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PARTE III ESTUDOS DE CASOS

CASARÃO DA FAMÍLIA SANTOS DUMONT MUSEU DA ENERGIA DE SÃO PAULO

15. CASARÃO DA FAMÍLIA SANTOS DUMONT MUSEU DA ENERGIA

15.1 HISTÓRICO – A OCUPAÇÃO DOS CAMPOS ELÍSEOS

A construção da residência principal deu-se entre 1890 e 1894, no bairro dos Campos Elíseos, loteamento aberto, no final do século XIX, um dos marcos do crescimento urbano na cidade de São Paulo, adotando novos padrões urbanísticos e melhorias sanitárias, além de melhorias tecnológicas na construção de suas casas.“ O bairro dos Campos Elíseos começou a ser loteado em 1880, por Victor Nothmann e Frederico Glette, que haviam adquirido no ano anterior a Chácara do Campo Redondo, também conhecida como Chácara Mauá. Foi o primeiro bairro residencial de classe alta renda fora do velho Centro”238

Aquele momento foi marcado por mudanças radicais na vida paulistana, como já destacado no histórico da Estação da Luz e como será retomado na contextualização do terceiro estudo de caso, o Palácio dos Campos Elíseos. A chegada do trem facilitando a chegada de novos materiais para a construção civil, a abolição da escravatura e o uso intenso da mão-de-obra imigrante foram determinantes para mudanças na arquitetura, trazendo influências diretas da Europa.

O autor do projeto do loteamento foi o também alemão Hermann Von Puttkamer que adotou todas as novidades urbanísticas da época: traçado retilíneo, pouco usual então na cidade, dotou o bairro de abastecimento domiciliar de água, graças a Cia Cantareira de Águas e Esgotos, (que a partir de 1882, com a instalação da caixa d’água da Consolação podia oferecer esse serviço). Com essa novidade, começam a

237 A Fundação Energia e Saneamento, instituída em 1998, é uma instituição privada, sem fins

lucrativos que abriga um significativo acervo arquivístico, bibliográfico, museológico, arquitetônico e ambiental, integrado à sua missão de preservar e divulgar o patrimônio histórico cultural dos setores de energia e saneamento, por meio de projetos de educação e cultura e com clara função social. Folheto Museu da Energia de São Paulo, distribuído no Museu.

238 REIS, Nestor Goulart. Palácio Campos Elíseos – um marco na história de São Paulo. São Paulo:

ser instaladas no interior das novas residências salas de banho e sanitários e passava-se a ter água encanada nas cozinhas frequentemente instaladas no porão das novas residências junto com as demais áreas de serviço.

“Em termos de cartografia histórica, na planta de 1881 vemos o bairro dos Campos Elíseos recém estabelecido, mas ainda sem praticamente nenhuma construção na sua área. Na planta da cidade de 1895, já pode ser visto o Liceu Coração de Jesus, escola precursora do avanço para o norte da ocupação da região, nessa altura já havia sido construído o arruamento do bairro que parece completamente definido. O bairro dos Campos Elíseos, apesar de ter sido concebido para remediados e para gente bastante endinheirada, acabou sendo preterido, já na década de 1920, em favor de bairros tais como Higienópolis. As grandes edificações e terrenos passaram a ser ocupados por negócios, armazéns e serviços, refletindo até hoje a ocupação da região, predominantemente comercial ou residencial de média e baixa renda.”239

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Nesse mapa vemos a planta da cidade de 1895. O Liceu Coração de Jesus, escola precursora do avanço para Norte da expansão da ocupação da região. Nessa data já havia sido construído o Casarão da Família Santos Dumont e o imóvel já havia sido adquirido pelo irmão do famoso precursor da aviação.

239 ZANETTINI, Paulo. Diagnóstico Arqueológico não Interventivo - Gabinete de Despacho do

Governador do Estado. FUPAM, outubro/2009. Documento Interno. p.21. 240 Ibidem. p. 21

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Vista atual dos Campos Elíseos da Av. Rio Branco avistando-se a lateral do Liceu, na direção do Casarão. Ocupação semelhante ao início do século com poucas edificações

contemporâneas.

Uma das características marcantes desse loteamento, e dos que vieram depois dele para os bairros de Higienópolis e na Avenida Paulista, era a grande dimensão dos lotes possibilitando que as residências fossem implantadas no centro do terreno, criando-se uma grande área para jardins ao redor. As casas passaram a ter autonomia de seu volume tridimensional, os detalhes arquitetônicos passaram a ser pensados para os exteriores, alpendres, varandas, loggias, corpos e ornatos nos telhados, como o Professor Nestor analisa em suas considerações sobre a concepção do “palacete”, em função dessa nova forma de ocupação do lote.242

O bairro logo incorporou também o serviço de abastecimento de gás, eletrificação nas ruas e o serviço de transportes de bonde elétrico.

Com as facilidades da importação e do transporte pela ferrovia, novos materiais construtivos invadem a cidade. Importava-se de tijolos a ornamentos acabados, como cornijas, frontões, frisos, etc. Os telhados são escondidos pelas platibandas abaulastradas. É a cidade de tijolos substituindo a antiga construída em taipa de pilão. “Nessa região já não são vistos os amplos beirais, nem as janelas guarnecidas com rótulas. Em seu lugar vemos as platibandas e mansardas ao “gosto francês”. 243

É o período onde os arquitetos estrangeiros e os brasileiros com formação européia trabalham intensamente reproduzindo modelos encontrados na Europa.

O casarão da família Santos Dumont é um exemplar característico da arquitetura eclética, é um mostruário representativo dessa importação de materiais. Encontramos nos seus interiores apliques, frisos pré-moldados, esquadrias de pinho-de-riga,

241 Foto da autora da pesquisa em 13/10/2010.

242 REIS, Nestor Goulart. Palácio Campos Elíseos. p. 46.

mármores de Carrara nas escadas, ladrilhos hidráulicos europeus nos pisos das varandas; na área externa, o ferro forjado nos gradis reproduz elementos art nouveau.244

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A Família Santos Dumont convivendo em sua nova residência. A frente da casa voltada para a Alameda do Triumpho, atual Alameda Cleveland. Nesta foto pode-se ver todos os elementos usados nos palacetes à época. Data provável dessa foto depois de 1894.

O arquiteto do prédio principal foi provavelmente Ramos de Azevedo.

Francisco de Paula Ramos de Azevedo foi o maior arquiteto construtor em São Paulo durante o final do século XIX até a sua morte em 1928. O terreno havia sido adquirido por Antonio Lacerda Franco, presidente do Banco União entre 1891 e 1894, e o arquiteto Ramos de Azevedo era o chefe da carteira imobiliária da sua instituição, tendo ali projetado todas as suas residências construídas naquele período. Assim, a atribuição desse projeto a Ramos de Azevedo é dada pelas evidências das relações apresentadas e de outras que envolvem aspectos construtivos.

“O engenheiro Ramos de Azevedo, oriundo de Campinas, diplomado na Bélgica rapidamente se tornou o principal construtor da cidade. Tendo sido um dos fundadores da Escola Politécnica em 1894, tinha acesso igualmente fácil às grandes encomendas do governo estadual e da burguesia de São Paulo. Importador e protetor de artesãos e mestres-de-obras de origem europeia, Ramos de Azevedo foi ainda, de 1894 a 1928 diretor do Liceu de Artes e Ofícios de São Paulo.”246Todo esse trânsito junto ao poder econômico vigente e tendo amplo acesso às novas tecnologias, seu trabalho era requisitado e a cidade assim enchia-se de projetos de sua autoria.

244 http://www.energiaesaneamento.org.br/redemuseuenergia/edificio.php?id=1

23/09/10

245 Foto tirada pela autora de painel com imagens do acervo da Fundação Energia e Saneamento em

exposição no Casarão. 20/7/2010.

246 DURAND, José Carlos. Le Corbusier no Brasil – Negociação Política e Renovação Arquitetônica.

Disponível em http//www.anpocs.org.br/portal/publicações/rbcs_00_16/rbcs16_01.htm. Acesso em: 13/8/2010. p. 2.

São de sua autoria grandes edifícios públicos e inúmeras residências. O partido que empregava nos palacetes adotava como programa mínimo a distribuição francesa:

“no térreo o hall de distribuição ou o pequeno vestíbulo levavam ao estar, composto de sala de jantar, sala de visitas, sala de estar e sala da senhora, varanda e gabinete. Às vezes, esta zona incluía bilhar e fumoir. A cozinha ficava em puxado, no térreo, com despensa e quarto de criada....O primeiro andar destinava-se ao repouso: série de quatro ou cinco dormitórios incluía quarto de toilette ou de vestir , rouparia e um só banheiro.”247

Cronologia de ocupação do Casarão248

07.07.1890 – Antonio de Lacerda Franco adquire de Domingos dos Reis e Maria das Dores Vasconcellos dos Reis um terreno na Alameda do Triumpho, 67, esquina com alameda Nothmann, na freguesia de Santa Ephigênia, pelo valor de 18:000$000. 19.10.1894 – Antonio de Lacerda Franco transmitiu por venda feita a Henrique Santos Dumont, pelo valor de 200:000$000, o prédio edificado para dentro do alinhamento, na Alameda do Triumpho esquina com alameda Nothmann.

30.09.1920 – É feita carta de sentença do formal de partilha de Henrique Santos Dumont.

17.09.1923 – Amália Ferreira Dumont, viúva, adquire em partilha do espólio de Henrique Santos Dumont, pelo valor de 180:000$000, um prédio situado à Alameda Cleveland (antiga Alameda do Triumpho), número 65, esquina com Alameda

Nothmann.

04.02.1926 – Amália Ferreira Dumont vende para Blandina Ratto uma casa com dois pavimentos, situada na Alameda Cleveland, 65, esquina com Alameda Nothmann, freguesia de Santa Ephigênia, localizada no centro de seu respectivo terreno, tendo nos fundos construções anexas para garagem e habitação com jardim, pelo preço de 350:000$000.

1927 – São construídos mais três imóveis no terreno para abrigar o Colégio Stafford. Anos 1940 – Construção de mais dois imóveis no terreno, para abrigar novas

instalações para o colégio (auditório, enfermaria e laboratórios). 22.03.1948 – Falece Blandina Ratto.

14.06.1951 – Lucinda Ratto adquire do espólio de Blandina Ratto, pelo valor de CR$ 2.332.000,00, a propriedade situada na Alameda Cleveland, 601, antigo número 65 da Alameda do Triumpho.

30.12.1951 – O Colégio Stafford feminino, situado na Alameda Cleveland, é desativado. As alunas são transferidas para outros colégios.

247 HOMEM, Maria Cecília N. O Palacete Paulistano e outras formas urbanas de morar da elite cafeeira

1867-1918. São Paulo: Martins Fontes, 1996. p.133.

15.09.1952 – O Prof. Dr. José Maria de Freitas funda a Sociedade Pestalozzi de São Paulo, entidade filantrópica que passa a atender portadores de necessidades especiais mentais no casarão.

03.05.1961 – O imóvel foi desapropriado pela Fazenda Pública Estadual, pelo valor de CR$ 6.000.000,00.

1977-1983 – A Sociedade Pestalozzi de São Paulo é paulatinamente transferida para suas novas instalações na Vila Guilherme, São Paulo – SP.

1983-1990 – O casarão é ocupado por grupos do movimento “sem-teto”. 1990 – Primeira reintegração de posse do imóvel.

15.01.1993 – O edifício ainda pertence à Secretaria da Criança, Família e Bem Estar Social.

1995 – O casarão passa à administração da Secretaria de Estado da Cultura. 1995-1997 – A casa foi ocupada novamente pelo movimento dos “sem-teto”.

1997 – segunda tentativa de reintegração de posse, logo seguida por nova ocupação. 30.03.2001 – O casarão é desocupado, mediante reintegração de posse dada à Secretaria de Estado da Cultura.

06.06.2001 – A Secretaria de Estado da Cultura transfere o imóvel por cessão de uso provisório para a Fundação Patrimônio Histórico da Energia de São Paulo.

Junho 2001 – A Fundação recebeu e assumiu a posse do conjunto de imóveis da Alameda Cleveland, 601, esquina com Alameda Nothmann após reintegração de posse e desocupação realizada pela Secretaria de Estado da Cultura.

Junho/Julho 2001 – Para assegurar a proteção e a integridade do imóvel, as seguintes ações foram tomadas:

1 – colocação de tapume em todo o entorno do terreno;

2 – negociações com a empresa situada na vizinhança do imóvel, na Alameda Cleveland, para firmar uma parceria no fortalecimento e patrocínio da segurança no local, mediante o emprego de profissionais com a utilização de cachorros, tendo em vista que esta empresa já conta com grande contingente de seguranças em sua fábrica. Esta ação deveu-se ao fato de ocorrerem tentativas de novas invasões nesse período inicial;

3 – solicitação de autorização ao CONDEPHAAT para a execução da primeira fase de trabalhos de emergência, tais como: limpeza, desinfecção, retirada de entulho e restauração da cobertura dos seguintes imóveis: casarão, anexo 1 – antiga escola, anexo 2 – bangalô e anexo 5 – recreio coberto. Os anexos 3 e 4, situados nos fundos do terreno, estavam em fase de estudos e avaliação para permanência ou demolição e foram demolidos.

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