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5 O CONTEXTO DA CRECHE PESQUISADA

5.5 Algumas palavras sobre a proposta pedagógica da instituição pesquisada

Ter acesso a Educação Infantil no Brasil é um direito constitucional de todas as crianças de zero a cinco anos de idade. Assim, creches, pré-escolas e escolas de Ensino Fundamental que possuem turmas de Educação Infantil têm uma responsabilidade para com as crianças pequenas, seu desenvolvimento, sua aprendizagem e seu bem-estar, o que reclama um trabalho intencional e de boa qualidade. De acordo com Andrade (2007, p. 104), “[...] a explicitação dessa intencionalidade dá-se, principalmente, na proposta pedagógica da instituição e no planejamento das atividades a serem desenvolvidas junto às crianças.”

A instituição onde foi realizada a pesquisa não possui uma proposta pedagógica sistematizada em forma de documento, construída pelos profissionais da instituição. A proposta pedagógica existente em forma de documento é a do Município, como expresso no registro a seguir:

Ao consultar a coordenadora pedagógica se a instituição tinha uma proposta pedagógica em forma de documento, ela respondeu-me que sim e logo me deu o documento para que eu o consultasse. Ao ler a introdução da proposta pedagógica, percebi que se tratava de uma versão preliminar da proposta pedagógica de Educação Infantil do município. Perguntei à coordenadora se a proposta tinha sido elaborada pela Secretaria de Educação. Ela respondeu: “Foi sim, foi feita no tempo da [nome da coordenadora de Educação Infantil em 2010], foi ela quem fez e mandou para gente ler e dar sugestões. Nós fizemos, mas não sei se mudaram alguma coisa não.” Perguntei se na creche tinha uma proposta pedagógica que tivesse sido elaborada pelos profissionais da instituição, que falasse um pouco da sua história. A coordenadora olhou para a diretora e afirmou: “Tem o regimento escolar, que foi feito aqui.” (DIÁRIO DE CAMPO, 24.09.2013).

Chama atenção o desconhecimento, por parte da coordenadora pedagógica, sobre a incorporação ou não das sugestões apresentadas pelos profissionais da instituição na proposta pedagógica do Município, o que pode indicar pouca leitura, estudo e discussão do documento pelos profissionais da instituição e, especialmente, o pouco valor atribuído a ele.

Ao consultar a versão preliminar da proposta pedagógica de Educação Infantil do Município, observou-se que o documento continha 11 seções, a saber: 1) Introdução; 2) Objetivos; 3) Diretrizes para Educação Infantil; 4) Concepções sobre a Educação Infantil, que incluía as subseções: concepção de criança e infância; concepção de ensino; concepção de Educação Infantil; e concepção de atividades pedagógicas (educar e cuidar); 5) Construindo novos contextos para Educação Infantil de [nome do município pesquisado]; 6) Referenciais teóricos; 7) Proposta Curricular para Educação Infantil; 8) Processos de avaliação; 9) Orientações Pedagógicas; 10) Referências bibliográficas; e 11) Anexos.

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A frágil compreensão e o valor atribuídos à proposta pedagógica na creche “Cuidando e Pensando no Futuro,” também são evidenciados quando, durante as entrevistas, as professoras e a coordenadora pedagógica mencionam o planejamento mensal e o planejamento das professoras como importantes e não fazem referência à proposta pedagógica. Embora a proposta pedagógica tenha sido elaborada pela coordenação de Educação Infantil da SME, se ela fosse periodicamente discutida e avaliada, deveria, entre outros aspectos, ser um documento orientador nesses momentos de planejamento. A ausência de alusão à proposta pedagógica pode ser indicativa do pouco conhecimento, também por parte das professoras, sobre o documento na instituição e de sua importância para o planejamento pedagógico, o que é expresso na fala a seguir, da única professora que mencionou termos relativos à proposta pedagógica:

[...] que ela [a coordenadora] oriente também ter um currículo, por exemplo, tem a questão do projeto pedagógico, né, de cada escola. Quanto a este assunto [projeto pedagógico] eu não estou muito atualizada, mas eu acredito que essa orientação é necessária. (MARIA).

O pouco entendimento da professora sobre o que seja projeto pedagógico e sua relação com o currículo, possivelmente, está relacionado com a fragilidade da formação a que teve acesso e ao fato de a instituição não possuir proposta pedagógica sistematizada em forma de documento que tenha sido elaborada com a participação de todos os profissionais.

Kramer (2002), ao discorrer sobre propostas pedagógicas ou curriculares para a Educação Infantil, não estabelece distinção conceitual entre proposta pedagógica e currículo. Concebe o currículo numa perspectiva ampla, dinâmica e flexível, e destaca que um currículo ou proposta pedagógica congrega tanto os alicerces teóricos como as diretrizes práticas fundamentadas nos aportes teóricos, como também os aspectos de caráter técnico que viabilizam sua concretização.

Com efeito, é bom lembrar que a proposta pedagógica deve conter os objetivos que se busca alcançar com as crianças e os meios para atingi-los. Dessa forma, ela não deve ser somente um documento que cumpre apenas uma função burocrática, mas um documento orientador das atividades desenvolvidas na instituição e que deve periodicamente ser revisto por todos os profissionais “[...] com base nas experiências vividas na instituição, nas avaliações do trabalho desenvolvido e nos desafios que surgem.” (BRASIL, 2009, p. 35).

Apesar da ausência de uma proposta pedagógica construída e assumida coletivamente por gestores, professoras, demais profissionais da instituição, crianças, famílias

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e comunidade, o planejamento pedagógico é realizado mensalmente pela coordenadora pedagógica, e semanalmente, pelas professoras92.

Assim, percebe-se que, mesmo existindo várias determinações legais e normativas (BRASIL, 1996, 2006a, 2009b) que regulamentam e atribuem grande importância ao papel dos professores na construção, desenvolvimento, avaliação e articulação junto às famílias das propostas pedagógicas, na prática, isso não acontecia na creche pesquisada.

Ao consultar o regimento escolar da creche, referido pela coordenadora pedagógica no primeiro depoimento desta seção, nota-se que ele continha seis títulos, quais sejam: 1) Da identificação da instituição; 2) Dos fins e objetivos; 3) Da organização didática, que incluía cinco capítulos: Das modalidades; Da duração dos períodos letivos; Dos critérios de agrupamento de alunos; Do currículo; e Do projeto pedagógico; 4) Do regime escolar, o qual compreendia quatro capítulos: Do calendário; Da matrícula; Da avaliação; e Da frequência; 5) Da organização administrativa e gestão escolar, que incluía três capítulos: Da estrutura administrativa e pedagógica, que continha quatro seções (Da direção/coordenação; Da equipe docente; Da equipe de apoio; e Da equipe discente) enquanto os capítulos dois e três tratavam respectivamente da gestão escolar e do aperfeiçoamento dos recursos humanos; e 6) Das disposições gerais.

Vale mencionar que a terceira seção do primeiro capítulo do título “Da organização administrativa e gestão escolar,” intitulada “da equipe de apoio,” continha duas subseções, que explicitavam os profissionais que compunham a equipe de apoio escolar. A primeira subseção era nomeada “Do coordenador,” e a segunda “Do pessoal da limpeza e manutenção.”

Interessa apresentar, aqui, as disposições acerca do coordenador pedagógico contida na subseção “Do coordenador,” quais sejam:

a) A função do coordenador pedagógico deve ser entendida como o processo integrador e articulador das ações pedagógicas e didáticas desenvolvidas na escola. b) São direitos do coordenador:

 participar da elaboração do projeto pedagógico, coordenando as atividades do planejamento quando aos aspectos curriculares;

 cumprir a legislação vigente. c) São deveres do coordenador:

 substituir o diretor ou o auxiliar de direção em suas ausências;

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 acompanhar, avaliar e controlar o desenvolvimento da programação curricular;  elaborar relatórios de suas atividades e participar da elaboração de relatórios

diversos da escola;

 prestar assistência técnica aos professores, visando assegurar a eficiência do desempenho dos mesmos para a melhoria do padrão de ensino;

 propor e coordenar as atividades de aperfeiçoamento e de atualização de professores;

 elaborar, coordenar e executar a programação de sua área de atuação;  controlar e avaliar o processo educativo;

 assistir o diretor em sua área de atribuição;

 recomendar e propor a utilização de materiais didáticos;  coordenar a elaboração do projeto pedagógico.

Ao analisar as especificações presentes no regimento escolar da creche sobre a função do coordenador pedagógico, pode-se dizer que tal função foi pensada numa perspectiva da gestão pedagógica. Isto é evidente, tanto no texto que versa sobre essa função como também no fato de a maioria dos deveres deste profissional expressos no referido documento centrar-se mais no seu papel formativo na instituição, notadamente em ações voltadas para os professores e para o trabalho pedagógico em geral.

Convém observar, ainda, que a atuação do coordenador pedagógico na coordenação e elaboração do projeto pedagógico parece ocupar um lugar de destaque, uma vez que é apresentada como um direito e um dever deste profissional.

Ademais, é interessante notar que, além das demandas explicitamente pedagógicas, cabe ao coordenador pedagógico substituir e assistir o diretor em seu campo de atuação; todavia, os limites das ações de substituição e assistência não são explicitados. Apesar disso, é necessário mencionar que as atribuições elencadas no Regimento escolar sobre a função e os deveres do coordenador pedagógico são relativamente esclarecedoras em relação ao seu trabalho; contudo, elas parecem orientar muito pouco o trabalho cotidiano da coordenadora pedagógica da creche, como será visto no próximo capítulo desta dissertação.

Segundo a coordenadora pedagógica, o regimento escolar da creche foi elaborado pelo núcleo gestor (diretora, coordenadora e secretária escolar) para atender à exigência do CEE no processo de renovação da autorização de funcionamento da instituição. De fato, foi possível observar que esse documento não parecia mesmo ter sido elaborado por todos os profissionais da instituição (as professoras, por exemplo, não haviam participado de sua

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elaboração), pois, no final do documento, havia uma ata assinada por todas as docentes e pela coordenadora pedagógica referente à realização de uma reunião presidida pela diretora, realizada no dia cinco de outubro de 2010. O objetivo da reunião, segundo a ata, foi a realização de uma síntese e leitura do regimento escolar da instituição, ocasião em que foi oportunizado às professoras apresentarem contribuições que seriam incorporadas ao documento. Entretanto, não havia nenhuma sugestão registrada na ata.

Assim, percebe-se que, ainda, que seja notável a grande divulgação das determinações contidas na CF/1988, na LDB/1996 (BRASIL, 1988, 1996) e em recomendações presentes em documentos publicados pelo MEC (BRASIL, 2004, 2005, 2006a) acerca do princípio da gestão democrática do ensino, este princípio nem sempre é considerado na gestão de instituições educacionais e na elaboração de documentos que normatizam e regulamentam o funcionamento desses estabelecimentos.

É pertinente mencionar que a proposta pedagógica do Município onde está inserida a instituição pesquisada tem, entre seus objetivos, propor subsídios para a elaboração das propostas pedagógicas das instituições de Educação Infantil, aspecto que parece ser desconhecido ou pouco compreendido pela coordenadora pedagógica, ao afirmar que a instituição tem proposta pedagógica, quando esta proposta não é da instituição e sim do Município. Além disso, igualmente, a coordenadora parece desconhecer a orientação, contida no regimento escolar da creche, de que entre seus deveres como coordenadora pedagógica se encontra a coordenação da elaboração do projeto pedagógico da instituição.

Assim, é necessário pontuar que estes fatos podem ser indicativos de pouco conhecimento, por parte da coordenadora pedagógica, dos processos que envolvem a construção da proposta pedagógica, tais como estudo, discussão, participação e elaboração, por todos os profissionais da instituição, crianças, famílias e comunidade (KRAMER, 2002), bem como do seu papel enquanto articuladora e mediadora desses processos.

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