• Nenhum resultado encontrado

O curso superior e a breve militância política

CAPÍTULO 1 – NOTÍCIA BIOGRÁFICA DE JOSÉ CONDÉ

1.1 Histórias de uma vida

1.1.5 O curso superior e a breve militância política

Já vimos que José Condé não era exatamente uma referência de estudante aplicado, mas prestou vestibular para Direito, em 1934. Preferiu a Faculdade de Niterói, onde a concorrência era menor. Para isso, mudou-se de Petrópolis para o Rio de Janeiro, passando a morar, com o irmão, João, em uma pensão na Rua do Catete, local em que conheceu e travou

amizade com o escritor paraibano José Lins do Rego, de quem já era admirador desde os tempos do Colégio Plínio Leite. Leu, nesse período, Jorge Amado, Rachel de Queiroz, Manuel Bandeira, entre outros autores, então em plena produção literária.

O curso superior, como era de se esperar, não despertou muita atenção no universitário Condé, que não lhe dedicou a importância devida. Formou-se em 1939, tentando exercer a profissão em seguida. Mas, sem qualquer vocação para tal, abandonou completamente a advocacia. Seu irmão Elysio Condé achava que José jamais fora sequer pegar o diploma de advogado (RODRIGUES, 2006, p. 119). Na verdade, o que efetivamente desejava o caçula dos Condés era o jornalismo e a literatura como missão de vida e profissão.

Estamos num Rio de Janeiro que solidificava as consequências das transformações sofridas no início do século XX, quando a Europa como que invadira o Brasil, através da capital do país, trazendo para a então pouco ou nada maravilhosa cidade os ventos franceses da Belle Époque. A regeneração da cidade do Rio de Janeiro, sua higienização e o “aburguesamento intensivo da paisagem carioca” (SEVCENKO, 1995, p. 33) forjaram uma cidade bela, tendo sido expurgado com veemência tudo que a pudesse enfear: esmoleres, pedintes, indigentes, ébrios, prostitutas e quaisquer outros grupos marginais. O papel da imprensa foi fundamental nesse processo de construção do conceito da agora “Cidade Maravilhosa”, que atraía a atenção do mundo e os olhos de outras regiões do próprio país, razão por que o jornalismo passa a ter um halo de respeito dos órgãos públicos e, por conseguinte, da população. É nesse período de cristalização do Rio de Janeiro como centro nervoso e artístico do país que os irmãos Condé desembarcam na capital do país; José Condé, especificamente, trazia lembranças infantis de sua Caruaru, como afirmamos através dos depoimentos de Perez (1970) e Passos (1971), acima postos, mas com uma formação acadêmica e um envolvimento sociocultural eminentemente cariocas, com ânsia de utilizar a imprensa como espaço efetivo de atuação.

O início de José Condé na imprensa nacional deu-se por interferência de seu irmão João, já nesse tempo conhecido e amigo de muita gente que poderia proporcionar essa estreia. Juntando algumas das lembranças mais fortes da terra natal, José publicou na revista O

Cruzeiro, periódico de maior circulação no país, à época (1937), pertencente à Rede de

Emissoras e Diários Associados, de Assis Chateaubriand, o poema Feira de Caruaru15,

“inaugurando uma temática recorrente tanto em sua produção quanto em outros gêneros, que da imagem da feira se utilizariam para caracterizar a cidade” (SANTOS, 2006, p. 75). Eis o texto:

Feira de Caruaru

[ilegível] dia tropical de luz e calor! Confusão de raças e tipos:

- pretos, mulatos, brancos, matutos de saccos nas costas chapéo de couro e cigarro de palha no canto da bocca;

- mulheres do mato: chinellos debaixo do braço, apalermadas; - meninos amarellos, cabeças chatas, barrigas p'ro'li

- meninos amarellos, cabeças chatas, barrigas p'ro'li Jovem os "quartos" p'ra todos os lados

Barulho! Gritos! Buzinas buzinando!

C[ilegível]elots vermelhos berrando danadamente: "_ Setústões vára. Chita bôa espiciá."

O trovador cercado de matutos vendendo as últimas novidades, Cita aventuras de Lampião, tragédias passionaes, histórias de amor O "Testamento da Sogra" fazia sucesso:

"Prometi um porco às almas Um bode a Santa Sophia Um gallo a São Damião Rezava noites inteiras Para vê se a velha morria" Feira de panella;

Feira do feijão e da farinha

Montes e montes de mangas, cajus, pitombas e umbus!

Soldas de fazenda estampadas numa confusão de cores diversas Gente! Gente! Gente!

E a sanfona triste da aleijadinha em meio a Feira alegre e rumorosa de Caruaru: "Meus irmãos me dá uma esmola Pelo Santo amor de Deus"

Matutos falando do inverno, das chuvas cahindo lá p'ras bandas do Mocó e do Capa Negro:

"_ Inverno, meu compadre. O gerimum e a macaxeira ta dando bom cóbre." O retrato do padre Cícero, que o commerciante havia botado

na porta da casa, por esperteza, attrahia os freguezes "_ Chega gente! Liquidação geral!"

Barulho! Barulho! Barulho!

Sol rachando, calor, e gente que nem formiga. Mas que importa tudo isso,

se da feira barulhenta de Caruaru sinto apenas a poesia triste da cantiga mais triste

da ceguinha do becco de "seu" Sinval! [CONDÉ, 1937]

A publicação causou repercussão e certo reconhecimento, levando José Condé a ser convidado a escrever na revista de Chateaubriand uma série de reportagens a respeito de

escritores brasileiros. Teve início, então, uma brilhante carreira de divulgador cultural e literário, a partir de entrevistas que realizava com autores, como Jorge de Lima, Marques Rebelo, Adalgisa Nery, Orígenes Lessa, José Lins do Rego, entre outros.

Influenciado por ideias esquerdistas, José Condé envolveu-se em manifestações políticas, como a célebre conferência do italiano Tomaso Marinetti, lançador do movimento de vanguarda conhecido como Futurismo, e que terminou enveredando por um conservadorismo de direita, desaguando no Fascismo de Benito Mussolini, na Segunda Guerra Mundial (1939-1945). Condé e alguns companheiros puxaram uma sonora vaia quando Marinetti discursava no Teatro Municipal do Rio de Janeiro, o que resultou em animosidade da plateia, formada em sua maioria por italianos, acabando o evento em pancadaria e prisões. Talvez assustado com as consequências de um envolvimento mais efetivo, além da rígida ditadura Vargas (1937-1945), que se esboçava no país, juntando tudo isso à sua índole pacata, Condé terminou por se afastar da militância política mais contundente, embora a tenha levado, de forma intensa e inteligente, para suas inúmeras histórias.

Mesmo avesso à política, escritor e jornalista conhecido que era, seu nome não foi ignorado nas famigeradas listas de subversivos, que assombravam os militantes intelectuais, quando do golpe militar de 1964. Além do quê, ele fazia parte do elenco de escritores da Editora Civilização Brasileira, estigmatizada como esquerdista inflamada, a partir das firmes posições tomadas pelo seu administrador, Ênio Silveira. Para termos uma ideia do posicionamento político dessa editora, basta frisar que, “quando os acontecimentos iam construindo rapidamente o clímax que sobreveio com a revolução de 1964, Ênio Silveira lançou a provocativa coleção ‘Cadernos do Povo Brasileiro’” (HALLEWELL, 1985, p. 445), cuja natureza pode ser aquilatada por alguns de seus títulos: Que são as ligas camponesas?, por Francisco Julião; Por que os ricos não fazem greve?, por Álvaro Vieira Pinto; Quem dará o golpe no Brasil?, por Wanderley Guilherme; Quais são os inimigos do povo?, por Theotônio Júnior; Quem pode fazer a revolução no Brasil?, por Bolívar Costa; O que é a reforma agrária?, por Paulo R. Schilling; Como atua o imperalismo ianque?, por Sylvio Monteiro; Como são feitas as greves no Brasil?, por Jorge Miglioli; A Igreja está com o povo?, por Aloísio Guerra; Como agem os grupos de pressão?, por Plínio de Abreu Ramos (HALLEWELL, 1985, p. 451-2).

Apesar de não ter sido preso nem sofrido tortura física, esta se fez presente de forma psicológica, seja na prisão de vários amigos e colegas de Condé, seja na publicação da listagem dos subversivos – o dele incluso – nos jornais, o que gerou uma única preocupação no escritor caruaruense, como narra sua filha Vera Condé (informação verbal)16:

Quando saiu o nome dele na lista dos subversivos [...], ele nos telefonou, queria uma conversa. Ele queria explicar que a palavra “subversivo”, que o sentido de subversão não tinha nada a ver com corrupção. Ele tinha medo de a gente, criança, misturar. Que para ele ser subversivo não tinha nenhuma importância... [...] Ele era de esquerda.

De fato, sua grande preocupação, como enfatiza a filha, em vários momentos da entrevista concedida especialmente para este trabalho, era com a sua família, mais especificamente com os filhos; não admitia que nada nem ninguém lhes fizesse mal ou os colocasse em qualquer situação constrangedora. Vera reafirma essa paixão recíproca, uma vez que os filhos, ela principalmente, admiravam a coragem e as ideias do pai, ainda que não as entendessem em toda sua extensão à época – um momento por demais conturbado, política e ideologicamente, no país: os agitados anos da segunda metade da década de 1960.