompensa por seu “bom” comportamento:

Alguns dias antes da festa do dia das crianças, a irmã da diretora, que estava substituindo a professora do turno da tarde da turma de Infantil IV, veio pedir à coordenadora para conversar com as crianças do Infantil IV, pois elas estavam muito agitadas. Paula foi conversar com as crianças, fez alguns combinados e ressaltou que quem não os cumprisse ficaria sem piscina. No final, falou que as crianças que melhorassem no comportamento ganhariam o presente do dia das crianças, pipoca e muitas outras coisas que as tias97 estavam fazendo. (DIÁRIO DE CAMPO,

02.10.2013).

No dia da festa das crianças, por volta de 11horas 30 minutos, a irmã da diretora, que estava substituindo a professora do turno da tarde, da turma de Infantil IV, entrou na sala da coordenação perguntando pela coordenadora. Eu estava sozinha e respondi que Paula tinha saído para atender uma ligação. Ela olhou para mim e disse: “Tia, eu vou deixar essas lembrancinhas aqui para fazer uma chantagem ali com as crianças. Infelizmente, tem que ser assim.” Escutei da sala da coordenação quando ela gritou com as crianças, dizendo que quem não dormisse e não se comportasse não ganharia lembrancinha do dia das crianças. (DIÁRIO DE CAMPO, 11.10.2013).

No dia da festa do dia das crianças, por volta de 10 horas e 50 minutos, a professora do turno da manhã de uma das turmas de Infantil III, entrou na sala da coordenação com duas crianças que não queriam almoçar. A professora gritava com as crianças ameaçando-as de não irem para o “pula-pula” se não comessem. A coordenadora falou: “Deixe eles aqui, eles vão já comer, deixe eles aqui comigo.” Paula então tentou pacientemente dar o almoço as crianças, mas elas não aceitavam. A

97Chamou bastante atenção que tanto a coordenadora como todas as professoras chamem umas as outras de “tias”, inclusive a pesquisadora era chamada de “tia”. Mesmo fora da instituição, as professoras se cumprimentavam assim. Recorda-se de uma vez em que se pegou carona com uma professora e, ao se entrar no carro, ela disse: “Bom dia, tia”. Assim, as professoras e coordenadora parecem ter naturalizado essa expressão que não as identifica como professoras, como profissionais, fortalecendo a desvalorização profissional que ambiciona transformar professoras em parentes. Freire (1997) adverte que ser professor é uma profissão que envolve tarefa, militância e especificidade no seu cumprimento e ser tia, por outro lado, é viver uma relação de parentesco.

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coordenadora insistiu muito para eles comerem, mas depois de um tempo resolveu levá-los para dormir. (DIÁRIO DE CAMPO, 11.10.2013).

Chama atenção, no terceiro relato, a ideia de que nem a professora nem a coordenadora pedagógica parecem considerar que as crianças poderiam não estar com fome, tendo em vista que às nove horas e 40 minutos elas tinham lanchado bolo e refrigerante e que também não tivessem com apetite para o almoço que estava sendo servido (arroz branco e carne moída).

Nesse cenário, vale ressaltar que os acontecimentos retratados no primeiro e segundo depoimentos permitem questionar: O que estava sendo chamado de festa das crianças? Festa para quem? Para quê? Para as crianças ou para a instituição dizer que fez uma festa para as crianças? Para quê presente e “pula-pula”? Para as crianças brincarem e se alegrarem ou para a coordenadora pedagógica e algumas professoras usassem isso para ameaçar as crianças?

Além disso, tais acontecimentos revelam a predominância de práticas pouco comprometidas com a construção de novas formas de sociabilidade e subjetividade empenhadas com a democracia e a cidadania e com o rompimento de relações de dominação etária que marcam a sociedade, e ainda são presentes nas creches e pré-escolas (BRASIL, 2009a).