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CAPÍTULO 1 – NOTÍCIA BIOGRÁFICA DE JOSÉ CONDÉ

1.2 Um escritor, por seus contemporâneos

1.2.2 A força de um nome

Afirma Bourdieu que a instituição do nome próprio “assegura aos indivíduos designados, para além de todas as mudanças e todas as flutuações biológicas e sociais, a

constância nominal, a identidade no sentido de identidade consigo mesmo, de constantia sibi,

que a ordem social demanda” (1996, p. 187). Tanto o nome oficial quanto os vários apelidos, surgidos ao longo da vida, falam de uma identidade marcante do indivíduo: o nome oficial pelo registro escrito e documental de um sobrenome, a vinculação legal a uma família, com tudo que a isso pode ser agregado, como identificação e influência social, herança material, em suma “o atestado visível da identidade do seu portador através dos tempos e dos espaços sociais” (BOURDIEU, 1996, p. 187); os apelidos, gerados na informalidade e intimidade de amigos (ou desafetos), sob o jugo do humor, da ironia ou da descontração, evidenciam e sacralizam um momento específico da vida do indivíduo, sendo lembrado – por vezes carregado – ao longo da existência, seja contra a sua vontade, seja por iniciativa própria.

Acompanhando o brilhante trabalho genealógico empreendido pelo historiador de Caruaru, Nelson Barbalho, podemos perceber o quanto o nome de alguém pode contribuir na formação de sua personalidade, havendo, inclusive, o desejo (muitas vezes realizado) de mudança de nome, geralmente acrescentando palavras que distingam seu portador, por algum motivo que a este pareça pertinente. Foi assim que aconteceu com o apelido Condé, que

O apelido teria surgido a partir de uma antiga brincadeira entre amigos, que, naturalmente, não está registrada em documentos, mas é contada “de boca em boca”, e que foi recolhida por Barbalho (1980; 1993): José Florêncio de Sousa Pepeu, pai de João José da Silva Limeira (e, portanto, avô paterno do escritor), era compadre de Joaquim do Rego Barros (Cel. Quincas de Barros, avô do futuro crítico literário Álvaro de Barros Lins). E o coronel sempre brincava com o compadre, chamando-o de “gente do Mondé” (Mondé, como vimos, era o riacho das margens do qual provinha a família de José Florêncio). Florêncio respondia que vinha do Mondé mas tinha sangue azul, ao que o coronel indagava: “ah, quer ser conde, é?” O povo entendia “Condé” e passou a chamá-lo de “Zé Condé”. Mas pode ser também uma corruptela de Mondé, lugar de origem da família. O fato é que José Florêncio gostou do apelido e o incorporou à família. Quando nasceu o filho João José, desde logo passou a chamá-lo de João “Condé”, que, por sua vez, utilizou a alcunha como sobrenome, repassando- o para a esposa, Ana Ferreira, e registrando os filhos como Condé.

O próprio Florêncio, que se chamava, como vimos, José Florêncio de Sousa Pepeu, traz em seu nome, já oficializado, o que começou como um apelido de família também. Conta-se que Pedro Paulo de Sousa e Silva, casado com a prima Francisca Florêncio de Sousa, era conhecido por “Pepeu”, corruptela das letras iniciais dos dois primeiros nomes (Pedro Paulo = PP). “Gostando do apelido, adotou-o como sobrenome, passando a assinar Pedro Paulo de Sousa e Silva Pepeu e registrando seus filhos como Florêncio de Sousa

Pepeu” (BARBALHO, 1993, p. 9).

Ainda falando sobre o mesmo clã familiar, registramos o caso de João Joaquim da Silva Limeira, casado com Maria de Paula Florêncio da Silva e Sousa (Dona Quinha), os dois sendo avós maternos do velho João Condé (portanto bisavós do escritor), já que eram os pais de Constância Maria da Silva Limeira (mãe de João Condé). Diz a lenda que havia dois primos homônimos – João Joaquim da Silva Florêncio – sendo um deles, o marido de D. Quinha, grande fazendeiro, proprietário de muitas terras (portanto rico, “nobre”, na concepção daquele tempo), e o outro, mero comerciante em Caruaru. O fazendeiro incomodava-se por ter o mesmo nome do primo mascate (profissão à época associada ao tráfico, pouco honesta, cf. Tejo, 2009, p. 153), e, sendo dono e senhor de várias fazendas (Jurema, Barbatão, Salgadinho, Lagoa do Algodão e Limeira), resolveu agregar o nome desta última, a mais opulenta de todas, como seu sobrenome, para diferenciar do primo pobre; passou, então, a assinar João Joaquim da Silva Florêncio Limeira, suprimindo posteriormente o Florêncio e registrando como Limeira todos seus filhos.

Desta forma, três das chamadas “tradicionais” famílias caruaruenses, Condé, Pepeu e Limeira (cf. BARBALHO, 1993), têm seus epítetos associados a alcunhas incorporadas ao nome oficial. Trata-se, pois, da necessidade de identidade, presente nos antepassados, e transformada em sobrenomes, capazes de estabelecer uma referência de peso na comunidade. Hoje, ser um Limeira, um Pepeu, ou principalmente um Condé, em Caruaru, traduz o orgulho de não apenas pertencer à grei tradicional da região, mas ter seu nome associado ao de pessoas de destaque reconhecido. Se o sobrenome não passava, no início, de mero apelido, as ações e atitudes sociais dos seus detentores o solidificaram histórica e socialmente; no caso de Condé, seja, no passado mais remoto, pela importância econômica de João Condé, plantador e alto comerciante de algodão caruaruense, seja, em passado mais recente, pela atuação dos irmãos Condé (Elysio, João e José Condé) no campo da literatura e da cultura, este sobrenome adquiriu força e respeitabilidade, ao longo das gerações.

Entretanto, antes desse reconhecimento nominal, o escritor tivera, em sua infância, outras alcunhas: desde o infantil Tutuquinha ou o óbvio Zezé, como os irmãos e amigos da época o tratavam, a que era acrescida a informação materna, virando Zezé de Donaninha, numa referência à forma como era chamada sua mãe (Anna Ferreira Condé), Donaninha – apócope de Dona Aninha –; ao curioso Zé Miau, recebido dos amigos de infância, Bertino Silva um deles, que o justificou (informação verbal)44 pelo fato de ser José muito tímido, retraído, e pelos seus gestos naturalmente delicados, a lembrar em tudo o animal que lhe rendeu a alcunha.

1.2.3 O “Príncipe dos Condé”

Um dos mais presentes amigos dos irmãos Condé foi o aqui já citado ex-Prefeito de Caruaru e atualmente Presidente do Instituto Histórico de Caruaru, Anastácio Rodrigues da Silva (informação verbal)45, que, saudoso e emocionado, não poupa elogios ao escritor José Condé, a quem se refere como o “Príncipe dos Condé”, e sobre quem diz ter sido um “boêmio com alma, gostava da noite, de grandes papos... Era dócil, leve... Uma figura que se queria

logo bem”. A opinião é corroborada por Leopoldo Teixeira Leite (informação verbal)46: “À

noite, saíamos sempre com o Zé... A gente saía: Rubem Braga, Zé Condé, Antonio Maria...”; e por Vandragézilo Neves (informação verbal)47: “Saí no Rio de Janeiro, muitas vezes com ele, na noite...”. Aliás, Vandinho (Figura 11), como é conhecido até hoje pelos amigos, compôs uma singela homenagem poética ao amigo escritor:

Uma elegia a José Condé, morto há 36 anos

A ti, José Condé, para teu adeus definitivo, trago-te um ramo, um verde e humilde ramo, colhido na manhã caruaruense, tocado de orvalho e de ternura, e do morno sereno da agreste madrugada. Morreste cedo, José Condé! Mas tua morte multiplicou tua presença, na infinita saudade do primaveril canto dos pássaros e dos teus amigos, e dos teus irmãos e dos belos personagens de teus livros e sobretudo do povo que te inspirou na edificação do ofício de escrever.

E Caruaru!... Quantas vezes esta cidade se ampliou em tua voz, nos teus desejos, nos teus gestos e também na tua dor?

No espírito e na tua retina, a geografia municipal estava emoldurada, com a reminiscência dos recantos mais ternos.

E agora Condé? O silêncio interrompeu a tua presença, porém mais presente parece que estás!

Foi tão perpendicular a tua ida, que tenho a impressão de que não partiste, estás aqui, bem presente, pelas ruas e vielas de Caruaru,

46 Entrevista concedida no Rio de Janeiro-RJ, em 12/04/2011. 47 Entrevista concedida no Recife-PE, em 13/12/2010.

Figura 11 – Vandragézilo Neves, amigo e confrade de José Condé, em sua residência (2010), quando concedeu entrevista para esta pesquisa. Foto: Edson Tavares.

conversando com os vivos e mortos; com Vitalino, com Chico Porto, com Rui Rosal, e tomando vinho no Bar do Belo e ouvindo as poesias de Lycio Neves e escutando as estórias de Nelson Barbalho.

Lembro-me ainda de quando estive em tua casa no Rio de Janeiro. A tua imensa bondade cresceu tanto, que superou as dimensões de tua terra natal.

Maria Luiza contigo se confundia, e um belo e corpulento cão às vezes me fazia tremer de medo.

Ofereceste-me então um livro: “De José Condé, para Vandragézilo - Rio, 1961”.

Foi “Terra de Caruaru”.

Depois saímos distraídos pela noite, sem imaginar que a vida se partia. Morreste cedo, José Condé!

E na dor de teus amigos e de teu povo,

ficou pregada a saudade na parede! (NEVES, 2007-8, p. 50)