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PARTE III ESTUDOS DE CASOS

A ESTAÇÃO DA LUZ – MUSEU DA LÍNGUA PORTUGUESA

14.1. HISTÓRICO O CAFÉ, A LINHA FÉRREA E A INDUSTRIALIZAÇÃO

A produção cafeeira que se inicia em São Paulo no século XIX incrementou o perfil nitidamente urbano e moderno de uma capital. Em meados do século XIX, a expansão do cultivo do grão em direção ao oeste paulista fez com que as plantações, cada vez mais distantes do porto e da capital do Estado, encontrassem dificuldades para o transporte do produto, então realizado por tropas de mulas através de difíceis caminhos pela Serra do Mar. O transporte era oneroso e lento, cerca de 20 km por dia, a tal ponto que as fazendas localizadas a mais de 180 km da cidade de São Paulo tinham sua produção praticamente inviabilizada em função do custo do transporte. Além de favorecer o transporte do grão, o surgimento das estradas de ferro foi sem dúvida o fator mais importante, do ponto de vista da ascensão de certo padrão de vida urbana, de capitalização e articulação do resto da Província com a cidade de São Paulo e com os principais centros mundiais. Mas para a viabilização desse novo status foi necessária a transposição da Serra do Mar. Os empreendedores que buscavam esse feito acreditaram nos estudos de viabilidade que o Barão de Mauá129 apresentou e investiram com ele nesse projeto, foi fundada a São Paulo Raywail Co. que introduziu o sistema funicular que venceu o declive da Serra do Mar.130

“... em São Paulo, Mauá inicia seu maior empreendimento nas províncias brasileiras. Para tocá-lo, teve de montar três agências bancárias, uma em São Paulo, outra em Santos, a terceira em Campinas. Tudo porque, depois de muitos anos de luta, conseguira viabilizar

aquela que era a menina de seus olhos: uma estrada de ferro ligando Santos a Jundiaí”131

Com esse empreendimento, Mauá firmou seu nome entre os grandes empresários do mundo ocidental, conquistando inclusive o aval do Barão de Rothschild, o primeiro que assinou o prospecto de lançamento da The San Paulo Railway e subscreveu pessoalmente mil ações.132

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O impacto da ferrovia nos trechos urbanos em processo de consolidação foi marcante. Em 1860, o governo da Província de São Paulo doa parte do Jardim da Luz

129 Mauá havia obtido a concessão por 90 anos para a exploração do trecho Santos-Jundiaí, através do

decreto imperial de 26 de abril de 1856, in SOUKEF JR. Antonio. Cem Anos Luz, p.23.

130 COELHO JR. Marcio Novaes. Projetos de Intervenção Urbana no Bairro da Luz. Tese de Mestrado

apresentada na FAU_USP. 2004.

131 CALDEIRA, Jorge. Mauá Empresário do Império. Companhia das Letras, São Paulo. 2005. p. 27.

132 Ibidem. p.34.

para a construção da Estação, daí em diante estava consolidado o projeto de Mauá: recursos ingleses para a ferrovia inclusive com a transposição da difícil Serra do Mar e a área da cidade para a construção da estação, que viria a ser a mais importante de todo o país. Conquanto muitos bairros residenciais cortados pelo sistema ainda estivessem em processo de formação, naquele momento a ferrovia tornou-se um elemento decisivo no desenvolvimento das áreas lindeiras.

As chácaras que limitavam a cidade passavam por um acelerado processo de urbanização com o surgimento de bairros arruados, ao mesmo tempo em que o novo equipamento de transporte era instalado. Pontos de concentração do primeiro momento fabril paulistano os bairros do Brás, Pari, Bom Retiro, Santa Ifigênia e Mooca, que já evidenciavam um perfil popular, receberam grande impulso urbanizador com nova configuração física, dando origem aos chamados “bairros operários”. Isso veio a se consolidar a partir da implantação da São Paulo Railway, em 1867, ligando o porto de Santos a Jundiaí, e da Estrada de Ferro Sorocabana em 1875.

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Panorama da Serra do Mar por onde passa a linha férrea Santos-Jundiaí

É indiscutível o quadro de desenvolvimento da cidade, depois da instalação do sistema ferroviário. A partir da década de 1870, São Paulo começa a substituir sua fisionomia colonial. O período de construção e de expansão também é limitado ao tempo em que as oligarquias dominaram o aparelho de Estado. De 1867 até a década de 1930 estava "concluída" a ocupação ferroviária paulista. Nesse período, dezoito ferrovias foram formadas para atender basicamente ao transporte de café; nove delas, com menos de cem quilômetros, serviam praticamente como ramais de captação de cargas para as grandes e médias companhias.

A São Paulo Railway - SPR ou popularmente "Ingleza" - foi à primeira estrada de ferro construída em solo paulista. Construída entre 1862 e 1867 pelos investidores ingleses, capitaneado pelo maior de seus acionistas o Barão de Mauá. Ligando Jundiaí a Santos, transportou durante muitos anos - até a década de 30, quando a Sorocabana abriu a Mairinque-Santos - o café e outras mercadorias, além de

passageiros de forma monopolística do interior para o porto, sendo um verdadeiro funil que atravessava a cidade de São Paulo de norte a sul.

O capital e os técnicos ingleses, aliada a mão de obra dos imigrantes, espanhóis, italianos e portugueses construíram todo o sistema, da ferrovia ao plano inclinado, com a tecnologia das mais avançadas à época. Após a inauguração em 1867, essa mão de obra especializada também foi fundamental para a operação do sistema ferroviário.135

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Em 1946, com o final da concessão governamental, passou a pertencer à União sob o nome de E. F. Santos-Jundiaí (EFSJ). O nome pegou e foi usado até o final do século XX, embora nos anos 70 tenha passado a pertencer à REFESA, e, em 1997, tenha sido entregue à concessionária MRS- Logística (empresa que opera a malha ferroviária do Sudeste), que hoje a controla. As estações da Luz e Julio Prestes passaram a ser geridas dentro do sistema de transportes metropolitanos e, portanto, passaram para a administração da CPTM – Companhia Paulista de Trens Metropolitanos – empresa ligada à Secretaria de Estado dos Transportes. O tráfego de passageiros de longa distância terminou em 1997, mas o transporte entre Jundiaí e Rio Grande da Serra, o último município antes 14 km de Paranapiacaba, continua até hoje com os trens metropolitanos. Em setembro de 2010 foi reativado o serviço do trem turístico para Paranapiacaba aos domingos, sendo disponibilizado um único horário, às 8h30 da manhã com retorno às 16h00. A demanda para esse percurso já está completa até o início do próximo ano, o que vem demonstrar um grande interesse do público por este serviço.

A Estação da Luz foi inaugurada num prédio acanhado em 1867. Alguns anos depois, na década de 1870 o prédio foi ampliado. Entre 1872 e 1875, época da presidência da Província de João Teodoro Xavier de Matos, a região recebeu inúmeras benfeitorias: calçamento, retificação de trecho do rio Tamanduateí, reforma do aterro do

135 MAZZOCO, Maria Inês Dias (Apresentação) in SOUKEF JR. Antonio. Cem Anos Luz.

136 Foto: Militão de Azevedo de 1867. Imagem extraída de apresentação sobre a Estação da Luz –

Gasômetro, do Campo dos Curros (atual Praça de República) abertura de novas ruas com o estabelecimento de novo circuito viário, conectando diversos bairros que começavam a crescer.137

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A segunda construção da Estação da Luz

Todavia, para atender à demanda cada vez maior de passageiros e mercadorias embarcadas e desembarcadas na Estação da Luz que havia sido modestamente ampliada na década de 1870, essa ampliação comprovou-se insuficiente e,

137 COELHO JR. Marcio Novaes. Projetos de Intervenção Urbana no Bairro da Luz. p. 44.

138 Imagem escaneada de SOUKEF JR. Antonio. Cem Anos Luz. p. 57.

139 Quadro de Benedicto Calixto – Museu Paulista. Imagem extraída de apresentação sobre a Estação

finalmente, por volta de 1890, a SPR – São Paulo Railway - decidiu aumentar a estação de maneira compatível com o rapidíssimo crescimento da cidade na época.

O bairro de Campos Elíseos, reduto da aristocracia cafeeira no início do século. Nesses panoramas de 1905 é possível notar os pomposos palacetes, fruto deste ciclo econômico.140

A Companhia São Paulo Railway (a "Ingleza") construiu outra estação no mesmo lugar, muito mais imponente; esta obra foi realizada entre os anos de 1895 e 1900, com projeto do arquiteto inglês Charles Henry Driver em estilo neoclássico. Os recursos para essa obra vieram dos investidores ingleses que “economizavam” as receitas que deveriam ser repassadas ao Estado Brasileiro, por força dos termos do contrato da concessão, mas em função dos relatórios subdimensionados a respeito do movimento do sistema, ou seja, os dados do tráfego ferroviário eram sub avaliados demonstrando que a companhia dava pouco lucro e que seus custos operacionais eram mais altos, proporcionando a disponibilidade de mais recursos para serem investidos nas melhorias do sistema o que viabilizou a construção da nova Estação da Luz à altura do novo status que a cidade vinha galgando dentro desse processo de desenvolvimento.

Os materiais da construção foram todos importados. "A Estação da Luz veio pelo Oceano Atlântico desmontada. Peça por peça viajou de navio: pregos, tijolos, madeira (pinho-de-riga irlandês), telhas cerâmicas de Marselha, França, e a estrutura de aço de Glasgow, Escócia. Material suficiente para cobrir uma área de 7.520 metros quadrados, ao custo de 150 mil libras esterlinas." A estrutura metálica tinha 150 metros de comprimento. O edifício da estação ficou com 157 metros de comprimento de fachada e a torre do relógio com 52 metros de altura”.141

140 DI MARCO, Anita e ZEIN, Ruth Verde. Sala São Paulo de Concertos. p. 39.

141 Pesquisa realizada pelos arquitetos Wallace Caldas e Silvia Finguerut para a Fundação Roberto

Marinho cujos dados estão apresentados em painéis expostos no Museu da Língua Portuguesa na Estação da Luz.

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Projeto original de Charles Driver para a Estaçâo da Luz

Aberta ao público em 1º de março de 1901, a Estação ocupa uma área de 7.520 metros quadrados, área tomada ao Jardim da Luz. Não houve inauguração, já que o tráfego foi sendo deslocado aos poucos.

Não demorou muito para a que o novo marco da cidade fosse considerado como sala de visita de São Paulo. Todas as personalidades que tinham a capital como destino eram obrigadas a desembarcar lá. Empresários, intelectuais, políticos, diplomatas e reis foram recepcionados em seu saguão e por lá passavam ao se despedir.

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1900 1910

142 Imagem escaneada de SOUKEF JR. Antonio. Cem Anos Luz. p. 52.

143 Foto: Guilherme Gaesnly de 1900. Imagem extraída de apresentação sobre a Estação da Luz -

PPS: Idealizado e montado pelo fotógrafo Gilberto Calixto Rios.

144 Foto: Guilherme Gaesnly de 1905. Imagem extraída de apresentação sobre a Estação da Luz -

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1910

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1935 1932

A importância da São Paulo Railway Station, como era oficialmente conhecida, durou até o fim da Segunda Guerra Mundial. Após este período, o transporte ferroviário foi sendo substituído por aviões, ônibus e carros, muito mais rápidos que os trens. Para piorar as coisas, o prédio da Luz foi destruído por um incêndio em 1946, dois dias antes de ser encampado pela Rede Ferroviária Federal. A reinauguração aconteceu em 1950 e a estrutura do hall foi bastante modificada.

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Foto de 1910 de autor desconhecido. Imagem extraída de apresentação sobre a Estação da Luz - PPS: Idealizado e montado pelo fotógrafo Gilberto Calixto Rios.

146 Imagens escaneadas de SOUKEF JR. Antonio. Cem Anos Luz. P. 54, 50, 76 e 78.

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Foto de 1932 de autor desconhecido. Imagem extraída de apresentação sobre a Estação da Luz- PPS: Idealizado e montado pelo fotógrafo Gilberto Calixto Rios.

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Imagens do sinistro de 1946

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Hall antes do incêndio, Hall na configuração da reforma após o incêndio reinaugurado em 1951, e hoje restaurado dentro da configuração de 1951.

A decadência no ciclo ferroviário fez com que inúmeros ramais fossem desativados. No lugar, a estação passou a receber trens suburbanos. Em 1973, o Vagliengo deixou de ser o restaurante da estação, muito bem frequentado no início do século, para virar lanchonete e, dez anos depois, foi fechado por conta das reclamações dos passageiros e funcionários da Rede Ferroviária.

148 TOLEDO, Benedito Lima de. São Paulo: três cidades em um século. p. 55.

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Restaurante Vangliengo

Em 1974, o Condephaat foi chamado a atuar de forma enfática para evitar a destruição de um dos elementos mais significativos da estação, a substituição da cobertura da gare que, segundo a Rede Ferroviária Federal vinha apresentando problemas graves que poderiam atingir os usuários. Graças a intervenção veemente do CONDEPHAAT, à época presidido pelo emérito arquiteto Nestor Goulart Reis Filho, evitou-se esse desastre ao patrimônio de São Paulo, mas só em 1982 o edifício foi tombado como patrimônio estadual e em 1996, a Estação da Luz passou a ser patrimônio nacional.

O prédio, destruído por um incêndio em 1946, dois dias antes da entrega da SPR pelos ingleses ao Governo da União, devido ao término da concessão de 90 anos, foi reconstruído com um andar a mais na ala leste – a mais atingida pelo fogo - e sobrevive até hoje assim. O andar acrescido foi muito utilizado pelo novo projeto do Museu. Desde o final de 1996, os então ainda existentes trens de passageiros deixaram de sair dali, sendo transferidos para a estação da Barra Funda. A Luz, então, passou a ser apenas uma estação dos trens metropolitanos da CPTM. Não muito bem cuidada, infiltrações e corrosões do metal de sua estrutura eram olhadas com preocupação pelos usuários. Ela teve sua reforma geral iniciada em 2002, quando começou a receber também os trens metropolitanos que vinham da região Oeste da cidade e que paravam na estação Júlio Prestes.

Desde 2001, a Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM) desenvolve o Projeto Integração Centro, que consiste em implantar interligações entre as linhas da CPTM e as do Metrô. "A Estação da Luz, que se encontra no centro desse trecho central, é objeto de grandes intervenções e modificações funcionais, além de ser totalmente restaurada, de modo que se aproxime tanto quanto possível à sua situação original. Sua situação futura – até o final de 2010 - prevê atendimento a quatro linhas de trens metropolitanos, com opção de integração com duas linhas de metrô (a existente Linha 1 e a futura Linha 4)." 151

150 TOLEDO, Benedito Lima, São Paulo: três cidades em um século. p. 54.

151 Projetos da CPTM de Arquitetura Arqto. Alberto Sartoris e Arqta. Meire Selli.

“Desde então, iniciou-se grande polêmica em torno do destino da Estação, dado o alto grau de complexidade das intervenções propostas. O edifício foi, portanto, primeiramente dividido em duas partes para análise e aprovação dos projetos por parte dos órgãos de preservação: térreo e subsolo conformam o espaço funcional da estação ferroviária propriamente dita e os pavimentos superiores serão restaurados e adaptados para uso cultural. Entretanto, devido à falta de consenso em relação a esta última questão, houve uma subdivisão entre as partes interna e externa do edifício, o que possibilitou a conclusão parcial do restauro de suas fachadas e sua iluminação a tempo das comemorações dos

450 anos da Cidade de São Paulo.”152

Em 2004, coincidindo com os 450 anos da cidade de São Paulo, a Estação da Luz foi entregue com a fachada restaurada e iluminada, tanto em sua arquitetura, quanto em suas plataformas, agora readaptadas para os atuais trens metropolitanos.

Em 2006, ali foi inaugurado o Museu da Língua Portuguesa, contribuindo para aumentar as modificações no edifício da estação, lembrando que já haviam sido feitas grandes alterações na reforma de 1947-51, em decorrência do incêndio, mas de qualquer forma deve-se registrar que a implantação do Museu em seu projeto museográfico, tirou-lhe, principalmente da ala leste, as características para as quais fora construída.