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6 O TRABALHO DA COORDENAÇÃO PEDAGÓGICA NA CRECHE

6.8 Mediação de conflitos entre os profissionais da instituição

A mediação de conflito entre os profissionais da instituição também foi observada com uma tarefa que a coordenadora pedagógica era chamada a assumir, especialmente quanto envolvia algo relacionado ao trabalho pedagógico. Teve destaque a mediação de conflitos entre docentes e demais profissionais da instituição. O relato a seguir contextualiza uma situação de conflito envolvendo uma profissional dos serviços gerais, uma professora e uma auxiliar:

Por volta de nove horas, uma das professoras do Infantil II entrou na sala da coordenadora muito alterada. Ela falava alto pedindo que Paula marcasse uma reunião com o pessoal da limpeza, pois uma funcionária queria que ela saísse da sala na hora que ela estava fazendo uma atividade com as crianças, para lavar a sala. Ela afirmou: “Minha auxiliar a ouviu falando que, como eu não saí da sala, ela [funcionária da limpeza] não ia mais lavar a sala. Isso não pode acontecer! Segundo as Diretrizes, a prioridade é as crianças!” Paula escutava atenta. A diretora se pronunciou dizendo que sempre soube, desde que trabalha com Educação Infantil, que a prioridade é a criança. A coordenadora perguntou quem foi a funcionária e afirmou que ia falar com ela. A professora voltou para sua sala e a coordenadora chamou a funcionária para conversar. A funcionária negou as acusações e disse: “Eu lá vou teimar com as professoras!”, mas sugeriu que a coordenadora chamasse a professora para esclarecer tudo. A professora chegou e disse que não ia comprometer a moça que escutou a funcionária dizendo que não ia mais lavar a sala.

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A funcionária contestou: “Assim é muito bom! Fala da gente e na hora de resolver não tem coragem. Eu acho que, para resolver, tinha que estar todo mundo junto.” A professora voltou para sala e a funcionária saiu contrariada. A coordenadora apenas falou: “Essas conversas...” (DIÁRIO DE CAMPO, 02.10.14).

Diante de conflitos como o mencionado anteriormente, chamava atenção o pouco posicionamento de Paula em relação a eles, atuando mais como ouvinte das partes do que como mediadora da situação, que muitas vezes ficava sem nenhum encaminhamento.

Nesse contexto, alguns conflitos pareciam ser permanentes, como, por exemplo, os que envolviam as professoras do berçário e a lactarista do turno da tarde. As professoras estavam sempre reclamando entre si e algumas vezes junto à coordenadora, que a lactarista não entendia o trabalho delas, que emitia muitas opiniões indesejadas, que as pressionava a dar o lanche das crianças rápido para que pudesse organizar o lactário etc. O depoimento da professora Mônica, registrado na entrevista com ela, exemplifica como isso vinha ocorrendo no cotidiano da creche:

[...] talvez por alguma razão, não sei qual exatamente, mas ela [a coordenadora] se omite [na resolução de problemas]. Aliás, ela faz vista grossa pra alguns problema que precisam ser resolvidos, que são importantes, na minha opinião, são problemas sérios. Por exemplo, a minha sala é a sala do berçário, são crianças de sete meses e no máximo dois anos, dois anos e alguma coisinha. É vizinha à sala da cozinha [lactário], então, ali, a cozinheira [lactarista], no horário que eu fico, ela se mete muito nas atividades. Ela se mete muito nos horários de alimentação das crianças e eu acho que se aqueles horários foram estabelecidos por um nutricionista, um profissional que sabe o tamanho dos intervalos entre uma refeição e outra, [...] isso tem que ser respeitado, e ela não respeita. Ela quer que a gente passe por cima, e ela fica pressionando, fica fazendo caras e bocas, fica reclamando, fica falando. Isso é muito chato porque a gente quer fazer o nosso trabalho direitinho, do jeito que a gente acha que é certo e ela fica se metendo numa coisa que não é do interesse dela. Isso a Paula sabe, ela até fala, mas ela não toma uma atitude para acabar com isso.

Aconteciam também conflitos entre a professora da brinquedoteca e as professoras das turmas. A primeira reclamava que algumas professoras usavam os materiais da brinquedoteca e não os organizavam depois. Por outro lado, as professoras afirmavam que não iam mais usar os materiais da brinquedoteca porque sempre tinha reclamações.

A permanência desses conflitos e a reincidência de outros evidenciavam a necessidade de discussões coletivas sobre o objetivo do trabalho de cada profissional e de todos na creche. Nesse sentido, Saitta (1998) avalia que no interior do coletivo de creches existem diferentes papéis, de professores, serventes, cozinheiras, e nem sempre a coexistência de diversos papéis é fácil para o grupo, especialmente, quando este grupo não tem clareza do sentido de estarem juntos.

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A autora destaca que o processo de identificação com grupo e o sentido de pertencer-lhe passa pela atração de um objetivo comum (projeto pedagógico), por uma ação coletiva (estratégia de intervenção) e pela atração do fato de pertencer ao grupo (componente afetivo). Destaca, ainda, o importante papel do coordenador pedagógico na construção do grupo, ao mencionar que:

O reforço de todos esses processos que determinam a elaboração de “nós” joga-se não só sobre as afinidades e comportamentos interpessoais e sobre as satisfações das necessidades individuais, mas também com a capacidade de intervenção do coordenador que consegue, com clareza, definir, articular e distribuir as diversas competências em relação aos diversos papéis, explicitando sua diferenciação funcional, a interdependência e a complementariedade. (SAITTA, 1998, p. 119).

A falta de capacidade da coordenadora de definir, articular e distribuir as diversas competências dos profissionais em relação aos papéis que eles assumem, apontada por Saitta (1998), era um problema sério na instituição.

No cotidiano da creche pesquisada, existiam também conflitos entre as professoras que atuavam na mesma turma em turnos alternados. Esses eram relacionados a algo que acontecia com a criança: por exemplo, quando alguma criança era mordida e a família procurava saber o que tinha acontecido, geralmente a professora da manhã informava aos pais que não tinha acontecido pela manhã; por sua vez, a professora da tarde assegurava que não tinha sido no seu turno de trabalho. Nesse contexto, Paula conversava com as duas professoras, tentando entender e conciliar a situação para dar uma explicação à família.

Alves (2007), em pesquisa realizada na rede municipal de Goiânia, constatou que uma das principais funções que os coordenadores pedagógicos realizam no trabalho cotidiano é mediar conflitos, procurando equilibrar as relações na instituição. É importante referir que se é exigido do coordenador pedagógico que ele atue como mediador de conflitos é necessário que sua formação contemple saberes de relações interpessoais como defendem Bruno e Almeida (2012a).

Vale também destacar que as profissionais da creche não procuravam conversar entre si para esclarecer fatos ou acontecimentos que emergiam do trabalho que elas realizavam. Sempre recorriam à coordenadora para relatar sua insatisfação e exigir uma solução imediata. Assim, parece que as relações na creche se constituíam mais pelo viés “mandar e obedecer” do que com base no diálogo e na tentativa de compreensão dos diferentes pontos de vistas, necessários para encaminhar soluções.

Nesse contexto, é essencial destacar que a ausência de uma proposta pedagógica elaborada e assumida por todos os profissionais da instituição parecia dificultar a

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compreensão de algumas professoras, da faxineira, da lactarista acerca da especificidade de sua função em uma instituição de Educação Infantil.

Essa situação evidencia a necessidade de formação específica para todos os profissionais que atuam na Educação Infantil e a necessidade de criar oportunidades de formação dentro da instituição que contemple todos os profissionais, como a cozinheira, a secretária, a servente, o guarda etc., uma vez que, de acordo com os contextos e especificidades das suas funções, estes profissionais participam das decisões educativas da instituição. Esta formação deve objetivar a construção de consensos pedagógicos, que explicitem os princípios definidos na proposta pedagógica da instituição (BARBOSA, 2009).