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3 BASES TEÓRICAS

3.2 A especificidade do trabalho docente na Educação Infantil

3.2.2 A profissionalidade específica da coordenação pedagógica na Educação

A pouca presença da coordenação pedagógica na Educação Infantil em pesquisas brasileiras já foi mencionada neste trabalho, por ocasião da revisão bibliográfica das produções sobre essa função, publicados nos sítios da ANPED, SBPC e BDTD, no período de 2006 a 2012, a qual revelou que, do total de 354 trabalhos publicados na área da Educação Infantil, apenas oito tiveram como foco de investigação a coordenação pedagógica na primeira etapa da educação.

Do mesmo modo, ao se consultar a literatura especializada (livros e periódicos da área), produzida no Brasil na área da Educação Infantil, se observou que é quase inexistente a produção sobre coordenação pedagógica em creches e pré-escolas. Foram encontrados, porém, alguns artigos que versam sobre a coordenação pedagógica na primeira etapa da Educação Básica na produção recente organizada por Almeida e Placco (2010) e por Placco e Almeida (2012), que discutem a especificidade da atuação da coordenação pedagógica na formação continuada dos professores, as possibilidades e dificuldades da ação do profissional que assume essa função formadora centrada na escola54.

Sobre a formação centrada na escola, é importante mencionar que, segundo Oliveira-Formosinho e Formosinho (2001), podem-se integrar ao seu conceito várias vertentes que acentuam algumas dimensões: 1) Dimensão física: ocorre no local de trabalho do professor; 2) Dimensão organizacional: centrada nas iniciativas da unidade organizacional da escola, que deve identificar as necessidades de formação, seu formato, a quem se reserva e os momentos destinados a ela; 3) Dimensão psicossocial: ressalta o papel dos professores em

54Vale destacar, aqui, outras produções organizada por Almeida e Placco (2001, 2011, 2013) e por Placco e Almeida (2012a) que, embora não contemplem a Educação Infantil, apresentam importantes subsídios para se pensar e discutir a especificidade da atuação da coordenação pedagógica na formação continuada de professores centrada na escola, de forma associada às diversas ações que integram seu cotidiano de trabalho.

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todas as fases da formação, não vistos individualmente, mas inseridos em seus grupos profissionais; 4) Dimensão pedagógica: busca identificar as necessidades das práticas dos professores, com vistas às mudanças, valorizando seus saberes práticos e experiências; 5)

Dimensão político-corporativa: observa a necessidade de auto-organização dos professores

para promover sua própria formação.

Os autores defendem o argumento de que a formação centrada na escola não precisa necessariamente se limitar ao seu espaço físico, mas necessita, sobretudo, atender as necessidades coletivas dos professores e da instituição educacional em que trabalham. Além disso, é essencial que também esteja aberta às necessidades da comunidade e que seus conteúdos sejam definidos, considerando, sempre, as necessidades das crianças pequenas e de suas famílias, o que implica vincular o desenvolvimento profissional e organizacional ao desenvolvimento das crianças.

Zumpano e Almeida (2012) apontam que a ação mais importante do coordenador pedagógico na Educação Infantil está relacionada à formação de professores que, ao realizar um trabalho coletivo, articulado e integrado com os docentes, investem na formação centrada na escola. De acordo com as mencionadas autoras, a atuação do coordenador pedagógico como formador de professores pode contribuir para superar a visão dicotômica que ainda existe em relação ao cuidado e à educação em creches e pré-escolas, uma vez que as intervenções desse profissional devem instigar o professor a refletir e explicitar os princípios que orientam sua prática pedagógica a partir dele mesmo, de sua formação e da troca de experiência com seus pares. Elas destacam, ainda, que

[...] proporcionar uma formação em serviço centrada na escola, considerando suas singularidades e características educativas, permitindo que os próprios professores disponham de um conhecimento aprofundado e concreto em relação a sua organização, elaborando um diagnóstico sobre seus problemas e suas dificuldades, mobilizando suas experiências, saberes e ideias para refletir sobre eles e posteriormente aplicá-los em possíveis soluções são todas tarefas que cabem ao papel do coordenador pedagógico não somente da educação infantil, mas dos demais segmentos educacionais. (ZUMPANO; ALMEIDA, 2012, p.34-35).

Nesse sentido, pesquisas que versam sobre a coordenação pedagógica em contextos educacionais diversos (ALMEIDA; PLACCO, 2013; CUNHA, 2006) destacam a atuação do coordenador pedagógico como formador de professores como sendo um dos eixos que compõe o trabalho deste profissional.

Bruno, Abreu e Monção (2010) também enfatizam a ideia de que a ação deste profissional como formador de professores está entre os quatro aspectos fundamentais que permeiam as ações do coordenador pedagógico na Educação Infantil. Em relação aos demais

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aspectos implicados no trabalho do coordenador pedagógico, referidos autores destacam: a escuta das crianças como orientação para planejar e avaliar o trabalho desenvolvido junto a elas; o cuidado com a forma como se concretizam as relações interpessoais, uma vez que estas relações são fundamentais para constituição do grupo de professores com o qual trabalha; e a especificidade de sua atuação em creches e pré-escolas, a qual se relaciona, principalmente, com o propósito de instigar a reflexão permanente dos docentes acerca da articulação entre o cuidar e o educar nas práticas que desenvolvem no dia a dia junto às crianças.

Bruno, Abreu e Monção (2010) acrescentam, à especificidade do papel do coordenador pedagógico, a relevância do trabalho com as famílias das crianças e de estudo sobre esta temática com os professores.

A análise dos estudos identificados na revisão de literatura e referidos na introdução e no segundo capítulo deste trabalho (ALVES, 2007; 2011a; 2011b; CUNHA, 2006; GOMES 2011; PALLIARES, 2010; WALTRICK, 2008; ZUMPANO, 2010) aponta que o trabalho da coordenação pedagógica na Educação Infantil é diferenciado daquele realizado pela coordenação pedagógica no Ensino Fundamental e Médio, dadas as especificidades dos sujeitos desta etapa da educação (as crianças) e que são diversas e alargadas as funções que configuram o trabalho da coordenação pedagógica na Educação Infantil: a) encaminha princípios e fundamentos específicos do trabalho pedagógico a ser desenvolvido com as crianças; b) observa, orienta e acompanha a prática pedagógica das professoras; c) estimula a reflexão das docentes sobre sua prática; d) articula a construção e implementação da proposta pedagógica; e) atua como mediadora das relações interpessoais; f) planeja e organiza a formação continuada das professoras; e g) assume vários serviços de caráter burocrático-administrativo.

Essas pesquisas, em sua maioria, não mencionam uma definição de coordenação pedagógica, mas, por outro lado, indicam funções/papéis que a caracterizam nos contextos pesquisados, o que contribui para a compreensão do seu papel e da sua identidade profissional na Educação Infantil.

No estudo de Alves (2007, p. 258), observa-se uma definição dessa função, já mencionada neste trabalho, a saber: “a coordenação pedagógica é uma função de gestão educacional, que tem o papel de mediação e articulação coletiva dos projetos e práticas educativas realizados nas escolas e nos CMEIs” [Centros Municipais de Educação Infantil].

Bruno, Abreu e Monção (2010) definem o coordenador pedagógico na Educação Infantil como

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[...] aquele que, na instituição, impulsiona, motiva, provoca, desafia e instiga seu grupo a se questionar sempre, a refletir sobre sua prática, a buscar alternativas para as mudanças, atuando como mediador de um processo no qual os professores confrontam suas ideias com ideias dos autores e de seus pares, em sucessivas sínteses que se traduzem na ação de aprender e nas quais se imbricam aspectos como emoções, valores, representação e conceitos que fazem parte do universo cultural de quem aprende. (BRUNO; ABREU; MONÇÃO, 2010, p. 88-89).

Esses autores também compartilham da idéia, defendida por Alves (2007), de que o coordenador pedagógico compõe a equipe da gestão. Compreendem-no, então, como parceiro do diretor e, portanto, capaz de contribuir com a formação de toda a equipe de profissionais da instituição.

Na análise de Placco, Almeida e Souza (2011), seja no campo da pesquisa ou da reflexão sobre a prática, ocorre no Brasil um crescente interesse sobre a coordenação pedagógica nos últimos anos, contemplando tanto aspectos mais amplos (como a profissão, a identidade profissional e a carreira), quanto abordagens mais focadas no sujeito que assume essa função, envolvendo aspectos subjetivos, habilidades, competências etc. Os resultados da revisão bibliográfica apresentados na seção 2.3 do segundo capítulo desta dissertação, no entanto, indicam que esse crescente interesse ainda é incipiente quando se trata da coordenação pedagógica em creches e pré-escolas.

Assim, considera-se que, em um contexto onde são raras as pesquisas sobre a coordenação pedagógica em ambientes coletivos de educação e cuidado de crianças pequenas, constitui-se um desafio refletir sobre a profissionalidade específica dessa função.

Para isso, sem desconsiderar a relevância das produções brasileiras que tratam da coordenação pedagógica em outras etapas da Educação Básica, e o fato de que elas podem contribuir para o debate da constituição dessa função na Educação Infantil, particularmente, por entender que o papel dos coordenadores pedagógicos de outras etapas da educação, em alguns aspectos gerais, é semelhante ao papel dos coordenadores pedagógicos da Educação Infantil, é necessário, destacar o fato de que, em muitos aspectos, este papel é bastante distinto. Esta distinção existe, sobretudo, em virtude da diferenciação da natureza do trabalho pedagógico desenvolvido na Educação Infantil daquele desenvolvido na escola, em geral. (ROCHA, 1999). Assim, a reflexão teórica sobre a profissionalidade específica da coordenação pedagógica na Educação Infantil conta, também, com as contribuições de autores italianos.

A opção por autores desse país decorre do fato de as creches na região de Emília- Romanha serem exemplos de instituições públicas de educação e cuidado de crianças pequenas, que inspiram reflexões teóricas e práticas em diversos países, inclusive no Brasil.

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Também porque a história da coordenação pedagógica nesse país surge junto com a história do atendimento educacional à criança pequena na rede oficial (BONDIOLI, 2004).

Segundo Bondioli (2004), pesquisadora italiana, o coordenador pedagógico começa a atuar nos municípios que iniciam a reorganização do atendimento às crianças na creche, a partir do ano de 1970, paralelamente à lei que cria as creches e modifica aquelas pertencentes à Obra Nacional de Maternidade e Infância, criadas durante o regime facista. Desse modo, argumenta que o esboço do perfil profissional do coordenador pedagógico está intensivamente vinculado à história das redes de atendimento a infância.

A mencionada autora destaca que, na região de Emília-Romanha, a legislação educacional “[...] impõe a presença do coordenador pedagógico como padrão qualitativo necessário para o credenciamento das creches.” (BONDIOLI, 2004, p. 118). Neste contexto, o trabalho do coordenador pedagógico está relacionado à “requalificação das redes” e formação das professoras de creches. Bondioli (2004, p. 119) enfatiza, ainda, que “[...] em realidades mais atentas, [...] em que o órgão local aposta nas redes para a infância, o pedagogo ou coordenador pedagógico é, naqueles anos, uma figura-chave na definição da qualidade das creches e das pré-escolas municipais.” Além disso, destaca que:

A presença do coordenador pedagógico, além da formulação de um projeto pedagógico, constitui um dos critérios básicos de credenciamento, um critério para garantia de qualidade. É como dizer que ao coordenador pedagógico é requisitada uma tarefa não apenas organizacional, mas, sobretudo, formadora, em defesa da qualidade educativa dentro do programa educativo. (BONDIOLI, 2004, p. 136).

Ao discorrer sobre a coordenação pedagógica em creches italianas, Saitta (1998) fala acerca de aspectos referentes ao seu papel, funções e competências profissionais. Assim, suas ponderações, ao mesmo tempo, revelam a especificidade do trabalho da coordenação pedagógica e da profissionalidade específica dessa função na Educação Infantil. Mencionada autora considera que a coordenação pedagógica garante o princípio da continuidade da experiência educacional da creche, tendo em vista que se configura como instrumento de programação, estudo, organização, verificação e síntese do projeto pedagógico.

Saitta (1998) ressalta que o conjunto de competências pedagógicas desse profissional se articula em torno desses três elementos. A compreensão de cada um destes elementos é assim especificada:

A)Organização do serviço compreendida como:

- espaços (articulações e estruturação dos ambientes em função do projeto pedagógico e das necessidades das crianças);

- atividades (em relação aos projetos e planos de trabalho de seção); - materiais e brinquedos (escolha dos materiais lúdicos e didáticos);

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- pessoal (análise dos tempos, horários, subdivisões das tarefas, etc.);

- grupos de crianças (formação de turmas, grupos homogêneos de crianças ou grupos heterogêneos de acordo com a idade etc.).

B) Projeto educacional realizado através de:

- identificação e programação dos objetivos gerais e dos objetivos específicos; - análise dos momentos de rotina;

- necessidades das crianças e utilização dos espaços;

-aspectos comunicativos, expressivos e cognitivos na dimensão corpo/ambiente/símbolo.

C) Competências profissionais dos educadores referentes a: - conhecimentos psicopedagógicos sobre a primeira infância; - capacidade de construir um projeto educacional;

- análise das temáticas inerentes a infância na cultura contemporânea; - estruturação da relação entre adultos e crianças;

- confronto entre pais e educadores. (SAITTA, 1998, p. 115).

Saitta (1998) menciona também que se somam ao perfil desse profissional capacidades de tipo administrativo, destacando a dificuldade de instituir limites entre estas e as pedagógicas, haja vista que essas dimensões estão intensivamente inter-relacionadas. Apesar de reconhecer que os temas de caráter burocrático-administrativo não devem compor as funções da coordenação, lembra que problemas dessa natureza podem criar obstáculos à realização do projeto pedagógico. Desse modo, o coordenador não pode desconhecer as dificuldades de natureza administrativa, embora a administração e a solução destes problemas não integrem diretamente suas funções. Assim, enfatiza que a coordenação pedagógica deve ter um constante apoio administrativo:

As escolhas de caráter pedagógico devem encontrar um constante retorno de caráter administrativo e organizacional. Isso comporta periódicos encontros em nível administrativo, para uma realização concreta das iniciativas, de acordo com os problemas colocados pela organização mais geral dos serviços. (SAITTA, 1998, p. 115; grifos da autora).

É importante mencionar a ênfase que Saitta (1998, p. 116) confere ao papel que o coordenador pedagógico desenvolve como condutor e administrador do grupo no coletivo de educadores, “[...] organismo institucionalmente previsto como modalidade organizacional e administrativa do projeto pedagógico da creche.” Para tanto, ela evidencia quatro competências ligadas às funções da coordenação pedagógica:

1) capacidade de análise para manter o grupo na elaboração do projeto pedagógico; 2) capacidade de organizar os meios de ação mais eficazes, para permitir que o grupo alcance os objetivos preestabelecidos;

3) capacidade de síntese que ajude o grupo a assumir e levar a termos as tarefas assumidas;

4) capacidade de comunicar, para permitir a si mesmo e aos outros as trocas dos significados das próprias experiências. (SAITTA, 1998, p. 119).

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Assim, apoiando-se no exposto aqui, entende-se que a profissionalidade específica da coordenação pedagógica na Educação Infantil esta relacionada à ação do coordenador pedagógico junto aos professores, crianças e famílias, tendo como referência seus conhecimentos sobre criança, infância, desenvolvimento infantil e Educação Infantil, suas competências e sentimentos.

Ademais, com base nas ideias delineadas nesta seção, é possível observar que, de forma geral, há semelhanças em relação ao papel e ao trabalho geral da coordenação pedagógica nas creches da Itália e as funções/papéis/trabalho desse profissional evidenciados em algumas pesquisas (ALVES, 2007; GOMES, 2011; WALTRICK, 2008) e estudos (BRUNO; ABREU; MONÇÃO, 2010; ZUMPANO; ALMEIDA, 2012) brasileiros. Apesar das diferenças na estrutura e funcionamento dos serviços de atendimento educacional para a primeira infância, os dois países ratificam a ideia de que são diversas e alargadas as funções que configuram o trabalho da coordenação pedagógica na Educação Infantil, abrangendo aspectos pedagógicos, administrativos e relacionais. A abrangência de cada um desses aspectos destaca a complexidade que marca a profissionalidade específica do trabalho da coordenação pedagógica na Educação Infantil, que precisa ter como referência as particularidades do atendimento aos bebês, crianças bem pequenas e crianças pequenas, que se diferenciam das particularidades de outras etapas da educação em decorrência das características das crianças, sujeitos da educação em creches e pré-escolas.

É preciso ressaltar, no entanto, a noção de que, na Itália, a coordenação pedagógica e os aspectos que envolvem o seu trabalho são amplamente reconhecidos e discutidos pela administração municipal e pela gestão social de creches e pré-escolas (FILIPPINI, 1999), enquanto no contexto brasileiro, a discussão acerca da relevância desse profissional em instituições de Educação Infantil apenas se anuncia. Desse modo, a construção da sua profissionalidade, tanto no campo teórico como concreto, constitui um desafio.

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