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4 METODOLOGIA

4.5 Os instrumentos de pesquisa

4.5.1 A observação participante

A opção pela observação participante como instrumento de construção de dados foi norteada pelo caráter de cada um dos objetivos específicos deste estudo de caso. Nesse sentido, Pacheco (1995 apud YARGER; SMITH, 1990) lembra que as questões da pesquisa é que orientam a metodologia, e não o oposto.

Gomez, Flores e Jimenez (1999, p. 165, tradução minha) destacam que a observação participante é “[...] um método interativo de coleta de informações que requer uma implicação do observador nos acontecimentos ou nos fenômenos que está observando.”

Assim, o uso da observação participante se justifica porque a complexidade do fenômeno investigado neste estudo (o trabalho da coordenação pedagógica e sua relação com as práticas pedagógicas das professoras e as perspectivas da coordenadora pedagógica e das professoras) requereu a presença da pesquisadora nas situações assumidas e vivenciadas pelos sujeitos nos contextos em que elas acontecem.

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As observações aconteceram em vários contextos da creche onde a coordenadora pedagógica desenvolveu alguma atividade, e foi o principal recurso utilizado para caracterizar o trabalho da coordenação pedagógica (primeiro objetivo específico deste estudo), o que permitiu o “[...] acesso aos eventos ou grupos que, de outro modo, seriam inacessíveis ao estudo” (YIN, 2010, p. 139), como, por exemplo: os acontecimentos, relações e interações envolvidas nas ações concretas e que caracterizam o trabalho cotidiano da coordenação pedagógica com o grupo de professoras.

Considerando-se que as experiências vividas na instituição onde a coordenadora pedagógica trabalha, além de configurarem seu ofício, apresentam indicações de como esta profissional percebe o seu trabalho e a relação deste com as práticas pedagógicas das professoras (segundo objetivo específico deste estudo); e, ainda, que a inserção no cotidiano da instituição possibilita o acesso a situações reveladoras das percepções das professoras sobre o trabalho da coordenação pedagógica e a relação deste com suas práticas pedagógicas (terceiro objetivo específico deste estudo), a observação participante também contribuiu para o alcance desses três objetivos, embora seja a entrevista o principal instrumento de apreensão dos dados que permitiram atingi-los.

Foram realizadas duas visitas à instituição antes de se iniciar as observações. A primeira visita aconteceu no mesmo dia em que se consultou a equipe técnica da SME a respeito da indicação de uma instituição para realizar a investigação. Ao se chegar à creche, por volta das 15 horas, conversou-se com o núcleo gestor60 e, especialmente, com a coordenadora pedagógica, sobre o motivo da visita e os objetivos da pesquisa. Na ocasião, tanto a instituição, representada pelo núcleo gestor, como a coordenadora aceitaram participar da pesquisa. Nesse dia, não se conseguiu falar com as professoras efetivas, pois elas saiam às 13 horas.

Na segunda visita, chegou-se à instituição por volta das 11 horas e 40 minutos e só se conseguiu falar com duas professoras, que concordaram em participar da pesquisa61. Após o primeiro contato com a instituição, foi elaborado o ofício à SME, solicitando autorização para realizar a pesquisa na creche, mas só se entregou na SME após a segunda visita, quando se teve a aceitação de duas professoras. Assim sendo, na terceira visita, diante

60O núcleo gestor é formado pela diretora, coordenadora pedagógica e secretária escolar.

61Manifestou-se à diretora e à coordenadora o interesse em ficar o restante do dia na instituição, mas elas pareciam não estar à vontade com a presença da pesquisadora na instituição. Elas perguntaram se já se tinha almoçado e, ao saberem que não, sugeriram discretamente que se fosse para casa almoçar e no dia seguinte se retornaria. (DIÁRIO DE CAMPO, 23.09.2013).

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da concordância de mais duas professoras, iniciaram-se as observações ao trabalho da coordenação pedagógica.

Foram realizadas 15 sessões de observação participante, no período de setembro a novembro de 2013, que tiveram a duração média de dez horas diárias, com exceção de duas, que duraram, em média, sete horas. Uma delas foi realizada em um dia de encontro de planejamento mensal, que reúne professoras e estagiárias62 da creche, na própria instituição, e é planejado e coordenado pela coordenadora pedagógica. Todas as observações aconteceram regularmente duas ou três vezes por semana, sem dia pré-fixado, contemplando todos os dias da semana.

Chegava-se à creche por volta de seis horas e 50 minutos, algumas vezes às sete horas63 e todas as vezes o portão que dava acesso à recepção da creche estava aberto e a coordenadora pedagógica se encontrava na recepção, recebendo as crianças e suas famílias ou responsáveis. Algumas vezes a diretora e a secretária também se faziam presentes. O portão de entrada das crianças fechava por volta de sete horas e 40 minutos. Após esse momento dirigia-se, junto com a coordenadora, para a sala do núcleo gestor, onde se permanecia por quase todo o período. Ficava-se sentada em uma cadeira encostada na parede ao lado do birô da coordenadora. Nos momentos em que ela saía da sala, cuidava-se de acompanhá-la e juntamente com ela se retornava.

Todos os dias a coordenadora recolhia dinheiro de quem queria comprar pão (professoras, diretora, secretária, lactaristas, auxiliares de serviços gerais) e entregava ao porteiro para ele fazer essa compra. Passou-se a colaborar na arrecadação desse dinheiro, pois tomava-se café junto com a coordenadora. Algumas vezes, o café da manhã se constituía em momentos de interação da coordenadora com as professoras que estavam na sala dos professores também tomando café, mas pouco falavam de assuntos relacionados à creche, conversavam mais de aspectos da vida particular.

Também almoçava-se na creche, junto com a coordenadora e seu sobrinho que estudava em uma instituição próximo da creche. Todos os dias, por volta de 11 horas, ela saía para buscá-lo e ele ficava na creche até em torno de 13 horas, horário em que seus pais saiam

62A função de estagiária é assumida por estudantes que estão cursando o Ensino Médio ou curso de graduação em Pedagogia. Não há nenhuma exigência para que o referido Ensino Médio seja na modalidade Normal. Segundo a coordenadora pedagógica, na prática, as estagiárias assumem a função de auxiliar de sala. Geralmente são pessoas da comunidade, que moram próximo à instituição.

63Sete horas é o horário oficial de entrada das crianças. Nesse horário, geralmente, as professoras ou as estagiárias já se encontravam nas salas para receber as crianças que estavam chegando.

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do trabalho e iam pegá-lo. O horário de almoço da coordenadora era das 12 às 14 horas64. Após o almoço, a coordenadora costumava descansar e dormir em colchonetes no pátio coberto. Algumas vezes, se decidia acompanhá-la e também dormia-se um pouco.

Após o descanso, às 14 horas, a coordenadora retornava para sua sala e retomava o trabalho. Assim como no período da manhã, ficava-se na sala do núcleo gestor observando e acompanhando a coordenadora pedagógica nos momentos em que ela saía da sala. À tarde também se tomava, juntas, o café na sala das professoras.

As sessões de observação ao trabalho cotidiano da coordenação pedagógica foram norteadas por um roteiro de observação65 e registradas em um diário de campo66, onde foram

realizadas anotações descritivas e reflexivas acerca das atividades desenvolvidas pela coordenadora pedagógica, bem como das impressões que se guardava sobre o que se via, sentia e escutava no tempo em que se permaneceu na instituição. A observação do encontro de planejamento coletivo foi orientada por um roteiro específico67 diferente do utilizado na observação do trabalho cotidiano da coordenação pedagógica.

É importante lembrar que Bogdan e Biklen (1994) se reportam a dois tipos de diários de campo: o primeiro é do tipo descritivo e incide na tentativa do pesquisador apreender o que ocorre em campo por meio da observação das pessoas, das ações e das conversas, assim como da descrição do local. O segundo é do tipo reflexivo e apreende as ideias, reflexões, impressões e sentimentos do pesquisador ante esse campo.

Não foram utilizados recursos como fotografias, gravação ou filmagem para registrar momentos do cotidiano de trabalho da coordenação pedagógica, tampouco os espaços da creche, sobretudo porque as professoras inicialmente pareciam incomodadas e preocupadas com a presença da pesquisadora. Com a desistência de uma professora em participar da pesquisa, ficou-se com o receio de que o uso desses recursos motivasse a desistência de mais alguma professora.

64O momento do almoço não era compartilhado com as professoras, que almoçavam em suas salas no horário do sono das crianças.

65Ver apêndice C.

66Durante toda a pesquisa de campo, o diário de campo despertava a curiosidade das professoras, da coordenadora, até mesmo da merendeira, que chegou a comentar: “Deixa eu ler o que você tanto anota nesse caderninho, você tá fiscalizando a [nome da coordenadora], vai escrever aí que ela saiu para fazer pagamento da Avon.” Isto angustiava bastante, ficava-se confusa sobre o papel de pesquisadora. No dia de observação do planejamento coletivo, saiu-se para tomar água e levou-se o diário de campo e a coordenadora olhou e disse: “Jorgiana vou pegar esse caderninho.” A resposta foi: “eu tenho que anotar tudo que vejo, senão esqueço.” (NOTAS DE CAMPO, 26.09.2013). Diversas vezes se guardou medo de que, em algum momento, alguém pegasse o diário de campo para ler. Algumas vezes, se deixou de descansar com a coordenadora no horário do almoço porque se temia que isso acontecesse; entretanto, é compreensível a curiosidade da coordenadora pedagógica sobre os escritos acerca do seu trabalho. Deve ser difícil ter alguém o tempo inteiro, durante alguns meses, observando e analisando seu trabalho, pois, certamente, as fragilidades ficam expostas.

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A construção dos roteiros que subsidiaram as observações foi orientada pelos resultados das três pesquisas de abrangência nacional citadas em passagem deste estudo (CAMPOS et al., 2010, 2012; PLACCO; ALMEIDA; SOUZA, 2011), que, direta ou indiretamente, estudaram a coordenação pedagógica na Educação Infantil, apresentando dados relevantes sobre o dia a dia do trabalho dessas profissionais. Além das contribuições dessas pesquisas, a elaboração dos roteiros também foi orientada pelo documento Parâmetros Nacionais de Qualidade para a Educação Infantil, publicado pelo MEC (BRASIL, 2006a, v. 2). A opção por este documento aconteceu porque ele sintetiza as principais orientações legais que os sistemas de ensino devem obedecer, no tocante às creches e pré-escolas, nas suas formas de organização; organiza em seções distintas diversos aspectos relacionados ao processo educacional, inclusive quanto à gestão; e aponta o coordenador pedagógico como um dos profissionais responsáveis pela gestão.

O uso dos roteiros de observação foi importante porque contribuiu para a concentração do olhar sobre o objeto do estudo. Estes roteiros também funcionavam como guias na retomada dos registros realizados no diário de campo, evitando que se ficasse perdida, em face da rapidez com que se realizava os registros, sobretudo, em razão do incomodo e da curiosidade que ele causava na coordenadora e em outros profissionais da instituição. Assim, os roteiros foram fundamentais nos momentos de tomar notas. Contribuíram, ainda, na distinção entre fatos, acontecimentos e impressões, sentimentos e interpretações.