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PARTE III ESTUDOS DE CASOS

A PROPOSTA MUSEOLÓGICA

7 Gare As linhas férreas ficavam descobertas, sem cobertura, nem para o pátio.

14.7. A AVALIAÇÃO DE AGENTES EXTERNOS AO PROCESSO

O projeto da Estação da Luz foi bastante documentado durante sua realização, e continua sendo objeto de estudos e referência nacional e internacional, tendo recebido vários prêmios e, inclusive sendo citado em várias publicações, entre as quais destaca-se o recente livro lançado pela Taschen “Architecture Now! MUSEUMS de Philip Jodidio, onde o autor apresenta os principais museus criados no mundo nos últimos anos, sendo as páginas 238 a 243 dedicadas ao trabalho de Paulo Mendes da Rocha, sobre o Museu da Língua Portuguesa como uma das grandes realizações neste início de século.

Entre os prêmios recebidos, destacam-se: Prêmio Fundação Luso-Brasileira, categoria Política e Responsabilidade Social -2006;219 Prêmio de Light Desing da LALD 2006 – Association of Lighting Designers para o escritório Franco & Fortes responsável pelo projeto de luminotécnica das fachadas da Estação da Luz220; Prêmio

219 Jornal O Globo. Rio de Janeiro, 28 de setembro de 2006. p.20.

Ibero Americano a La mejor intervencion em obras que involucren El patrimônio edificado 2006 – Categoria B2: Recuperacion y puesta em valor, obras de más de 1000m²;221 Prêmio UNESCO Comunicação e Informação 2006;222 Prêmio do IAB-SP Categoria Edifícios e obras Construídas na modalidade restauro e requalificação - 2006.223

Todavia, seria importante aqui destacar algumas posições que se contrapõem à intervenção realizada, entre elas a posição da arquiteta e professora Beatriz Kuhl por sua ampla reflexão sobre o projeto que ela conhece muito bem, tanto em função de sua pesquisa sobre a arquitetura de ferro e arquitetura ferroviária que desenvolveu em seu mestrado, como pelo trabalho sobre patrimônio industrial, tema do seu doutorado. A posição da arquiteta e professora é relevante para se refletir sobre algumas da soluções adotadas para o projeto de restauração da Estação da Luz, principalmente no que se refere a avaliação sobre o projeto de adaptação da Estação como Museu da Língua Portuguesa. Mesmo reconhecendo a qualidade do projeto museológico seu questionamento recai na incompatibilidade de sua inserção em edifício de grande

“valor histórico e estético, de seu conjunto e não apenas de suas fachadas, por sua relevância e qualidade como representante da arquitetura de vários períodos...deveriam ser suas características formais e documentais a guiarem a intervenção e jamais as razões de um novo

uso serem as preponderantes.224

A proposta realizada foi considerada por Kuhl como destruidora de preciosos documentos testemunhais do edifício, que poderiam ser reveladores da tecnologia das diversas épocas que recebeu modificações; informar dados da estrutura administrativo-organizacional do sistema ferroviário; e testemunhar sobre a importância daquele ambiente como centro de convergência das riquezas econômicas do país, em seu tempo. Com a implantação do projeto do Museu e para que se atendesse ao programa proposto, todos esses registros materiais foram perdidos. Para ela “preservar, por definição do campo disciplinar, jamais poderia significar cancelar fatos históricos de interesse para, naquele espaço, escrever nova história.”225

“Uma restauração digna dessa denominação deveria ter respeitado a configuração das várias fases do conjunto e dos elementos que as compunham, oferecendo ao público, atual e do porvir, espaços evocativos de formas de compor o passado, promovendo um novo uso, no presente, que seria inserido como um novo estrato da história, sem ferir

os documentos existentes.226

Aqui é conveniente retomar a posição do professor Lemos que, ao contrário da Profa. Kuhl minimiza a importância dos elementos administrativos da estação, colocando-os como elementos secundários na definição do espaço de referência de uma estação e destacando que esses elementos são repetitivos e encontrados em vários edifícios sem o caráter formal da conceituação de uma estação de trem da importância estética e histórica da Luz. Para relembrar a posição do Prof. Lemos reproduz-se parte de seu parecer sobre o projeto:

221 Fonte: http://www.socearq.org/nota.cfm/n.868.htm

222http://www.cultura.sp.gov.br/portal/site/SEC/menuitem.764c9920d8b49e5934aae2a5c19714a0/?vgne

xtoid=5c957957d20bb010VgnVCM2000000301a8c0RCRD

223 IAB-SP

224 KÜHL, Beatriz. Preservação do Patrimônio Arquitetônico da Industrialização. Ateliê Editorial. São

Paulo. 2009.p.195.

225 Ibidem. p.194. 226 Ibidem. p.193.

“Numa estação de estrada de ferro, a gare com suas plataformas de embarque e desembarque. Nessas áreas focais há de se ter o maior respeito aos elementos de composição arquitetônica, à pintura, aos acabamentos, aos materiais, à estrutura, ao equipamento, etc. E há espaços secundários das atividades de apoio como salas da administração, sanitários, vestiários, depósitos, vestíbulos e elementos da distribuição das circulações, como corredores, escadas de serviço ou de emergência, elevadores, etc. Nas obras de aproveitamento, reutilização ou requalificação de edifícios essas áreas secundárias evidentemente podem ser remanejadas ou demolidas em benefício do novo uso.” 227

Além das questões já ponderadas pela professora Kuhl a outra questão relacionada como mais uma incompatibilidade para este edifício sobre o uso proposto, foi apresentada por Coelho em sua dissertação228. Refere-se a desvinculação do público

do Museu com o público da Estação, inclusive em função de acessos completamente independentes. Todavia essa falta da conectividade está sendo sanada, utilizando-se de políticas de comunicação que podem integrar tanto os usuários do sistema de trens na programação do Museu, como se pode promover um uso mais intenso do sistema de transportes para facilitar a chegada ao Museu. O que já vem sendo feito são visitas programadas à Estação nos finais de semana, a exposição sobre o restauro acessível no terraço do segundo pavimento e a integração da livraria no térreo da ala oeste, da onde se vê as plataformas da Estação.

Quanto as intervenções propriamente ditas a professora Kuhl também faz uma série de comentários importantes, entre os quais se destaca:

Referente aos novos acessos criados pela CPTM

soluções subterrâneas só devem ser adotadas em última instância, pois são sempre violentas e alteram de forma veemente o modo como o edifício se relaciona com o entorno...O projeto do novo sistema e a sua articulação com o edifício deveria ser feito com o máximo cuidado, sendo um ponto nevrálgico a forma de união da nova proposta com as

plataformas existentes.229

Neste ponto vale a pena lembrar o depoimento da arquiteta Meire Selli autora do projeto de intervenção na Estação da Luz para a CPTM, que justificou a interligação no nível subterrâneo a 12m de profundidade por dois motivos: o primeiro em função da ligação dos diversos níveis de acesso das linhas do Metrô; e o segundo por ter viabilizado a renovação do sistema de captação de águas pluviais e dos esgotos da região, intervenção que eliminou o problema das enchentes que alagavam a Rua Mauá, que a tornava navegável quando chovia forte e isso estava causando a destruição dos tijolos dessa fachada, além de terem destruído o muro das extremidades da Estação, que protegia as linhas férreas.

Referente a instalação dos elevadores

A instalação dos elevadores implicou a destruição de pisos e forros originais na ala oeste, havendo ainda o comprometimento das salas norte e sul, em que foram instalados, nos vários

pavimentos.230

227 LEMOS, Carlos. Parecer sobre o projeto de intervenção de restauro e adaptação na Estação da

Luz.

228 COELHO JR., Marcio Novaes. Projetos de Intervenção Urbana no Bairro da Luz. p.225.

229 KUHL, Beatriz. Preservação do Patrimônio Arquitetônico da Industrialização. p. 84.

Essa ponderação já foi aqui questionada pela manifestação do especialista Campello que posiciona de forma bastante consistente a pertinência dessa solução em função do programa de uso e da correta solução estética e tecnológica.

Referente às mudanças da ala leste e sua relação com a ala oeste:

Na parte leste, afetada pelo incêndio, nenhum dos elementos de circulação vertical foi aproveitado, sendo inseridos os elevadores nos ângulos e nova circulação por escadas no centro da ala, e todos os pisos e elementos divisórios foram removidos. Além disso, a proposta promoveu a destruição de paredes originais no segundo pavimento da ala oeste para a criação de uma galeria que atravessa todo o edifício (...) no pavimento da galeria não se percebe estar em um edifício com raízes no século XIX, pois a solução projetual repudia completamente esse fato – destrói suas paredes, seu sistema ornamental e de composição, oblitera suas janelas,

negando qualquer permeabilidade com o exterior.”231

Retomando um dos pareceres cautelosos ao projeto apresentado, o do Arqto. Roberto Leme do CONDEPHAAT, cabe lembrar seu comentário sobre o segundo projeto apresentado, o projeto finalmente aprovado, sobre as intervenções que permitem a reversibilidade, “o projeto lapidou-se, transformando-se quase que num apetrecho dentro do edifício e que, portanto, de fácil reversibilidade. Esta característica é fundamental, pois nos leva a aceitação deste projeto.232

Esse cuidado traz à tona os comentários do Prof. Nestor Goulart, quando, em 1976, durante o processo de tombamento da Estação, iniciado em função das intervenções que a RFF queria executar na cobertura da gare, ele refletiu sobre o cuidado que se deve tomar quando se intervém nos edifícios históricos lançando mão a soluções inovadoras em função do seu tempo. Como o professor colocou em seu parecer, a necessidade de estabelecer critérios para evitar o uso predatório do edifício, pois reconhecia a possibilidade de “tetos de obsolescência ou pontos de saturação, em que a multiplicação de medidas de adaptação e modernização podem não responder a contento a novas exigências funcionais.”233 Dentro dessa ponderação, não

correlacionada à implantação do Museu da Língua Portuguesa, mas sim às soluções propostas pela RFF, serve de parâmetro para a reflexão sobre a importância do conceito de reversibilidade da intervenção aprovada para o Museu, pois as soluções reversíveis poderão, no futuro, permitir que as transformações entendidas como excessos ou que podem levar à obsolescência preconizada pelo Prof. Nestor, possam ser refeitas sem comprometer o edifício.

E por último, utilizando as palavras de Coelho, “a possibilidade de mudar o uso de um edifício histórico, transformando-o em algo completamente diverso do que tenha sido no passado é legítima. Devemos, contudo, ter o cuidado de analisar sua pertinência, coerência, viabilidade e fundamentação.”234

Quanto aos recursos da lei de incentivo despendidos no projeto de implantação do Museu da Língua Portuguesa pode-se dizer que os mesmos foram determinantes para sua viabilização. As empresas que se motivaram a participar do empreendimento

231 KUHL, Beatriz. Preservação do Patrimônio Arquitetônico da Industrialização. p.188-190.

232 LEME, Roberto apud COELHO Jr. Marcio Novaes. Projetos de Intervenção Urbana no Bairro da

Luz. p. 210.

233 REIS FILHO, Nestor Goulart. Parecer final para tombamento da Estação da Luz, de 11 de janeiro de

1977 apud COELHO JR. Marcio Novaes. Projetos de Intervenção Urbana no Bairro da Luz.. p. 224.

acreditaram na sua concretude e com certeza devem estar satisfeitas com os resultados alcançados, além do sucesso contínuo de público, a cada mês os números crescem, mais de um milhão de pessoas visitaram o Museu, no ano passado (2009); o impacto na mídia foi significativo, inúmeras matérias foram publicadas, a cobertura do jornalismo da TV Globo esteve presente nos principais momentos. O retorno institucional foi obtido. Resta apenas saber se o impacto da participação de cada uma das empresas repercutiu junto ao seu público direto. Mas esses dados dificilmente são revelados, pois fazem parte de avaliações internas que direcionam futuras decisões.

Mas no caso da restauração da Estação da Luz não cabe apenas discorrer sobre os recursos incentivados pelas leis de incentivo à cultura investidos no projeto, é preciso também posicionar o investimento feito pela parceria do BIRD com o Governo do Estado e o Governo Federal para o desenvolvimento do projeto Integração Centro que disponibilizou mais de 90 milhões de dólares para a interligação dos sistemas de transporte, sendo que 80% desse valor foi investido no projeto Luz.

Da mesma forma que não foi possível analisar o projeto de restauração do edifício administrativo da estação que foi convertido em Museu da Língua Portuguesa, independente das intervenções na estação de trem realizadas pela CPTM, considerou-se que não é possível entender a recuperação da estação sem considerar os recursos capitaneados pela CPTM e investidos pelo BIRD e governo nesta obra. Os números que se teve acesso, tanto do investimento do consórcio com o BIRD como dos recursos da Lei Rouanet foram apenas referenciais, ou seja, não se manuseou nenhuma das planilhas de custos e investimentos; assim as considerações aqui feitas vão se ater aos grandes números sem uma avaliação criteriosa sobre a aplicação dos recursos.

Assim, pode-se considerar que algo em torno de 72 milhões de dólares foram gastos na Estação da Luz para fazer frente às obras de infraestrutura e de remanejamento das interligações entre trens suburbanos e metrô, galerias, piso intermediário, acessos, restauro das áreas que cabiam à CPTM.

Somado a esse investimento tem-se os recursos incentivados, já identificados na ordem de 25 milhões de reais. Do ponto de vista do restauro especificamente infere- se que acabou havendo um volume maior de recursos investidos pelo poder público, com suporte do BIRD, do que foram os recursos incentivados, pois as áreas identificadas como mais importantes para a Estação (Gare, hall principal, plataformas, uma das fachadas e torreões) tiveram recursos do sistema de transportes. Já as intervenções voltadas à cultura (restauro, adequação ao museu, novas tecnologias, instalações do museu, etc.) receberam recursos incentivados. Caso houvesse a preocupação em atribuir maior significado a um recurso do que ao outro, talvez pudesse ser feita uma ponderação desses investimentos, mas o importante a ser destacado é que os recursos foram canalizados para essa obra e foram empregados em realizações voltadas à recuperação do edifício e sua adequação a uma nova dinâmica da cidade, tanto do sistema de transportes como de acesso à cultura.

Os valores investidos, quando somados ganham representação até comparados com investimentos internacionais, mas se olhado isoladamente o recurso incentivado, estaria sendo analisado um montante de cerca de 12 milhões de dólares para a

transformação de um edifício com uma área de mais de 4 mil metros quadrados em um novo museu, dinâmico e contemporâneo e instalado em um prédio histórico recuperado. Esse montante não atingiria sequer 10% dos valores usualmente despendidos em projetos dessa envergadura. O que sugere que os investimentos em projetos culturais, mesmo em obras de restauração que costumam ser consideradas obras caras, no Brasil, ainda recebem valores pouco representativos quando comparados com as grandes obras dessa natureza em todo o mundo.

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A estação iluminada

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Foto de Gilberto Calixto Rios Imagem extraída de apresentação sobre a Estação da Luz- PPS: Idealizado e montado pelo fotógrafo Gilberto Calixto Rios.