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SECÇÃO II O RECRUTAMENTO DE DOCENTES PARA AS ESCOLAS PORTUGUESAS

6. A estabilidade do corpo docente

6.1. A estabilidade como objetivo a alcançar

Os processos de recrutamento visam dotar a organização dos colaboradores necessários e estabilizar o corpo de profissionais, abrindo assim oportunidades para o desenvolvimento da organização e dos colaboradores.

O princípio da estabilidade na colocação de docentes é transversal aos diferentes diplomas relativos ao recrutamento. Ainda que inicialmente a necessidade de garantir professores com as habilitações profissionais exigidas tenha sido apanágio do recrutamento, o desígnio da estabilidade tem estado sempre presente como se documenta com a referência a três diplomas separados no tempo.

«Considerando, finalmente, que importa desde já estabelecer princípios que possibilitem a futura estabilidade do corpo docente (…)». (Preâmbulo do DL 342/78).

«Assim, por este diploma estabelecem-se princípios tendentes a propiciar uma maior estabilidade profissional dos docentes (…)». (Preâmbulo do DL 18/88).

«Assim, com vista a uma maior estabilidade do corpo docente, os professores (…)». (Preâmbulo do DL 51/2009).

Com o propósito de fomentar a estabilidade, o DL n.º 18/88, de 21 de janeiro, transformou os lugares ocupados por docentes com contratos plurianuais em lugares de quadro de escola. Esta medida de abertura dos quadros permitiria, à partida, fixar o corpo docente. Porém, o normativo impede que os docentes já aí colocados assumam esse lugar, exigindo que tal seja feito pela via concursal nacional. Tal procedimento baralhará o processo, fazendo com que apenas o acaso mantenha o professor na mesma escola. Deste modo, e contrariamente ao pretendido, tenderá a não promover a estabilidade da relação do professor com a escola, mas sim a abertura dos quadros e a estabilidade profissional do docente em termos de desenvolvimento da carreira.

138 Foi já em 1979, que o Decreto-Lei n.º 519-T1/79 enunciou, de modo exemplar, os prejuízos decorrentes da mobilidade anual do pessoal docente:

«A mobilidade anual do pessoal docente (…) tem constituído uma das razões determinantes do absentismo e contribuído poderosamente para o fraco rendimento verificado naqueles níveis de ensino.

Na prática, aquela mobilidade impede a homogeneização do pessoal docente dos estabelecimentos de ensino em termos de equipa de trabalho, não permitindo o planeamento atempado das actividades escolares nem assegurando a existência de condições mínimas para o desenvolvimento de acções de formação em exercício ou contínua». (Preâmbulo).

Assim sendo, entende que importa «criar as condições que permitam, a curto prazo, a estabilidade do corpo docente dos estabelecimentos de ensino, mediante a definição de regras que regularão os contratos plurianuais renováveis; (…)». (Preâmbulo).

Em 1985, também o DL n.º 150-A/85, de 8 de maio, reafirmava os prejuízos decorrentes na instabilidade do pessoal docente:

«uma das características mais acentuadas do sistema de ensino português, (…) é a instabilidade do seu corpo docente (…) cujas consequências negativas no funcionamento do sistema são facilmente imagináveis, ao ponto de poder afirmar- se que, em número significativo de escolas, o corpo docente varia

expressivamente de ano para ano, assim se desfazendo o verdadeiro conceito de escola pela ausência da componente que, quando consolidada, lhe oferece uma vocação determinada e uma fisionomia própria». (Preâmbulo) (negrito nosso).

Pelo seu lado, o DL n.º 35/88 considerava a estabilidade do corpo docente como um fator determinante para ir ao encontro da qualidade do ensino.89

Apesar deste diagnóstico sobre os efeitos nocivos da mobilidade no absentismo docente, no rendimento dos alunos, na constituição de equipas de trabalho, os diplomas que se seguiram continuaram a indexar essa fragilidade ao concurso de docentes.

Acresce ainda que também as organizações sindicais acusam as leis de não terem conseguido fixar o pessoal docente.

89 «A importância que a educação pré-escolar e o ensino primário revestem no âmbito do sistema educativo vigente tem constituído para o Ministério da Educação factor de aprofundados estudos e prolongadas reflexões, tendo sobretudo em vista uma estabilidade do corpo docente que melhor permitisse ir ao encontro da qualidade que ao ensino se pretende imprimir» (Preâmbulo do DL n.º 35/88).

139 Embora os diferentes atores e instrumentos se refiram ao princípio da estabilidade do corpo docente, constata-se que também o conceito é instável quanto ao seu significado nas perceções dos diferentes atores.

Para as organizações sindicais, a estabilidade está ligada à manutenção do emprego, à possibilidade de pertencer aos quadros e exercer funções na escola onde for mais conveniente para o docente. Dizia a FENPROF em parecer ao diploma de 2003:

«com efeito a estabilização do corpo docente nas escolas exige, antes de tudo, o redimensionamento dos quadros, adequando-os às necessidades permanentes das escolas e a criação de incentivos à fixação em zonas isoladas ou desfavorecidas (…)» (FENPROF, 2003).

Em 25 de novembro de 2004, a FENPROF enumerava 21 Medidas para estabilizar o

corpo docente valorizar a escola pública e a qualidade das respostas educativas. As duas

primeiras medidas são relativas à estabilidade dos docentes.

«1. Estabilidade de emprego e profissional dos professores e educadores

Aprovação de um regime de concursos e colocações de professores e educadores que estabeleça novos critérios para a abertura de lugares nos quadros das escolas, defina zonas pedagógicas de menor dimensão, garanta a vinculação dinâmica dos

professores contratados, a profissionalização dos docentes de habilitação própria,

a resolução do problema, que se arrasta há anos, da extrema instabilidade

profissional dos professores de técnicas especiais e a superação dos obstáculos

que continuam a impedir a resolução da situação profissional dos professores vinculados com habilitação suficiente.

(…)

2. Estabilidade do corpo docente das escolas

Definição de critérios para a abertura de lugares de quadro nas escolas, tendo em conta a necessária redução do número de alunos por turma, a limitação a dois, do número de anos de escolaridade por turma no 1º CEB e a constituição de equipas educativas, a tomada de medidas e o desenvolvimento de projectos de combate ao abandono e insucesso escolares e o alargamento das medidas de apoio educativo aos alunos com necessidades educativas especiais» (FENPROF, 2004) (Negrito

nosso).

Enquanto uns entendem a estabilidade como fixação do pessoal a uma escola, outros acentuam a estabilidade na profissão, assegurada pela colocação em lugar de quadro. Porém, os dados existentes comprovam (Cruz, et al., 1988) que o vínculo não gera, só por si, a estabilidade dos docentes.

140 Marçal Grilo regista essa diferença, quando diz que «o corpo docente estável não significa ter professores efectivos, mas sim professores que pertencem àquela escola, que querem estar ali e que ficam ali. Não professores que andam a saltitar de um lado para o outro, às vezes dentro da mesma cidade» (Neto, 2001, p. 59).

É esta diferente perceção das soluções que levam Marçal Grilo a dizer, quando questionado sobre as posições dos sindicatos face à questão da estabilidade dos docentes:

«E o que dizem os sindicatos?

Nesta matéria, os sindicatos estão mais do lado do problema do que da solução. Têm uma posição ambígua. Se, por um lado, defendem a estabilidade por força de quererem que os contratados entrem para o quadro (porque estes fazem uma enorme pressão sobre o sindicato), por outro, não querem perder a possibilidade de todos os anos poderem mudar de escola. Ora, o que importa aqui é a estabilidade do professor na escola, e não a estabilidade do professor no emprego» (Neto, 2001, p. 59).

Naturalmente que, se uma escola não estiver dotada dos profissionais que de facto necessita, estará sempre sujeita à entrada de novos docentes. Porém, o problema não reside na entrada, mas sim na sistemática saída daqueles que já lá trabalham.