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PARTE III ESTUDOS DE CASOS

A ESTAÇÃO DA LUZ – MUSEU DA LÍNGUA PORTUGUESA

14.2. O PROJETO DE RESTAURO E DE REVITALIZAÇÃO

Hoje, mais de 100 anos depois de sua inauguração, a Estação da Luz ainda é considerada um símbolo da riqueza do café e um dos mais importantes monumentos arquitetônicos de São Paulo.

Em acréscimo às suas funções como um centro intermodal de transporte urbano passou também a ser um centro de valorização da língua portuguesa, que se tornou uma referência para o entendimento da língua.

O tema central do museu é a língua portuguesa – a base da cultura não somente brasileira, mas também de todos os países lusófonos. Trata-se de um museu vivo, onde os brasileiros podem se reconhecer e se conhecer melhor; lugar que evoca a especificidade e a riqueza da língua portuguesa do Brasil e busca, assim, reforçar o sentimento de pertencimento e responsabilidade com o país.

A iniciativa negociada no início da década do ano 2000, entre a CPTM, Secretaria do Estado da Cultura e a Fundação Roberto Marinho passava parte significativa do edifício administrativo da Estação da Luz para a Secretaria do Estado da Cultura e delegava à FRM a coordenação de um macro projeto de intervenção que visava a restauração das fachadas e a implantação de um espaço cultural na parte do edifício disponibilizada para uso da Secretaria da Cultura.

“Em 2000, o então presidente da CPTM, Olivier Hosepian, faz um convite à Secretaria de Estado da Cultura e à Fundação Roberto Marinho para instalar na Estação da Luz um projeto voltado para a Língua Portuguesa, dentro do programa de grandes obras promovidas pelo então Secretário da Cultura Marcos Mendonça, alegando que seus

espaços administrativos estariam subutilizados e seriam desocupados.” 153

152 COELHO JR, Marcio Novaes. Projetos de Intervenção Urbana no Bairro da Luz. p.191.

Segundo o coordenador do projeto pela FRM, a decisão pelo futuro uso do espaço foi uma demanda do então Secretário da Cultura, Dr. Marcos Mendonça:

“A Secretaria de Estado da Cultura, na pessoa do então secretário, Sr. Marcos Mendonça, convidou a Fundação Roberto Marinho para pensar um projeto cultural para a Estação da Luz. A Fundação há muito tempo desejava fazer um projeto dedicado à Língua Portuguesa e achou que essa era a oportunidade certa para isso. A Fundação Roberto Marinho consultou especialistas em projetos dessa natureza e avaliou que seria viável implantar um projeto dedicado à língua portuguesa na Estação da Luz. Então, propôs a criação de um “centro de referência dedicado à língua portuguesa”, primeiramente denominado “Estação Luz da Nossa Língua”. Com o desenvolvimento do projeto, chegamos à conclusão que estávamos, na realidade, fazendo algo inédito, diferente e propusemos denominá-lo Museu da Língua Portuguesa, o que foi aceito pela Secretaria de Cultura.”154

Posteriormente o uso cultural ficou consolidado como sendo um espaço destinado de fato à Língua Portuguesa, finalmente tratado como Museu da Língua Portuguesa. A FRM foi responsável pela contratação dos arquitetos Pedro e Paulo Mendes da Rocha, autores do novo projeto de revitalização; pelo gerenciamento de todos os profissionais envolvidos nos projetos complementares e nas intervenções técnicas; pelas interfaces técnicas e operacionais entre todos os agentes municipais e estaduais; pelo desenvolvimento dos projetos junto aos órgãos de patrimônio, bem como junto ao Ministério da Cultura para efeito da formalização do projeto na Lei de Incentivo à Cultural e finalmente pelas obras.

A gestão pela FRM desse processo foi o que viabilizou a realização desse grande empreendimento cultural, além de ter também conduzido o processo de captação de recursos, o que efetivamente criou as condições necessárias à grande intervenção. Depois de concluídas as obras e montado o museu, a FRM transferiu novamente a responsabilidade gerencial e operacional do edifício na parte que corresponde ao museu para a Secretaria da Cultura que passou a responder pela nova instituição, através do sistema de Organização Social.155

Já existia um projeto de restauração das fachadas e das áreas de circulação da estação que teriam interfaces com as áreas operacionais, desde a década de 1990, negociado pela CPTM com a arquiteta Helena Saia; muito embora esse projeto tenha sido considerado no pacote das realizações, inclusive as bases dos desenhos usados

154 Entrevista por email junto ao Sr. Jarbas de Campos Mantovanini, coordenador do projeto da

Estação da Luz pela FRM, em agosto de 2010.

155 As Organizações Sociais (OS) são um novo modelo de gestão, previsto na Lei Complementar Estadual

n° 846/98, instituída no governo Mário Covas. Essa Lei qualifica instituições sem fins lucrativos, que já atuem na área cultural, em Organizações Sociais, transferindo-lhes a gestão de espaços públicos, antes geridos diretamente pela Secretaria de Estado da Cultura. Vale salientar que os espaços públicos

administrados pelas Organizações Sociais continuam sendo patrimônio do Estado de São Paulo e que sua gestão passa a ser conduzida pela organização qualificada, sob responsabilidade de um conselho diretor. Além disso, elas são fiscalizadas tanto pela Secretaria da Cultura por meio de suas Unidades Gestoras e da Comissão de Avaliação, quanto por outros órgãos estatais como a Assembléia Legislativa de São Paulo, o Tribunal de Contas do Estado e a Secretaria de Estado da Fazenda, além da sociedade através da

Ouvidoria da Secretaria. O relacionamento da Secretaria com as Organizações Sociais se dá por intermédio de um contrato de gestão onde estão expressas as metas a serem realizadas no ano, bem como os valores necessários a sua execução. O não cumprimento destas metas estipuladas pode acarretar punições e até a desqualificação da Organização. Em:

http://www.cultura.sp.gov.br/portal/site/SEC/menuitem.3172c04a018aa30247378d27ca60c1a0/?vgnext oid=84deb23eb2a6b110VgnVCM100000ac061c0aRCRD, Acesso em: 28/4/2010.

pelos arquitetos Pedro e Paulo Mendes da Rocha foram elaboradas pela arquiteta Helena Saia, a arquiteta não continuou acompanhando o desenvolvimento das obras – por discordar de algumas decisões que foram tomadas -, houve polêmicas entre as equipes, a arquiteta e os órgãos municipal, estadual e federal de preservação; questões ainda latentes e não plenamente resolvidas, embora o projeto tenha sido implantado e esteja em funcionamento desde 2006, pois ainda correm questões legais no Ministério Público. Entretanto, esses fatos estão aqui citados apenas para pontuar o grau de complexidade que um projeto desses envolve e também para enfatizar a importância desse edifício para a cidade de São Paulo e seus habitantes.156

O projeto foi aprovado dentro da Lei de Incentivo à Cultura, contando assim com o apoio do Ministério da Cultura, os valores envolvidos nesta realização foram:

Valor solicitado pelo proponente: R$31.853.477,00

Valor aprovado pelo Ministério para captação: R$28.568.938,00 Valor efetivamente captado: R$ 25.527.760,00

Segundo o coordenador do projeto pela Fundação Roberto Marinho, Sr. Jarbas Mantovanini, os pontos fortes percebidos pelos patrocinadores com relação ao projeto apresentado pela FRM referente à restauração da Estação da Luz e sua adequação ao novo Museu da Língua Portuguesa envolvia a percepção da dimensão do projeto, localização (estação de encontro de linhas de trem e metrô) e a perspectiva de alcançar um grande público, quando se cruzava as demandas do sistema de transportes e as metas de expectativa de público do museu; outro fator detectado como relevante pelos patrocinadores era o ineditismo do projeto, tanto com relação ao tema (um idioma) quanto à forma (tecnologia e interatividade); também foi considerada uma vantagem a possibilidade da parceria entre poder público e iniciativa privada na viabilização do Museu.

Como pontos fracos foram apontados a dificuldade de integração das áreas dedicadas ao café e livraria ao acesso do Museu e o modelo de gestão inicial que foi julgado inadequado, provavelmente por desconhecimento dos mecanismos operacionais das organizações sociais.

A FRM buscou seus parceiros entre aqueles que poderiam se identificar com a causa, com interesse em um projeto dedicado à língua portuguesa. “Todos, sem exceção, sentiram uma sinergia imediata com o tema central do projeto.”157 Capitaneados pela

Fundação Roberto Marinho, mas com envolvimento e apoio do Governo do Estado de São Paulo, por meio das Secretarias de Cultura e de Educação, os parceiros: TV Globo, IBM, Petrobrás, Correios, BNDES, Votorantim, Instituto VIVO, Eletropaulo, a Fundação Calouste Gulbenkian, e apoiadores CPTM e Ministério da Cultura (por meio da Lei Rouanet) estiveram sempre próximos, incentivando e apoiando todas as fases de desenvolvimento do projeto.” 158

156 Não vamos esboçar nenhuma consideração a respeito, pois o foco desse trabalho são as questões

técnicas da intervenção e os resultados para cidade, cidadãos e para o patrimônio.

157 MANTOVANINI, Jarbas. Informações fornecidas obtidas em entrevista por email em agosto de

2010.

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Embora o edifício estivesse em uso no período em que foi objeto do acordo entre a CPTM, Secretaria da Cultura e FRM, a manutenção do edifício era precária. A CPTM concentrou suas ações nas linhas, plataformas, acessos e circulação, áreas que podiam otimizar a melhoria do sistema de transportes e que eram essencialmente de sua responsabilidade. O restauro do edifício, que indubitavelmente precisava ser feito, ficou transferido para o novo acordo; assim a CPTM racionalizou a sua intervenção, concentrando seus recursos na otimização dos elementos ligados ao transporte e ao conforto e segurança dos usuários. Com a renúncia sobre o edifício administrativo a CPTM transferiu parte de suas responsabilidades, delegando a outro agente do sistema estadual essa competência.

Cabe destacar as ponderações apresentadas pelo coordenador do projeto pela FRM, onde ele sintetiza os desafios e as decisões na condução desse projeto

“o projeto apresentou desafios nas suas três áreas de desenvolvimento: arquitetura, conteúdo e museografia.

1) O projeto de adaptação arquitetônica de autoria de Pedro e Paulo Mendes da Rocha precisou encontrar o equilíbrio entre as ações de restauro e a adaptação arquitetônica para a mudança de uso do edifício. Os arquitetos foram muito felizes nisso e houve um trabalho intenso de acompanhamento dos órgãos de preservação do patrimônio, CONPRESP-DPH (municipal), CONDEPHAAT (estadual) e IPHAN (federal). Esse trabalho envolveu todas as etapas do projeto arquitetônico buscando o resgate histórico da volumetria do edifício após o incêndio ocorrido na década de 40, bem como dos adornos da fachada, a renovação dos telhados, ladrilhos, madeiramento, pinturas, pisos, forros, etc. Nesse sentido, houve uma dedicação muito grande de toda a equipe, que contou com o apoio científico de instituições como o IPT, Instituto de Pesquisas Tecnológicas, juntamente com os técnicos dos órgãos de preservação buscando os melhores resultados. Todo esse trabalho foi acompanhado de perto também por representantes do Ministério Público Estadual e da Procuradoria Federal. Há, portanto, uma vastíssima documentação do desenvolvimento do projeto junto aos órgãos de preservação;

2) Quanto ao conteúdo do projeto, tratando-se da língua portuguesa, um “patrimônio imaterial”, discutiu-se muito sobre a forma de exposição desse conteúdo, bem como sobre o recorte que ele deveria receber. De que língua estávamos falando? Isso envolveu workshops com profissionais das mais variadas especialidades: linguistas, gramáticos, escritores, jornalistas, antropólogos, professores de literatura, artistas, sociólogos, etc. Aqui também houve muito trabalho e muita dedicação para se encontrar os conceitos adequados, os temas necessários, o tom, o jeito de abordar o objeto expositivo, a língua como fenômeno social, como o elemento fundamental da cultura. Decidiu-se por uma abordagem antropológica com base em três pilares mestres a partir dos quais todos os temas foram desenvolvidos: a) a antiguidade da língua, isto é, sua história. b) a universalidade da língua, isto é, sua trajetória pelos continentes até chegar ao Brasil. c) a mestiçagem do português brasileiro, isto é, as contribuições das línguas e culturas indígenas e africanas e também a contribuição dos imigrantes.

3) Quanto à expografia, como revelar a língua portuguesa com esse tipo de recorte? De que maneira poderíamos materializar um patrimônio imaterial como a língua? E como fazer isso sem uma referência? Sem nenhum outro projeto similar para ser estudado? Este também foi um grande desafio vencido com a colaboração de inúmeros artistas, entre eles, Ralph Appelbaum, designer americano responsável pela

expografia do museu. Enfim, esse breve histórico dá uma pequena dimensão da complexidade de se fazer um projeto inédito com o Museu da Língua Portuguesa. Além desses desafios, havia outros. Como criar algo com que os visitantes pudessem se identificar? Sentirem-se incluídos? Sentirem-se pertencendo a tudo o que precisava ser exposto? Com criar algo instigante, inovador e também compreensível, assimilável? Acho que o carinho com que a população abraçou o museu e o número expressivo de visitantes que ele recebe todos os dias indicam que esses desafios também foram vencidos.”

14.3. O ESTADO DE CONSERVAÇÃO DO EDIFÍCIO ANTES DO RESTAURO E