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CAPÍTULO 1 – NOTÍCIA BIOGRÁFICA DE JOSÉ CONDÉ

1.1 Histórias de uma vida

1.1.4 A adolescência em Petrópolis

Ao Colégio Plínio Leite, de Petrópolis, fundado em 15/04/1929, o menino José chegou no ano seguinte ao da fundação; “acostumado às comodidades de casa”, passou por alguns sofrimentos: “saudades da família, da antiga liberdade, inadaptação com os colegas. A própria paisagem, estranha, e o frio a que não estava acostumado, concorrem para sua melancolia. [...] Isolado dos companheiros, tornou-se, essa, a época de suas maiores leituras” (PEREZ, 1970, p. 219). A biblioteca apresentou-se, então, como espaço salvífico a esse eremitério involuntário, e a literatura, a melhor forma de driblar o sofrimento, e, ao mesmo tempo, fazendo-o desenvolver seu gosto pela leitura. Entrou em contato com o que se produzia literariamente no Brasil, ficando fascinado com A bagaceira, romance de José Américo de Almeida, publicado em 1928. Nessa época, sequer imaginava que se tornaria grande amigo do romancista paraibano, anos depois. Além de Américo, esse período de reclusão leitora fê-lo conhecer autores como Coelho Neto, José de Alencar, entre outros, começando a se formar, assim, o leitor e futuro escritor e jornalista literário.

Apesar dos entraves iniciais, José Condé teve uma intensa participação estudantil no Colégio Plínio Leite, sendo um dos fundadores do Grêmio Literário Alberto de Oliveira, uma homenagem ao poeta parnasiano, falecido em 1937, que, na época, morava na cidade de Petrópolis. “Condé, que de vez em quando o via de longe, recorda-se perfeitamente de sua

presença vistosa – a cabeleira prateada, os bigodes armados com brilhantina”, conta Perez (1970, p. 219).

Houve, certa vez, um concurso de declamação, para o qual cada colégio deveria enviar dois de seus melhores alunos. Apesar de não estar exatamente entre os melhores, do ponto de vista de aplicação nos estudos, Condé foi escolhido, pelas suas inclinações literárias e pela movimentação estudantil que promovia no educandário. Optou José por declamar o poema O

Espelho, do aludido poeta, que fez questão de comparecer ao evento, tão logo soube que um

aluno apresentaria um trabalho seu. Conta-se que o declamador ficou tão nervoso com a presença ilustre do poeta, a quem muito admirava, que esqueceu o poema, recebendo estrondosa vaia14. Mas foi cumprimentado pelo vate parnasiano, no que se constituiu um dos momentos mais marcantes da vida de José Condé, por ele sempre relembrado.

Segundo Perez (1970), nessa fase, Condé, influenciado pelas leituras de Coelho Neto, publicou seu primeiro conto – “Vingança” –, no Jornal Pra Você. O excesso de realismo da narrativa causou certo impacto, levando o autor a tentar anular a força de alguns termos, riscando-os, o que chamou ainda mais a atenção. Resultado: 15 dias de suspensão. Típico início de um jovem que, descobrindo-se escritor, fica meio confuso diante da reação adversa provocada por seu texto. Provavelmente, duas atitudes brotariam dessa situação: o abandono puro e simples do fazer literário, o castigo funcionando como travamento da vocação; ou a sensação de orgulho por incomodar, transformando-o numa espécie de mártir precoce da literatura, impulsionando-o a novas produções. A segunda atitude foi a que prevaleceu.

O talento do jovem caruaruense para as letras é patente, por exemplo, na crônica seguinte, segundo Nelson Barbalho (1993, p. 17), escrita pelo ainda adolescente Condé, e reproduzida por Milton Pedrosa, em seu livro de crônicas futebolísticas Gol de Letra, lançado em 1967. O texto relata uma partida de futebol entre duas equipes de sua região, em que podemos perceber o talento e a capacidade de observação, aliados à ironia e ao humor cortante que o caracterizariam em suas obras posteriores. Eis o texto:

O juiz

O Central Esporte Clube de Caruaru foi jogar amistosamente com o Esporte Clube de Garanhuns. Apesar dos foguetes, banda de música e discursos com que a boa gente de Garanhuns recebeu a boa gente de Caruaru – uma caravana de mais de 20 Fords e Overlands –, havia qualquer coisa suspensa

no ar: a eterna (e honesta) rivalidade entre as duas cidades do interior pernambucano, naquele lírico e pitoresco tempo dos anos 20.

– Caruaru é aroeira que cupim não roi... – Garanhuns nem dá confiança...

E o futebol – como não poderia deixar de ser – era o limite.

Campo de Garanhuns, torcida de Garanhuns, polícia de Garanhuns – sobretudo juiz de Garanhuns. Que restava à equipe de Caruaru, a não ser a vontade sobre-humana dos seus atletas?

Foi o que aconteceu.

Os homens deram tudo, suaram a camisa, levaram pontapés – enfim, marcaram oito gols e engoliram apenas dois; mas acabaram perdendo de dois a zero.

Após a partida, um dos diretores do Esporte Clube de Garanhuns comentou, com orgulho:

– Que estão pensando? Nosso juiz é homem de caráter. (PEDROSA, 1967, p. 179).

Podemos notar o embrião do jornalista e do ficcionista, com bastante nitidez, seja no despertar a atenção do leitor para o que virá (“havia qualquer coisa suspensa no ar”), seja na utilização do discurso direto – incomum numa crônica esportiva –, seja ainda na própria estrutura narrativa, reunindo todos os dados da cena, de forma a articular literariamente o desfecho. Observemos a ironia salpicada ao longo do texto, criando uma fluidez e leveza interessantes: “boa gente de Garanhuns”; “(e honesta)” – utilizando os parênteses como recurso de ironia –; “Campo de Garanhuns, torcida de Garanhuns, polícia de Garanhuns –

sobretudo juiz de Garanhuns” (grifo nosso) – a proposital ausência de verbos, a repetição intencional da cidade e, principalmente, o destaque duplamente reforçado, pelo travessão e pela utilização do advérbio, provocam um efeito argumentativo devastador; “marcaram oito gols e engoliram apenas dois; mas acabaram perdendo de dois a zero” e “Nosso juiz é homem de caráter.” – são desfechos perfeitos, do ponto de vista do humor, reforçados – e ao mesmo tempo anunciados – no (aparentemente) despretensioso título da crônica.