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CAPÍTULO 1 – NOTÍCIA BIOGRÁFICA DE JOSÉ CONDÉ

1.1 Histórias de uma vida

1.1.7 Vida em família

O casamento de José Condé deu-se em 1944, com Maria Anália Faria Condé (falecida em 2008), de cuja união nasceram seus três filhos Maria Regina Condé (falecida em 1985), Vera Maria e Fernando Antonio (falecido em 2012). Mas o casamento não deu certo e aconteceu a separação, tendo casado, então, com a historiadora alagoana Maria Luiza Gonçalves Cavalcanti (em 1958), com quem viveu até o final da vida (literalmente, pois Maria Luiza assistiu a sua morte, em 1971) – não tiveram filhos. Ela faleceu em 02/03/1989.

Há certa unanimidade em torno da importância de Maria Luiza (Figura 5) para o escritor. Uma grande paixão, uma cumplicidade que extrapolava o âmbito familiar, uma parceria que se dava também no campo literário – ela foi “autora de livros para a juventude, como A Literatura no Brasil e O teatro no Brasil” (PEREZ, 1970, p. 222) –, era um casal admirado por todos os que com ele conviviam. A própria filha, Vera Condé (informação

Figura 4 – Momento de intimidade no sítio que José

Condé comprou, para reunir os amigos. Em pé, veem-se Condé, Maria Luiza e a mãe do escritor, Anna Ferreira Condé. Foto: Acervo da família de José Condé.

verbal)19, afirma que Maria Luiza “foi uma companheira ideal, porque deu prumo” à vida do pai. Dinah Silveira de Queiroz, por seu turno, afirma que

Maria Luiza entrara na sua vida e nós a queríamos com a mesma estima que votávamos a José Condé, porque os dois se completavam; ele assim um pouco lacônico, tímido, fingindo que não, ela mais vivaz: um continuando o que o outro dizia e a casa do casal constituindo um refúgio de amizade para todos. (QUEIROZ, 1971, p. 10).

Um trecho da justificativa do então vereador José Rodrigues da Silva, que, em 1973, apresentou projeto, aprovado em plenário, concedendo o título de Cidadã de Caruaru a Maria Luiza, a despeito do objetivo a que se propõe o texto, serve para dar uma ideia do que ela representava para o escritor, já que era corroborado por quem os conhecia:

Maria Luiza Condé, nascida alagoana e domiciliada na Guanabara, foi a mulher brava e inteligente que participou, com o seu talento, do êxito literário de José Condé, ao longo de uma convivência de 25 anos20. Foi mais

que a companheira de sonhos e de esperanças, pois soube sentir o escritor e a figura humana que fixaram, com tanta sensibilidade, o cenário intocável da infância do autor de obras que imortalizaram Caruaru. [...] Ama o amor de José Condé pela Terra de Caruaru21. (BARBALHO, 1993, p. 97)

Sobre essa relação, o irmão, Elysio Condé, afirmou que José “encontrou em Maria Luiza uma companheira sincera, por quem tinha grande entusiasmo, que se manteve ao seu lado admiravelmente, até a sua morte, e continua a trabalhar pela divulgação de sua obra.” (in RODRIGUES, 2006, p. 120).

Ela própria dizia que Condé

soube conduzir as coisas para melhor construir a trilha da chamada vida a dois, com todas as sensações do inesperado, todas as identificações de um percurso em comum, todos os encontros do emocional com o racional, exigidos pelo cotidiano, sem a pequenez da rotina e com dimensões de grandeza. (CAVALCANTI, M. L. G., 1981, p. 2).

José Condé trouxe da Caruaru de sua infância a involuntária solidão de filho bem mais novo que os irmãos e a consequente busca por amigos que preenchessem esse vazio, e tal comportamento instalou-se no homem, construindo-lhe um agradável e hospitaleiro anfitrião. Habituado ao conforto em que sempre viveu, gostava de receber os amigos em sua residência,

19 Entrevista concedida no Rio de Janeiro-RJ, em 11/04/2011. 20 Na verdade, estiveram juntos por treze anos.

para bebericar, jogar conversa fora, apoiar os conterrâneos que iam ao Rio. Conta sua filha Vera (informação verbal)22 que o pai comprara um sítio na baixada fluminense (Figura 4), em que reunia os amigos e onde “aconteciam festas fantásticas”, além de memoráveis serestas: “Quando seus convidados iam dormir, ele [...] ia acordá-los com uma serenata na janela. Cantava sempre ‘Elvira escuta’”, uma antiga modinha do compositor mineiro José Marcelo de Andrade, que, segundo o site da cantora lírica Maria Lúcia Godoy23, não pode faltar em qualquer serenata que se preze:

Elvira escuta os meus gemidos Que aos teus ouvidos irão chegar. Não sejas traidora, tem dó de mim, Tem dó dest'alma que te sabe amar. Se tu me amas como eu te amo, Eu te prometo não te desprezar. Não sejas traidora, tem dó de mim, Tem dó dest'alma que te sabe amar. Sobe a escada, bem devagar, Elvira dorme, pode acordar. Não sejas traidora, tem dó de mim, Tem dó dest'alma que te sabe amar. Teu coração é um rochedo,

Este rochedo é o meu penar. Não sejas traidora, tem dó de mim, Tem dó dest'alma que te sabe amar. Ainda mesmo depois de morta, A tua face eu irei beijar.

Não sejas traidora, tem dó de mim, Tem dó desta'alma que te sabe amar.

Além disso, José Condé gostava de sair à noite, para se divertir, como autêntico boêmio, num tempo em que era possível e seguro ser noctívago no Rio de Janeiro, como bem atestam seus amigos da época, Leopoldo Teixeira, Renard Perez e Vandragézilo Neves, em recentes entrevistas concedidas, adiante retomadas. Infelizmente, esse hábito cobrou-lhe um preço demais alto, pois arruinou-lhe irremediavelmente o fígado.

Sua rotina, no cotidiano, é assim descrita pela esposa, Maria Luiza:

22 Entrevista concedida no Rio de Janeiro-RJ, em 11/04/2011.

23 Disponível em <http://www.marialuciagodoy.mus.br/cdbrasilitalia/letras_portugues.html>. Acesso em 04/12/2011.

Dormia oito horas por noite. Quando acordava, primeiro tomava um cafezinho, acendia um cigarro e lia os jornais. Depois, pedia um copo de leite gelado, brincava com os [seus dois] cachorros ou provocava-os. Dava vários telefonemas a amigos do mundo das letras e entrava em seu gabinete para escrever. Trabalhava em casa na parte da manhã. Vez por outra, chamava a copeira, pedia um café, uma fruta ou suco. O almoço era sua primeira refeição sólida. Gostava de escrever à máquina, ouvindo música. Conforme seu estado de espírito ouvia Mozart, Haendel, Bach, Haydin, Beethoven, Schubert, Brahms, Vivaldi, Scarlati, Tchaikowsky, Liszt e Rimsky-Korsakow. Escutava com frequência uns prelúdios de Bach, em cravo, interpretados por Wanda Landowka. Nas reuniões em casa colocava música popular brasileira. Adorava cantar serestas. Ouvia também americanas, canções francesas e, logicamente, o frevo. Depois do almoço, saía para o jornal e para o INPS24, de onde era procurador. (CAVALCANTI, M. L . G., 1981, p. 2)

Como se pode perceber, um cotidiano análogo ao das pessoas de sua classe social. É interessante notar a diversidade que constituía seu gosto musical, formado tanto por músicos eruditos quanto por artistas populares, embora para escrever preferisse os primeiros, o que lhe dá certo toque de requinte, bem ao estilo do protótipo de escritor imortalizado no cinema e na própria literatura.

Em 1967, realizou sua primeira viagem ao exterior, quando, convidado pela Fundação Dom Henrique, de Portugal, participou do II Colóquio das Comunidades de Língua Portuguesa, realizado na África. “Conhece, então, Angola, Moçambique, indo depois ao Portugal continental,

estendendo a viagem pela Espanha e França (num total de 40 dias)” (PEREZ, 1973, p. 20). Em 1970, viajou novamente para a Europa, visitando a Alemanha Ocidental, Inglaterra e voltando à França, convidado por entidades culturais desses países. Foi

nessa viagem que adoeceu gravemente, começando um longo martírio de dor e sofrimento, que culminou com sua morte, no ano seguinte.

Figura 5 – Os filhos e a segunda esposa de José Condé, diante do busto do escritor, no dia da inauguração da Casa de Cultura que recebeu seu nome. A partir da esquerda: Vera Maria, Maria Luiza, Fernando Antonio e Maria Regina. Foto do acervo de Anastácio Rodrigues.