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SECÇÃO II UMA NOVA GESTÃO PÚBLICA

2. A regulação transnacional da nova gestão pública

A regulação transnacional carateriza-se pela existência de uma influência17 ao nível da adoção de normas, discursos e instrumentos que, sendo produzidos em realidades estrangeiras, são adotadas por outros países, designadamente por Portugal. Os resultados alcançados nesses países servem de legitimação dessas medidas, as quais também beneficiam da influência que os países centrais têm sobre os países periféricos. Hoje em dia, este tipo de regulação é assumida também por organismos internacionais que se tornam agentes poderosos, na linguagem de Ball (2002), como sejam o Banco Mundial, a OCDE,18 a UNESCO, a União Europeia, o Conselho da Europa, etc. (Barroso, 2006b).

17 Barroso (2006b, pp. 45 - 46) fala mesmo em “contaminação” internacional de conceitos, políticas e medidas postas em prática, em diferentes países à escala mundial.

«Uma explicação para este efeito de “contaminação” pode ser dada pelo facto de, como diz Walford (2001), funcionários, membros do governo, e educadores terem tendência a adoptarem soluções transportáveis, em uso num determinado país para aplicarem nos seus próprios sistemas educativos: “(…) olhar para os sistemas educativos de países e observar aquilo que funciona, exerce uma atração evidente nos decisores políticos em busca de soluções rápidas que lhes permitam evitar as dificuldades, ou legitimar, através delas, as mudanças que propõem para os seus sistemas” (Walford, 2001, p. 179)» «Como explica Schriewer (2001), neste contexto, as referências às “situações mundiais” cumprem simultaneamente funções de justificação (de valores e ideologias), de auto-legitimação (dos estudos educacionais enquanto campo académico) e de imputação (dos fracassos das reformas) e podem ser trazidas a lume por vários argumentos políticos» (Barroso, 2006b, pp. 45 - 46)

18 Licínio Lima (2009) diz mesmo que «a democratização das estruturas, dos poderes e das formas de governo das escolas, como forma de afrontar a centralização política e administrativa do sistema escolar, entrava em conflito com uma agenda modernizadora e racionalizadora, aliás de circulação internacional e objecto de defesa por parte de importantes organizações supranacionais, com destaque, até hoje, para a OCDE (Lima, 2009, p. 236).

31 Com os naturais conselhos sobre a necessidade de cada país olhar para o seu contexto institucional e político, bem como para as estratégias de cada governo19 e reconhecendo que a Nova Gestão Pública gera muitos problemas quanto aos objetivos e valores, a sua implementação tem sido impulsionada na generalidade dos países membros da OCDE (Ormond & Löffler, 1998). A sua necessidade é sentida, segundo Kettl (1995), pelos governos de diferentes países em todo o mundo, desde a Mongólia, China e Índia, Suécia, Nova Zelândia e Estados Unidos, apontando a este movimento seis caraterísticas principais: 1 - Produtividade; 2 - Mercantilização; 3 - Orientação para o serviço; 4 - Descentralização; 5 - Política; 6 - Prestação de contas.

Em 1995, a OCDE, no documento Governance in Transition, identifica os temas comuns à instituição de uma administração centrada nos resultados:

«• Devolver autoridade, fornecendo flexibilidade;

• Garantir o desempenho, o controle e a responsabilização; • Desenvolver a competência e possibilidade de escolha; • Disponibilizar serviços adequados e agradáveis aos cidadãos; • Melhorar a gestão dos recursos humanos;

• Explorar as tecnologias da informação; • Melhorar a qualidade da regulamentação; • Reforçar as funções de direção» (p. 28).

Esta abrangência acentua o amplo caráter da NGP, afirmando, essencialmente, princípios que podem ser transferíveis e adaptados a diferentes realidades, o que, por seu lado, incute a necessidade de reformas da gestão pública ao nível de cada país (Ormond & Löffler, 1998).

Também a União Europeia, com o seu grau de influência junto dos estados membros, difunde e implementa práticas que visam a transformação dos serviços públicos, suprimindo monopólios, privatizando serviços públicos e abrindo aos privados muitas áreas de atividade.

19 «Cada país deve prosseguir um conjunto de objetivos muito lucidamente e, experimentalmente, procurar o sistema que está de acordo com as suas necessidades e melhorias de custo-eficácia e a capacidade de resposta em cada um dos seus contextos» (Ormond & Löffler, 1998, p. 3).

32 A Comissão apresentou em duas comunicações, realizadas em 1996 e em 2000, os princípios que fundam os serviços de interesse geral:

«A neutralidade no sentido em que os serviços podem ser prestados tanto pelo setor público como pelo setor privado;

A subsidiariedade deixando aos Estados membros a capacidade para definir o seu próprio campo de intervenção dos serviços públicos e os modos possíveis de intervenção;

A proporcionalidade que define os modos de concorrência europeia para evitar as práticas que podem contribuir para desenvolver uma concorrência desleal com o setor privado» (Lamarzelle, 2008, p. 3).

Lamarzelle considera que o modelo burocrático é posto em causa pela União Europeia e ilustra tal conclusão com a declaração de Laeken, de 15 de dezembro de 2001, onde se diz que

«o cidadão considera que a União adota um comportamento demasiado burocrático em muitos domínios. O que ele entende da boa gestão dos serviços públicos, é a criação de novas oportunidades e não de novas rigidezes. O que ele espera, é a produção de resultados, melhores respostas para as questões concretas» (Lamarzelle, 2008, p. 4).

A intervenção da União Europeia tem tido tal importância que Lamarzelle diz que «no seio dos Estados membros da União Europeia, são raros aqueles que duvidam da utilidade das novas práticas de gestão pública. Embora inicialmente a burocratização fosse o meio mais eficaz de regulação (…) hoje esta foi substituída por uma organização empresarial com tendência para funcionar como se estivesse em situação de concorrência» (Lamarzelle, 2008, p. 13).

Aposta-se na responsabilização dos agentes do serviço público, na participação dos cidadãos pelo menos na supervisão ou avaliação dos resultados e respeito pelos princípios fundamentais no funcionamento dos serviços. Para tal, entende que o New Public

Management se articula em torno de orientações precisas como a territorialização, a

democracia participativa, a colaboração público-privado.

Esta “contaminação” internacional é visível em diferentes áreas das políticas públicas. No âmbito da educação, os impulsos para a implementação de reformas alastram a todos os governos como se de uma “epidemia política” (Levin 1998, apud Ball (2002, p. 3)) se tratasse. Sendo que «esta epidemia (…) atrai políticos de diversas facções e está a implantar-se profundamente nos "mundos assumidos" de muitos educadores académicos» (Ball, 2002, p. 3).

33 O Banco Mundial na sua luta de apoio ao desenvolvimento com vista a um mundo livre de pobreza20 procura influenciar reformas nos sistemas de educação para que todos tenham acesso à educação, já que considera o investimento nas pessoas como uma forma privilegiada de aumentar os recursos dos pobres, de promover a saúde, a igualdade, a paz e a estabilidade21. Reconhecendo que nas últimas décadas os investimentos em educação permitiram aumentar os níveis de frequência escolar, procura agora que os diferentes países implementem reformas educativas que permitam aumentar a qualidade de modo a conseguir avanços significativos nos resultados de aprendizagem, os quais se revelam mais difíceis do que o aumento do número de matrículas. Para tal, aconselha os países a «Investir cedo. Investir com inteligência. Investir com todos» (Banco Mundial, 2011, p. 4).

Na “Estratégia 2020 para a Educação” o Grupo Banco Mundial manifesta-se empenhado em apoiar todos os países a alcançar os objetivos de Aprendizagem para Todos, garantindo «que todas as crianças e jovens - não apenas os mais privilegiados ou os mais inteligentes - acedam não só à escola, mas também adquiram o conhecimento e as habilidades de que necessitam para terem vidas saudáveis, produtivas e obterem um emprego significativo» (Banco Mundial, 2011, p. 0).

Sem descurar a importância da existência de recursos, considera fundamental a sua utilização de um modo mais eficaz. Para tal, aposta na promoção de uma base de conhecimento definindo indicadores de desempenho, de resultados e de impactos que permitam aumentar a qualidade, a equidade, o grau de responsabilização dos atores. Na sua intervenção, ao

«investir em avaliações de sistemas, aferição de impactos e verificação da aprendizagem e de competências, o Banco estará a ajudar os países parceiros a responder às questões-chave que informam a reforma da educação: Quais são os pontos fortes do nosso sistema? E as suas fraquezas? Que intervenções se têm mostrado mais eficazes para a sua solução? Está a alcançar os grupos mais desfavorecidos? Quais são os papéis essenciais a serem desempenhados pelos sectores público e privado na prestação dos serviços? Estão as crianças e os jovens a adquirir os conhecimentos e competências de que necessitam?» (Banco Mundial, 2011, p. 7) .

20 In. http://www.worldbank.org/ consultado em 10/11/2013.

21 In. http://web.worldbank.org/WBSITE/EXTERNAL/TOPICS/EXTEDUCATION/0,,contentMDK:20040939~

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