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PARTE II ESTÍMULOS LEGAIS E DE MERCADO ÀS AÇÕES DE PRESERVAÇÃO

PATRIMÔNIO CULTURAL QUE REÚNE AS SEGUINTES SUBÁREAS: ACERVO, ACERVO MUSEOLÓGICO,

11. CONSIDERAÇÕES SOBRE O MERCADO CULTURAL E AS LEIS DE INCENTIVO

A seguir é realizada uma leitura crítica de alguns autores que debatem o confronto entre o mercado cultural e as leis de incentivo: “Cultura Neoliberal, Leis de Incentivo como política pública de cultura" de Cristiane Garcia Olivieri, 2004; “A instrumentalização da cultura em intervenções urbanas na área central de São Paulo” de Beatriz Kara José, cap. 3; “Do Marketing ao Desenvolvimento Cultural” de Marcos Barreto Corrêa e a “Reforma da Lei Rouanet, porque o Projeto de Lei, se aprovado, será nocivo ao País” de Carlos Harasawa. Foi feito um apanhado das posições e argumentos dos setores envolvidos que levaram às reformulações propostas no novo texto da Lei.

Há basicamente duas posições entre o grupo formado pelo mercado da cultura, a respeito da política pública de cultura envolvendo os incentivos fiscais: os favoráveis à atual política neoliberal e aos incentivos fiscais no formato que se encontram e outra contrária, com uma posição mais crítica ao atual modelo de gestão da cultura onde acham ser excessivos os incentivos ao patrocínio.

Entre os segmentos favoráveis à atual política destacam-se os empresários e os produtores culturais. Esse grupo a defende pelo claro aumento da realização dos projetos culturais e pela desconfiança no poder do Estado de definir e intervir com

99 HERCULANO, Mônica. Preservação do patrimônio cultural do país requer mais investimento.

100 Prestação de Contas do Presidente da República – PCPR 2009. Disponível em:

certa agilidade nas propostas culturais, principalmente devido aos entraves burocráticos típicos das estruturas governamentais, além da desconfiança na capacidade gestora e criativa dos agentes do Estado.

Para os empresários, os incentivos fiscais possibilitam sua participação na política cultural do seu país, através da seleção do que seria de seu interesse ser patrocinado. Julgam-se mais qualificados para este papel que o governo e, além de beneficiados pela promoção da imagem da empresa e do incentivo financeiro, sentem-se tranquilizados quanto ao rumo da cultura, no qual têm algum interesse e, sobre o qual, agora exercem alguma influência por concessão do Estado.

“Entendo que, da mesma forma que a arte aproxima as pessoas, o atual cenário da produção cultural promove um efetivo encontro entre as esferas de fundamental importância na sociedade, em prol da realização de ações culturais. Essa talvez seja a grande transformação que as Leis de Incentivo à Cultura têm possibilitado”.101

Segundo esse grupo, as leis de incentivo trouxeram maior profissionalismo para o mercado cultural. A entrada de outros profissionais, como contadores, advogados, profissionais da comunicação e marketing, gerou mais credibilidade às produções culturais pela maior garantia dos resultados.

As empresas acatam que existe um mercado cultural que deve ser respeitado, por quererem suas marcas relacionadas ao que é bem feito e bem aceito.

Alguns Estados e Municípios têm atuado de forma mais participativa na vida cultural de suas regiões. É o caso, também de São Paulo, tanto na viabilização de grandes projetos como a implantação da Sala São Paulo de Concertos em 1999, da restauração e ampliação da Pinacoteca do Estado (1998), do Museu Afro (2000), da Reforma do Prédio do DETRAN para abrigar o novo Museu de Arte Contemporânea (2010) ou a implantação do Complexo da Luz de Dança (em andamento), ou ainda a promoção e realização do Festival de Inverno de Campos de Jordão (há mais de 30 anos), da Virada Cultural (que neste ano de 2010 realizou sua 3ª edição no primeiro semestre e a 4ª edição acontece no último final de semana de novembro) tanto do município de São Paulo, como no Estado. Todas essas ações são formas de inversão de recursos do próprio Estado que estão contribuindo sobremaneira para o desenvolvimento cultural de artistas e do patrimônio paulista, sem que haja investimentos significativos da iniciativa privada.

Há empresas que entendem como necessário o concomitante investimento de verbas próprias nos projetos culturais, mas também consideram que contribuem de forma não declarada com a manutenção de uma estrutura de funcionários, materiais e serviços alocados para dar apoio às atividades de caráter cultural através da “... exigência de que a empresa invista recursos próprios, a título de contrapartida, é saudável por trazer novos recursos para o meio cultural e por gerar um processo educativo de envolvimento de suas diversas áreas no investimento em ações culturais. Mas, além de não considerar todas as moedas canalizadas pela empresa,

101 CORRÊA, Marcos Barreto. Do Marketing ao Desenvolvimento Cultural. Belo Horizonte: CEMIG,

percebê-la apenas como financiadora é, no mínimo, não entender todo o seu potencial à serviço da realização de ações culturais”102.

Correa considera que críticas sobre a seleção que o mercado e as empresas fazem ao escolher quase sempre artistas já consagrados não pode ser considerada uma maneira absoluta, pois a imagem da empresa depende bem mais da política de comunicação do que do artista.

Busca-se também atingir um público especifico de expectador/consumidor e não necessariamente o grande público, de forma a mostrar a importância da empresa como incentivadora cultural e social, qualificar sua imagem não só como patrocinadora de alguns grandes espetáculos já estabelecidos. “Ao lado das iniciativas institucionais e mercadológicas, as ações culturais demonstram a forma da empresa se posicionar e se relacionar com a comunidade”.103

As Leis de Incentivo disponibilizam impostos que seriam destinados a toda a população e, sua destinação passa a ser definida pelas ações das empresas, através do patrocínio de projetos culturais. Para contornar alguns dos aspectos que poderiam orientar um direcionamento dos benefícios dos projetos escolhidos para patrocínio, são estabelecidas exigências definidas pelo Ministério e regulamentadas por instruções normativas, que buscam ampliar o escopo e o público dos projetos, exigindo-se medidas necessariamente mais democráticas, responsáveis e com um compromisso de ordem pública, “exigindo comprometimento como inclusão, acesso, qualificação, evolução e transformação”.104 Entre as medidas mitigadoras destacam-

se: acesso franqueado ao grande público do bem que recebeu recursos incentivados, adoção de instalações adequadas aos portadores de necessidades especiais, distribuição ampla de informações em bancos de dados, publicações e material de divulgação, regras para o uso de marcas e controle dos gastos em divulgação e gestão.

A outra posição é mais crítica ao atual modelo de gestão da cultura, de incentivo ao patrocínio, sendo adotada principalmente por parte de pesquisadores acadêmicos, por parte de artistas que não se sentem contemplados com o incentivo e por opositores ao sistema de governo de caráter neoliberal, atualmente orientando as ações do estado brasileiro. Esse embate justifica as fortes mudanças propostas que estão em processo de aprovação do novo texto da Lei de Incentivo à Cultura. (Anexo II).

Ao analisar as relações de projetos aprovados nas reuniões da CNIC (Comissão Nacional de Incentivo à Cultura), veiculadas pelo site do Ministério todos os meses, comparando-as com as relações de projetos que efetivamente chegam a captar recursos para sua concretização, que podem ser consultadas nos dados veiculados anualmente pela Revista Marketing Cultural, verifica-se que os projetos que efetivamente tem se viabilizado, na maioria das vezes, são as realizações que privilegiam os projetos envolvendo artistas e autores consagrados demonstrando que os incentivos são de fato captados por artistas mais reconhecidos, ou por

102 CORRÊA, Marcos Barreto. Do Marketing ao Desenvolvimento Cultural. p. 73.

103 Ibidem. p. 101. 104 Ibidem. p. 122.

instituições culturais mais sedimentadas e conhecidas. Entre as instituições com maior alcance junto ao empresariado pode-se destacar: a Fundação Roberto Marinho, a Sociedade de Cultura Artística, a Fundação OSESP, a OSB, a Pinacoteca do Estado ou outras fundações ligadas às empresas que estão mais aparelhadas para atuarem no segmento cultural e não geram dúvidas.

Considerando-se os prós e contras de ambas posições, procurou-se identificar neste trabalho a base dos debates que vem mobilizando o mercado, sobre a imprescindível construção de uma verdadeira política cultural; a necessidade de maior diálogo entre os agentes e a promoção de um debate mais crítico e menos tendencioso entre os envolvidos na produção cultural do país e suas visões.