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PARTE II ESTÍMULOS LEGAIS E DE MERCADO ÀS AÇÕES DE PRESERVAÇÃO

7. BREVE HISTÓRICO: DOS INCENTIVOS FISCAIS ÀS POLÊMICAS ATUAIS

As leis de incentivo fiscal configuram parcerias público-privadas e se tornaram atualmente uma importante ferramenta no processo de viabilização de boa parte das obras de preservação do patrimônio cultural brasileiro.

Pode-se considerar que a participação ativa da iniciativa privada nas questões culturais, exercendo um papel tanto de patrocinador como de empreendedor não é total novidade; e que, pelo menos na cidade de São Paulo, ela já tem uma tradição de meio século. Aqui esse mecenato privado é fruto excedente da riqueza industrial e financeira, tomando iniciativas de promoção cultural que até então se realizavam quase exclusivamente no âmbito do governo federal. “Na raiz das realizações dos arquitetos está o mecenato de Estado. A construção de Brasília, entre 1956 e 1960, foi fundamental para a conquista dessa posição.”77

Em finais da década de 1940 a participação de bem sucedidos empresários na vida cultural da cidade e do país passou a ser um fato cotidiano. Empresários como Ciccillo Matarazzo e Assis Chateaubriand marcaram a cena cultural paulistana criando museus (MAM e MASP) e promovendo grandes eventos como as Bienais Internacionais de São Paulo, que subsistem dinâmicas e fundamentais para o contexto das artes plásticas brasileiras. São conhecidos os métodos persuasivos de Chateaubriand – que como diretor presidente dos Diários Associados usava a força jornalística de seus jornais e televisões para angariar apoio para as aquisições do MASP.

Serão também as empresas de comunicação que promoverão, no final dos anos de 1970 e início dos anos 1980, uma intensa participação de alguns setores empresariais em projetos culturais. Entraria então em cena a Fundação Roberto Marinho, que terá a partir de então um importante papel na captação de recursos privados para investimentos em projetos culturais, coordenando iniciativas para atrair recursos de empresas que serão dirigidos para viabilizar realizações culturais. Em troca, oferece o grande atrativo da divulgação pelo sistema de comunicação das empresas Globo, do qual a Fundação faz parte, que a partir daquele momento abriu seus intervalos comerciais para a divulgação institucional dessas iniciativas. Num período de mais de cinco anos a Fundação Roberto Marinho teve uma atuação preponderante e quase exclusiva no mecenato privado à cultura brasileira.

Com a abertura democrática a partir de 1984 e tendo chegado ao poder o primeiro presidente civil desta nova era, o governo se dedicou à reorganização dos órgãos e instituições da cultura o que deu lugar ao surgimento das primeiras leis de incentivo, que criaram condições mais amplas para outros agentes participarem da vida cultural do país.

Em 1985 a Secretaria da Cultura, até então parte do Ministério da Educação, é elevada a Ministério da Cultura. Em 1986 é criada a Lei n° 7.505, a primeira a tratar

77 DURAND, José Carlos. Le Corbusier no Brasil. Negociação política e renovação arquitetônica.

Contribuição à história social da arquitetura brasileira. Em:

de incentivos fiscais de estímulo à cultura no Brasil. Conhecida como Lei Sarney, simboliza o início da proposta política cultural do então governo, buscando o envolvimento do setor empresarial em parcerias público-privadas que se firmariam nos anos 1990. Consolidava-se assim paulatinamente uma forma de estimular iniciativas culturais que gerou e gera polêmicas até os dias de hoje. A Lei Sarney, serviu de estímulo para as empresas descobrirem que investir em cultura poderia ser uma estratégia importante nas suas políticas de comunicação.

Os benefícios fiscais federais para as empresas que investissem em cultura ficaram conhecidos como mecenato - recordando o nome dado aos protetores das artes na época Renascentista.

Segundo definia a Lei 7.505/86, ou Sarney, os produtores culturais deviam apresentar seus projetos ao Ministério da Cultura; se aprovados ficavam cadastrados e seguia-se então na busca do patrocínio; sendo obtido, o valor a ser aplicado vinha do desconto do Imposto de Renda, podendo chegar a ser de até 70%. Embora fosse exigida uma prestação de contas dos valores incentivados investidos, não havia um acompanhamento na realização do projeto, gerando muitas críticas sobre o pouco controle no uso dessa verba, que a rigor é pública, pois é um recurso proveniente da renúncia fiscal do governo federal, que a cedia assim para a realização desses projetos78.

Em 1990, com a posse de Fernando Collor de Mello há um retrocesso: foi extinto o Ministério da Cultura e vários outros órgãos ligados à cultura e a Lei Sarney foi revogada.

Porém na cidade de São Paulo, com a mobilização da classe cultural e o apoio do então vereador Marcos Mendonça, é criada a Lei Municipal n° 10.932/90 de incentivo a cultura, que permitia o abatimento do IPTU e ISS de até 20% para pessoa física ou jurídica que investissem em projetos culturais previamente aprovados por uma Comissão Municipal vinculada a pasta da Cultura.

Em 1991, é novamente criada uma lei federal de incentivo à cultura, a Lei n° 8.313/91, conhecida como Lei Rouanet, nome do Ministro da Cultura que a promulgou. Entretanto esta Lei só será regulamentada em 1995 e efetivada operacionalmente a partir de 1997, quando passa a definir o caminho da produção cultural no País a partir de então.

Simultaneamente, em alguns Estados começam a surgir as primeiras iniciativas para a implantação de uma legislação estadual de incentivo, através da renúncia do fisco estadual ao imposto do ICMS.

Em 1995, com a gestão do Ministro da Cultura Francisco Weffort, a lei Rouanet, é regulamentada. Em 1997 uma Medida Provisória permite ampliar o incentivo permitido em até 100% do valor do projeto, para algumas categorias, e permitida a dedução no imposto de renda até o limite de 5% do imposto a pagar para pessoas

78 OLIVIERI Cristiane Garcia. Cultura neoliberal: leis de incentivo como política pública de cultura.

jurídicas e de 12% para pessoas físicas”.79 Em 1999 esta medida provisória se

transforma na Lei n° 9.874/99 e tem seus percentuais de benefícios diminuídos para 4 e 6% respectivamente.

O desenvolvimento de um projeto cultural incentivado passa pelo atendimento das exigências do Ministério da Cultura, definidas pela Comissão Nacional de Incentivo à Cultura e operacionalizadas pela Secretaria de Fomento: seu detalhamento burocrático deixa o processo lento. Ao longo dos anos, várias mudanças são implementadas, através de decretos e portarias. Intensos debates ocorrem, considerando a importância da Lei Rouanet para a viabilização financeira de atividades culturais, com questionamentos sobre o papel do Estado, das empresas, da sociedade civil e sobre os critérios e procedimentos para a aprovação dos projetos na forma da lei.

As posições dos diversos agentes envolvidos vêm sendo consubstanciadas em documentos críticos advindos de vários segmentos, desde setores artísticos a intelectuais, jornalistas, empresários, homens públicos, produtores culturais, investidores, muitos dos quais agentes (ou pacientes) das várias etapas de tramitação dos processos de aprovação junto à Lei Rouanet, todos tentando buscar meios para realizações culturais em diversas áreas.

Com o tempo os mecanismos tanto do governo como os do mercado se tornam mais articulados. A atual gestão do Ministério da Cultura, na busca por um caminho mais proativo para incentivar a cultura nacional, reviu a lei em vigor e desenvolveu um novo projeto que ora tramita no Congresso Nacional. Até o final do ano de 2010 ainda vigora a Lei 8.313/91 reformulada pela Lei 9.874/99, mas possivelmente durante o ano de 2011 haverá um novo encaminhamento legal para as questões da cultura, com a implantação do PROCULTURA, a nova legislação da cultura em tramitação no Congresso Nacional, que poderá afetar, inclusive, os projetos relativos à preservação do patrimônio histórico edificado.

No estágio atual cabe ao Estado avaliar, através de seu corpo técnico responsável, se os projetos apresentados, por iniciativa de artistas ou produtores culturais, se enquadram nas exigências estabelecidas pela Lei. Após a aprovação dá-se a busca pelo patrocínio ao projeto.

Na última década os projetos incentivados pela Lei Rouanet se tornaram, para grande parcela do mercado produtor de cultura, o mecanismo mais importante de viabilização de seus projetos. Entretanto, a decisão pela realização ou não desses projetos passou a estar em mãos das empresas patrocinadoras, que escolhem, por seus próprios critérios – que não necessariamente são focados no interesse cultural – o que vão ou não incentivar. Naturalmente, essa situação não é muito bem vista pelos agentes culturais, intelectuais e gestores governamentais, o que conforma, atualmente, uma das grandes polêmicas que envolvem o assunto.

O novo texto da Lei de Incentivo à Cultura, em processo de aprovação, pretende alterar parcialmente essa situação. Seguem resumidamente, as mudanças propostas:

79 JOSÉ, Beatriz Kara. A instrumentalização da cultura em intervenções urbanas na área central de

• estabelece seis faixas de dedução do imposto de renda devido, variando entre 30% e 100% de abatimento;

• cria mais quatro fundos de financiamento direto à cultura além dos dois já existentes (total seis);

• autoriza a associação de empresas privadas a recorrerem ao Fundo Nacional de Cultura para co-patrocinarem empreendimentos em conjunto;

• em caso de lucro, um percentual retorna ao fundo para aplicação pública, à semelhança do que ocorre atualmente no Fundo Setorial do Audiovisual; • o dinheiro dos fundos virá do orçamento da União, que já fixa o valor da

Renúncia Fiscal na atual Lei Rouanet;

• é vedado o uso dos recursos do Fundo Nacional de Cultura para custeio do governo; todo ele destina-se a projetos e demandas da área cultural;

• é aumentado o poder da Comissão Nacional de Incentivo à Cultura (CNIC). • é exigido o uso de pelo menos 20% de recursos próprios das empresas no

patrocínio a projetos incentivados, com um escalonamento para os diversos setores conforme seu maior interesse para o país;

• é efetivamente ativado o Fundo Nacional de Cultura canalizando verbas da iniciativa privada diretamente ao Fundo por meio de estímulos mais atraentes, sendo a definição da aplicação desses recursos a cargo do próprio Ministério. Com o debate surgido a partir das propostas de mudanças para a formulação do novo texto da lei de incentivo à cultura, algumas ponderações se colocam.

As leis de incentivo surgiram com o intuito de integrar a sociedade na produção cultural do país, e como uma forma de canalizar verbas para o setor cultural. Entretanto, as leis de incentivo são apenas um dos aspectos da política cultural do governo, e não o único. Não haveria, portanto, razão para tantas polêmicas, não fosse pelo fato dessas leis terem se tornado, no entender de alguns segmentos, a principal fonte financeira da produção cultural no Brasil – o que, de certa maneira, faz com que elas tenham um grande poder para, na prática, direcionar a política cultural brasileira; gerando então questionamentos de todos os tipos.

A complexidade da questão da atual gestão da cultura no Brasil não permite adotar normas absolutas nem convalida radicalismos de posições e ideias. A multiplicidade de experiências, convicções e esperanças resulta da variedade de agentes envolvidos, e serão necessariamente diferentes para o empresariado, para os artistas, para os agentes governamentais, para os estudiosos, para os produtores culturais. Variando em suas formas e conceitos, todos compartilham nos discursos talvez, apenas, um mesmo objetivo: o do desenvolvimento cultural qualificado e democrático.