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6 O TRABALHO DA COORDENAÇÃO PEDAGÓGICA NA CRECHE

6.10 Planejamento de ações institucionais

6.10.2 Planejamento pedagógico

A realização do planejamento pedagógico na creche “Cuidando e Pensando no Futuro” acontecia de duas formas. A primeira ocorria todos os dias na instituição. Tratava-se

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do planejamento semanal das professoras. Cada professora, uma vez por semana, tinha quatro horas para planejar as práticas pedagógicas que desenvolveriam junto às crianças naquela semana.

A segunda forma de planejamento é identificada pelas profissionais da instituição como planejamento mensal, devido ocorrer uma vez por mês104 e por consistir em um momento em que são apresentadas pela coordenadora pedagógica as orientações gerais para o trabalho que será desenvolvido junto às crianças durante um mês. Tratava-se de um momento que reunia professoras, estagiárias e coordenadora pedagógica105. Também tem duração de quatro horas e é planejado, realizado e coordenado pela coordenadora pedagógica.

Em relação ao planejamento semanal, vale ressaltar que, embora mais de uma professora o realizasse no mesmo dia, elas o faziam de forma individual. Durante o trabalho de campo, não foram presenciadas ocasiões de troca entre essas profissionais acerca do planejamento de suas práticas pedagógicas. Portanto, eram desperdiçadas oportunidades preciosas de trocas entre essas profissionais.

A observação ao cotidiano de trabalho da coordenadora pedagógica permitiu apreender que ela se preocupava com a realização do encontro de planejamento mensal, estudava e pesquisava para organizar esse momento. O planejamento semanal de cada professora, entretanto, parecia não ser alvo de preocupação, sobretudo devido à ausência de acompanhamento e orientação a esses momentos. Assim, parece que o planejamento pedagógico coletivo assumia importância muito maior para Paula no cotidiano da creche.

Os comentários acerca de como o planejamento mensal acontecia têm como referência uma observação realizada em um desses planejamentos. Em relação a esse planejamento, importa enfatizar que, de maneira semelhante ao que ocorria no planejamento semanal das professoras, ele era planejado também de forma individual, mas desta vez pela coordenadora pedagógica.

A tarefa de delinear o planejamento coletivo era caracterizada por períodos fragmentados de estudo, pesquisa, seleção de textos e a elaboração de um projeto que seria entregue às professoras, contendo as orientações para o trabalho com as crianças durante um mês106.

104Neste trabalho, as expressões “planejamento mensal”, “planejamento coletivo” e “planejamento pedagógico coletivo” serão empregados como sinônimas.

105Segundo a coordenadora, a diretora só participava desse planejamento quando precisava definir alguma questão mais administrativa, por exemplo, arrecadação de fundos para realização de festas comemorativas. 106Alves (2007, p. 237) também observou que algumas coordenadoras pedagógicas entregavam projetos prontos

às professoras, atribuindo ao professor o papel de executor de planos. Segundo a autora, “a herança histórica do papel do supervisor escolar como especialista que dominava a melhor forma de realizar o trabalho em sala

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A fragmentação dos estudos mencionada está relacionada à necessidade de a coordenadora pedagógica realizar outras atividades que integravam o seu trabalho. Assim, enquanto estudava, lia e delineava o planejamento mensal, acabava se envolvendo em outras ações, como, por exemplo: ajudar no lanche e refeições das crianças, receber dinheiro de rifas etc. Algumas vezes, também, necessitava suspender a programação de estudo do dia para substituir algum profissional que havia faltado. Os resultados da pesquisa de abrangência nacional, intitulada “O Coordenador Pedagógico e a Formação de Professores: intensões, tensões e contradições (PLACCO; ALMEIDA; SOUZA, 2011), já bastante mencionada neste trabalho, revelam que o excesso de atribuições dos coordenadores pedagógicos é constante nos estabelecimentos educacionais, o que dificulta um melhor dimensionamento de sua função, de modo que possa atuar mais efetivamente na dimensão formativa dos professores. Além disso, não se pode deixar de considerar que, talvez, eles se envolvem nessas tarefas, também, porque sabem desempenhá-las com maior segurança do que aquelas mais próprias à sua função.

Ao consultar as pautas dos planejamentos coletivos realizados desde o início do ano na creche “Cuidando e Pensando no Futuro,” foi possível notar que as mesmas não eram precedidas por um tema que indicasse o que orienta as opções da coordenadora pedagógica em sua construção. Embora no planejamento mensal ela entregasse um projeto com um tema específico, nem sempre os textos propostos para estudo, no dia do planejamento, eram condizentes com o tema do projeto.

A apreciação dessas pautas revela também que cada uma é muito diversa da outra, não dando continuidade a nenhum tema, de modo que propõem estudos de textos relacionados ao projeto do mês, à Educação Infantil, a certas datas comemorativas e sobre temas não relacionados diretamente ao projeto nem à Educação Infantil. Vale registrar ainda que a quantidade de itens propostos para essa reunião era alta, tendo em vista o tempo disponível para sua realização (apenas quatro horas, como já referido).

Esse frágil dimensionamento do tempo necessário para realização das atividades propostas para acontecer no planejamento coletivo também foi notado durante uma observação de um dia de planejamento. É possível que este fato, aliado à precária gestão das discussões dos textos por parte da coordenadora, tenha impossibilitado a realização de algumas das atividades propostas para acontecer neste dia, como, por exemplo, o estudo do projeto pedagógico do mês.

de aula e [portanto, como o profissional que] se encarregava de repassá-la aos professores que não tinham conhecimentos suficientes”, é um dos fatores contribuem para essa opção das coordenadoras.

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É relevante, ainda, chamar atenção para o conteúdo das discussões dos textos, os quais se centravam no debate de problemas enfrentados pelas professoras no cotidiano, não os superando, mas permanecendo apenas neles. Dessa forma, as reflexões sobre tais temas não ultrapassavam as dificuldades vivenciadas, não permitindo outra visão sobre eles e a busca de estratégias para superá-los. Talvez essa situação esteja relacionada à limitada gestão das ideias contidas nos textos por parte da coordenadora pedagógica.

Dessa forma, o planejamento coletivo na instituição pesquisada sugere estar se constituindo num espaço para as professoras expressarem suas queixas em relação aos dilemas que enfrentam no dia a dia na instituição, que precisam urgentemente de encaminhamento institucional. Talvez assim o seja por este ser o momento em que a maioria das professoras e coordenadora pedagógica estão reunidas. Esse momento, no entanto, deveria ser ainda mais valorizado no sentido de tratar de aspectos relativos ao trabalho pedagógico realizado na creche, haja vista a falta de apoio da coordenadora nos planejamentos semanais e a no cotidiano das professoras.

De maneira semelhante à situação observada na instituição pesquisada, Torres (2001), ao analisar as reuniões pedagógicas entre coordenadores e professores, entende que a incidência nos problemas ou dificuldades sugere que “as problemáticas são os embriões geradores dos temas,” de modo que as falas se centram nas dificuldades e não na proposição de ideias conjuntas sobre as dinâmicas do cotidiano, mas especialmente sobre os problemas cotidianos.

A observação dos itens presentes no projeto elaborado pela coordenadora pedagógica e entregue às professoras permitiu identificar que distintas perspectivas de planejamento, que marcam a história das formas de organização das práticas pedagógicas na Educação Infantil, estão presentes no referido projeto: listagem de atividades, datas comemorativas, baseado em temas e em áreas do conhecimento107. (OSTETTO, 2000).

107Sobre os diversos tipos de planejamento que marcam a história da Educação Infantil, Ostetto (2000) aponta: 1) Baseado em listagem de atividades: as atividades estão planejadas de acordo com o tempo e não com o desenvolvimento e aprendizagem das crianças; 2) Baseado em datas comemorativas: o planejamento é direcionado pelo calendário; 3) Baseado em aspectos do desenvolvimento: as características e aspectos do desenvolvimento determinam os objetivos a partir dos quais serão organizadas atividades que estimulem as crianças naquelas áreas consideradas importantes; 4) Baseado em temas: o tema é o desencadeador das atividades propostas às crianças, funcionando como uma espécie de eixo condutor do trabalho; 5) Baseado em conteúdos organizados por áreas de conhecimento: aponta noções a serem trabalhadas na pré-escola, contemplando conteúdos básicos de quatro grandes áreas de conhecimento: matemática, português, ciências sociais e naturais; e 6) Baseado em Projetos de Trabalho: elaborado a partir da observação dos movimentos das crianças, procura identificar seus interesses e pode nascer de qualquer situação acontecida no grupo, desde que o professor julgue importante para favorecer a produção e a construção do conhecimento.

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A ação da coordenadora pedagógica de elaborar antecipadamente um conjunto de informações a serem entregues às professoras, a qual intitula de projeto, revela a limitada compreensão por parte dessa profissional acerca de algumas questões importantes que devem nortear o trabalho com projetos108. Assim, vale dizer que, na contramão do que propõe a perspectiva de trabalho com projetos na Educação Infantil, na instituição pesquisada ele não constitui processo que permita a vivência de ricas relações entre ensino e aprendizagem, o estabelecimento de um processo criativo para crianças e professores organizado a partir das ideias que surgem no grupo com o qual se trabalha (BARBOSA; HORN, 2008), aproximando-se mais de superposição de atividades.

É importante, pois, chamar a atenção para o significado que a expressão planejamento pedagógico coletivo parece assumir na instituição em que foi realizada a pesquisa, o qual não se relaciona com construção e reflexão coletiva de um grupo de educadores que partilham objetivos comuns sobre o trabalho que será desenvolvido junto às crianças. De forma contrária, configura um momento em que são realizadas algumas leituras e discussões de alguns temas específicos da Educação Infantil, e em que é entregue um projeto para ser desenvolvido com as crianças, elaborado, previa e solitariamente, pela coordenadora pedagógica, bem como uma lista com as datas comemorativas que serão trabalhadas durante o mês.

Assim, embora diversos estudos (OSTETTO, 2000; RINALDI, 1999; ZABALZA, 1998) advirtam sobre o papel significativo do planejamento pedagógico construído em parceria e em diálogo com os ritmos, interesses e necessidades das crianças, bem como do importante papel da coordenação pedagógica para boa qualidade e gestão do trabalho pedagógico na Educação Infantil (ALVES, 1997; BONDIOLI, 2004; SAITTA, 1998), na instituição pesquisada, há uma compreensão insuficiente e inadequada sobre o que seja planejamento109.

Nesse contexto, com base na legislação educacional (BRASIL, 1996, 2009) e em estudos sobre planejamento pedagógico, já mencionados aqui, bem como nas práticas que caracterizam o planejamento mensal na instituição pesquisada, é possível questionar se na prática ele constitui planejamento pedagógico coletivo e se contribui para ampliação da

108Barbosa e Horn (2008), ao discorrerem sobre o desenvolvimento de projetos na Educação Infantil, destacam algumas questões importantes que precisam ser consideradas, tais como: o que norteará a escolha do tema (observação dos interesses e necessidades das crianças), a necessidade de mapear os recursos humanos e materiais que serão necessários, a forma como serão coletadas as informações e o modo como serão documentadas e comunicadas as construções e descobertas feitas pelo grupo.

109Como lembra Kramer (2002, p.2), “[...] a distância entre o que se produz teoricamente sobre a escola brasileira (e o que conhecemos de outros contextos) e as nossas redes escolares reais é ainda um problema grave”.

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qualidade da educação oferecida às crianças ou levantar a hipótese de que isso não tem acontece.