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CAPÍTULO 1 – NOTÍCIA BIOGRÁFICA DE JOSÉ CONDÉ

1.1 Histórias de uma vida

1.1.9 Histórias do Zé

Tão unânime quanto o fato de ser tido pelos que com ele conviviam como um agradável companheiro de noitadas, era o registro de suas famosas histórias, que entraram para os anais dos amigos noctívagos cariocas, pelo inusitado das situações protagonizadas por um José Condé brincalhão e afeito a inocentes chacotas entre os companheiros. Recolhemos, aqui, a título de exemplo, algumas das mais interessantes.

Um dos companheiros mais presentes na vida e nas brincadeiras de Condé era o arquiteto Leopoldo Teixeira Leite (Figura 6), casado com a jornalista de TV Edna Savaget – e de quem o escritor era padrinho de casamento. É Teixeira (informação verbal)28 que narra uma dessas patuscadas. Condé estava no aniversário da sogra, de onde partiria com os amigos para a noitada; Leopoldo e o jornalista Mauritônio Meira, querendo pregar uma peça no escritor caruaruense, pagaram a duas prostitutas para aprontarem com o amigo:

Trouxemos as duas prostitutas, ficamos escondidos atrás do carro e mandamos elas chamar o Zé Condé, na festa. E elas entraram lá: “Zé Condéia! Zé Condéia!” E todo mundo: “Olha, estão chamando você...” E ele: “O que é que há?” “Zé Condéia vem pagar ou não paga a gente...?!” Aí ele falava: “Eu não fiz nada com essa mulher! É mentira!” E todo mundo numa gargalhada.

Claro que José Condé não era somente a vítima das peças pregadas pelos amigos; ele aprontava muitas e boas também. É o mesmo Leopoldo Teixeira que conta outro episódio interessante. Certa noite, em Porto Alegre, aonde foram participar do I Congresso Nacional de Arte, juntamente com vários artistas cariocas, estavam numa boate, bebendo muito, como era de hábito, principalmente a jornalista Eneida de Moraes “que bebia mais do que falava”. Pelas tantas, Eneida, completamente tonta, tentou descer uma escada sem corrimão; prevendo um acidente, o abstêmio Leopoldo tentou segurá-la, quando tropeçou de costas e caiu. “Aí o Zé botou no jornal, na coluna JJJ do Correio da Manhã: ‘O arquiteto Leopoldo Teixeira Leite,

que foi representar a arquitetura num congresso, se portou muito mal: bebeu demais, caiu da escada’” (informação verbal)29.

Aliás, foi neste congresso, no Rio Grande do Sul, do qual participou, entre outros artistas e escritores, o romancista Jorge Amado, que ocorreu um dos episódios mais hilários, creditado à conhecida fobia que José Condé tinha de viajar de avião. A própria filha, Vera Condé (informação

verbal)30 afirma que, quando viajavam para o Nordeste, a esposa Maria Luiza, que tinha compromissos no Rio, voltava de avião, e ele retornava de carro com os filhos. O episódio que Leopoldo Teixeira (informação verbal)31 narra começa com um Zé Condé apavorado, temeroso de entrar no avião, querendo desistir da viagem. A custo convencido da segurança da aeronave, Condé sentou-se entre Leopoldo e outro arquiteto, num diminuto espaço entre duas cadeiras.

Quando o avião se preparou pra voar, a aeromoça disse: “O senhor vai para a sua cadeira.” Zé disse: “Não, porque eu tenho uma convicção seguinte: o primeiro banco que eu sentar eu não posso sair mais.” Aí eu disse: “Então eu saio.” “Não, não... tem que ficar nós três aqui.” Aí ela disse: “Mas não pode, isso não pode ser dessa maneira...” “Não, mas eu não saio...” Aí o Jorge Amado falou assim: “Chama o comandante aí para resolver esse problema.” Veio o comandante. E o Zé disse: “Eu não vou sair. Não posso sair, porque se eu sair o avião cai.” “Mas isso o senhor não pode...” “Mas tem que arranjar um jeito, porque eu não saio daqui, e nem eles dois podem sair porque estão comigo agora, senão o avião vai cair”.

E quebraram-se as regras da aviação civil em nome do medo incontrolável de José Condé em voar. Aproveitando-se dessa situação, Leopoldo resolveu assustar ainda mais o já assustado Condé, ao mostrar-lhe um pouco de combustível que escorria na asa do avião. “Parece que eu estou vendo hoje, ele gritava: ‘Chama o comandante! Chama o comandante!’

29 Entrevista concedida no Rio de Janeiro-RJ, em 12/04/2011. 30 Entrevista concedida no Rio de Janeiro-RJ, em 11/04/2011.

Figura 6 – Leopoldo Teixeira Leite, velho amigo de José Condé, em entrevista para esta pesquisa, contando as divertidas histórias vividas pelo escritor,. Foto: Edson Tavares.

E o comandante: ‘Mas isso é comum...’ ‘Não senhor, olhe meu amigo aqui conhece pra burro, disse que tá vazando, não tem gasolina... Pára!’”

Mesmo com tantas turbulências, chegaram todos bem e Condé, como fazia sempre, agradecia a Deus pelo término do suplício, beijando o chão; pediu, então, que Leopoldo ficasse na sua frente, para que ninguém percebesse aquele gesto, o que deu ensejo a mais uma

presepada: “Então eu chamei o fotógrafo, quando ele baixou pra beijar, nós saímos... [risos] o fotógrafo pegou ele beijando o chão...”

Esse gesto de beijar o chão era recorrente em Condé, não apenas a título de agradecimento pela viagem encerrada a contento, mas também como demonstração do respeito e amor nutridos por sua terra, Caruaru, da qual sempre falava aos filhos, por ele nomeados “caruaruenses honorários” (CONDÉ, 1987, p.

14), e para quem trazia “malas cheias de bonecos de barro, cheias de Vitalino, na infância mesmo, de brinquedos pra gente...”, como conta sua filha Vera Condé (informação verbal)32, que acrescenta: “Eu esperei conhecer Caruaru como uma menina da minha idade aqui esperava conhecer Paris. Eu esperei fazer 14, 15 anos, que ele não levava antes porque atrapalharia as saídas. Então Caruaru, pra gente, chegava no paraíso.”

Outro insólito episódio deu-se também com o casal Leopoldo-Edna, que ganhou de Condé um cachorro, com a condição de colocarem no animal o nome do escritor – talvez inspirado na história machadiana de Quincas Borba.

Assim, no atestado de vacina do cãozinho, foi aposto, como identificação, “José Condé”, e o respectivo endereço do casal. “Quando o João Uchoa, também muito brincalhão, era juiz da 5ª Vara, e o José da Gama Malcher era Presidente do Tribunal do Júri”, falava-se sempre que esse “era um tribunal de justiça indevida, porque era julgado por pessoas incompetentes, funcionários públicos”, e que deveria haver uma reforma, sendo convocados apenas escritores, como o Sérgio Buarque de Hollanda, o Jorge Amado e outros mais. “E quando chegou no Zé Condé, [...] demos o meu endereço, e aquela intimação para ser jurado veio, e eu, então, com o João, fui ao Tribunal com o meu atestado do cachorrinho que morava lá”,

32 Entrevista concedida no Rio de Janeiro-RJ, em 11/04/2011.

Figura 7 – Condé brincando com Teddy, um de seus cachorros. Foto: Acervo da família de José Condé.

não sem antes convocar a imprensa, que noticiou: “Cachorro de Edna Savaget convocado para o Tribunal do Júri”, inclusive com foto do cachorro na revista Amiga.

Condé amava os animais (Figura 7). Os companheiros de seus últimos meses de vida foram seus dois cachorros, Teddy e Pepito. Antes disso, conta a lenda que o romancista promovia memoráveis encontros festivos, na chácara que comprara, em Nova Iguaçu, mas não permitia que se matassem galinhas e patos do sítio, preferindo comprar fora os animais para alimentar os convidados. Dizia que os bichos do terreno eram só para enfeitar a paisagem.

Aliás, as festas realizadas por Condé em sua propriedade rural eram famosas no Rio, tendo, inclusive, cobertura da televisão, como relata Vera Condé (informação verbal)33:

Papai tinha o tal sítio, para o qual levava mil amigos. Ficavam conversando até tarde (muita história de mal assombrado) e um dia ouvimos um barulhāo danado, já às altas horas. Papai disse: “não se preocupem, se for ladrão ou assombração, pego a pistola e passo para a minha mulher Maria Luiza, que é valente pra cachorro!”

Já tratamos do amor incondicional que José Condé tinha pelos filhos, e dentre os inúmeros e hilários casos contados por sua filha, resgatamos alguns aqui, para ilustrar a saudável relação existente. Vera (informação verbal)34 conta que ele reclamava, entre risos: “Todo mundo tem neto, só minhas filhas que são encalhadas, que não me dão neto...” De fato, Condé não chegou a conhecer os netos, o primeiro deles, Bruno, tendo nascido em 1974, portanto três anos após a

morte do escritor. Em 1977, nasceu Roberta, a única neta de Condé. Maria Regina e Fernando Antonio, os outros filhos de José Condé, não tiveram descendência.

Outra feita, conta Vera (Figura 8), “meu irmão [Fernando Antonio] se perdeu

33 Entrevista concedida no Rio de Janeiro-RJ, em 11/04/2011.

Figura 8 – Vera Condé concedendo entrevista para esta pesquisa. Foto: Francisco Torres.

na feira de Caruaru, e aí saiu no rádio que só José Condé perderia um filho na feira de Caruaru”; naturalmente, mais um chiste empreendido pelos amigos, que não deixariam passar a oportunidade de fazer uma brincadeira com o divertido filho de Donaninha, agora escritor famoso, mas com um senso de humor que agradava a todos.

Ao aconselhar os filhos, acabava dizendo exatamente o que eles gostariam de ouvir. Como quando sua filha Vera (informação verbal)35 lhe falou que estava fazendo teatro e Psicologia. Ele exultou e aconselhou: “Olha, que você faça teatro, eu vou ficar super contente, mas nada como diletante. Ou você faz profissionalmente... diletantismo não. Faça como profissão.”

Na década de 1960, quando os filhos eram adolescentes, José Condé sempre ia à casa da ex-esposa, Anália Farias, com quem moravam, buscá-los para jantar, em companhia da segunda mulher, Maria Luiza, em algum restaurante. Todos os dias ele se fantasiava de algum personagem para ir pegar os filhos: “cada dia ele vinha de um jeito nos buscar, de brincadeira”, lembra Vera (informação verbal)36.

Para encerrar este desfile de episódios condeanos – eles próprios dariam excelentes e divertidos contos – ouçamos de Vera Condé (informação verbal)37 mais um acontecimento

que comprova o constante bom humor do escritor caruaruense: “ele tinha uma cabeleira branca, linda, grande, que se usava na década de setenta, e nós estávamos num baile de carnaval, no Caxangá. Aí ele passou e alguém falou: ‘Olhe esse viado velho aí dançando...’ Ele olhou pr'o cara e falou: ‘Viado tudo bem, agora velho... aqui, ó!’”