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SECÇÃO II UMA NOVA GESTÃO PÚBLICA

5. Instrumentos ao serviço da eficácia das políticas educativas

5.4. A utilização de instrumentos de prestação de contas

5.4.2. A avaliação externa como regulação nacional

A reconfiguração do papel do Estado passa pela definição estratégica, recentrando «as suas funções essenciais de definição das finalidades, de enquadramento, de pilotagem e de reorientação de objetivos, através de estratégias de incentivo e recursos suficientemente informados por uma base de conhecimentos sólidos, acessível a todos» (Van Haecht, 1998b, p. 41), deixando os processos, designadamente os pedagógicos, na esfera dos atores da periferia que agora assumem novas funções (Maroy, 2006). Nesta

62 partilha voluntária de responsabilidades com outros atores, o Estado assume novos papéis, entre os quais, o de Estado Avaliador (Neave, 1998).

Como nos diz Barroso, socorrendo-se de Lessard, Brassard e Lusignan (2002), o Estado

«não se retira da educação. Ele adota um novo papel. O do Estado regulador e avaliador que define as grandes orientações e os alvos a atingir, ao mesmo tempo que monta um sistema de monitorização e de avaliação para saber se os resultados desejados foram, ou não, alcançados. Se por um lado, ele continua a investir uma parte considerável do seu orçamento em educação, por outro, ele abandona parcialmente a organização e a gestão quotidiana, funções que transfere para os níveis intermediários e locais, em parceria e concorrência com atores privados desejosos de assumirem uma parte significativa do ‘mercado’ educativo» (2006b, p. 50).

O processo de autonomia e de contratualização leva o Estado, na senda das experiências já implementadas em países anglo-saxónicos, a implementar mecanismos de «avaliação externa das performances dos estabelecimentos e um sistema de incentivos simbólicos ou materiais, ou até de sanções com vista para favorecer a realização ou melhoria das performances, do “contrato” estabelecido entre o Estado e os estabelecimentos (ou das entidades de um nível superior)» (Maroy, 2005, p. 11). No mesmo sentido se pronunciam MacBeath et al., quando defendem que

«a avaliação externa desenvolvida quer por organismos da administração central, quer por organismos de controlo de qualidade, tem como finalidade principal garantir “uma educação de qualidade, que as escolas usam os recursos eficazmente e que fazem uma boa utilização de dinheiro. Cabe-lhe assegurar que as diferenças nos resultados das escolas não são demasiado discrepantes e que os objetivos definidos são atingidos”» (MacBeath, Meuret, Schratz, & Jakobsen, 2005, p. 169). No âmbito da educação e no caso do sistema educativo português, o Estado procura dinamizar o seu papel de regulador, ao instituir mecanismos de avaliação externa das aprendizagens dos alunos e das organizações educativas, instrumentos que decorrem e se sustentam na promoção da intervenção de outros atores, nomeadamente com a celebração de contratos de autonomia (Afonso, 2007). É esta possibilidade que exige a instituição de instrumentos de avaliação que assegurem que as escolas respeitam quatro valores fundamentais: liberdade, equidade, qualidade e eficiência47 (Afonso, 2000b).

47 Natércio Afonso explicita: «O respeito pelo valor da liberdade implica, entre outros aspectos, a promoção de uma vivência democrática na escola, e a intencionalidade de uma formação para a

63 Têm surgido também alguns programas implementados por agências internacionais48 como a OCDE, a UNESCO, a União Europeia, etc., que permitem não só analisar e debater a “qualidade da educação” (Afonso & Costa, 2011b; Costa, 2011), mas também fundamentar alterações nas políticas públicas49.

A implementação de instrumentos de avaliação externa das escolas decorre ainda da crescente aceitação de uma “cultura de avaliação” que desencadeia nas comunidades e nas famílias o desejo de acesso a informação transparente, útil e inteligível para o leitor não especialista, sobre o trabalho desenvolvido pelas escolas.

Afonso (2009) analisa os exemplos de prestação de contas existentes no sistema educativo português e conclui que

«há evidências suficientes para afirmar que estamos numa fase ainda inicial de construção de modelos e sistemas de accountability em educação, dado predominarem, em praticamente todos os casos, as dimensões referentes ao pilar da prestação pública de contas, isto é, as dimensões da justificação e da argumentação e, sobretudo, da informação. No mesmo sentido, também parece insuficiente o debate sobre a construção de modelos de accountability (avaliação,

cidadania. A equidade pressupõe políticas e práticas consistentes de promoção da igualdade de oportunidades, e de garantia de educação para todos segundo as necessidades de cada um. A procura da qualidade pressupõe a consecução de níveis mínimos socialmente aceitáveis, em termos das finalidades educativas formalmente definidas, assim como o incentivo ao desenvolvimento e à inovação. Finalmente, a garantia da eficiência implica a capacidade de tirar o máximo rendimento possível dos recursos disponíveis, já que está em causa o uso critérios e produtivo de bens públicos». (Afonso, 2000b, p. 211) 48 Ao nível das aprendizagens dos alunos, diferentes programas internacionais como o Trends in

International Mathematics and Science Study (TIMSS), da International Association for the Evaluation os

Educational Achievement’ (IEA) ou o Programme for International Student Achievement (PISA) da OCDE provocaram um debate mediático sobre a qualidade das aprendizagens dos alunos, fazendo aumentar a sua relevância na regulação das aprendizagens e nas medidas de política educativa.

49 Afonso & Costa recordam o documento “Divulgação pública dos resultados do Pisa – 2003 e das medidas para melhorar o ensino da Matemática”:

«Deste modo, sob a justificação de pretender colmatar os baixos desempenhos dos alunos portugueses a Matemática, o governo alcançou com um conjunto de medidas: o lançamento de um programa de acompanhamento e formação contínua em Matemática para os professores do 1.º ciclo do Ensino Básico; a alteração das condições de acesso e de formação inicial dos professores do 1.º ciclo; o alargamento do horário de funcionamento das escolas do 1.º ciclo e a melhoria da distribuição dos apoios educativos. O mesmo documento informa a opinião pública da alteração de regras de aquisição de créditos de formação contínua para progressão na carreira docente, passando a ser obrigatória a obtenção de, no mínimo, 50% de créditos na área disciplinar de docência. (…) revisão das condições de acesso e de formação inicial dos professores de 1.º ciclo, dado essa formação estar (…) desajustada das necessidades do ensino da Matemática. Em relação ao 2.º e 3.º ciclo do ensino Básico, (…) defendeu a alteração das definições de habilitações e condições de recrutamento dos professores de Matemática, com o objectivo de melhorar e adequar a formação desses professores às reais necessidades de ensino da disciplina». (Afonso & Costa, 2011a, pp. 114 - 115)

64 prestação de contas e responsabilização) que, para além das questões metodológicas, incorporem preocupações efectivas com as dimensões éticas, de justiça e de democracia» (p. 66). (Negrito nosso).

Por seu lado, Licínio Lima vê, em muitos destes instrumentos um acentuar do gerencialismo da escola portuguesa, a pressão de «mais gestão para menos democracia» (2011, p. 11), dando até origem a um aumento de práticas burocráticas. Exemplifica, dizendo que

«a avaliação das escolas, dos professores e dos alunos é transformada num instrumento de controlo, garantindo a mensuração, comparação e hierarquização, a partir das quais se legitimam orçamentos competitivos, contratos de performance, mercados internos, lideranças fortes de tipo unipessoal, concorrência entre distintos fornecedores de educação e formação» (Lima, 2011, p. 11).

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