• Nenhum resultado encontrado

CAPÍTULO I OS FUNDAMENTOS E OS CAMINHOS METODOLÓGICOS

2.4 A COMPREENSÃO DA INFÂNCIA E A PRÁXIS PEDAGÓGICA

Qual a relação entre toda essa discussão sobre infância/criança e a práxis pedagógica? Com base nos pressupostos relatados, como trabalhar com a criança? Se, de um lado, existe uma concepção salvífica da sociedade, de preparação do futuro cidadão, por outro, existe a visão biológico-natural, segundo a qual a criança irá se desenvolver sem a interferência do adulto, seguindo o seu desabrochar natural. Que caminho seguir? O que seria melhor para a criança?

Não podemos trilhar o caminho do “ou isso ou aquilo”, de uma coisa ou outra; dos extremos. Devemos pensar a criança como um ser completo21, que precisa desenvolver todas as suas potencialidades, e não apenas a cognitiva ou disciplinar. A criança é um ser também histórico e social, e não apenas biológico.

Segundo o Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa de Antonio Geraldo da Cunha, o termo “concepção” vem do latim conceptio que é o ato ou efeito de conceber. Este, por sua vez, também de origem latina – concipere – significa gerar. O termo latino

comprehensio-ônis significa conter em si, abranger, perceber, entender. Diante desses

significados, objetivamos não apenas conceber, gerar a criança, mas buscar, conter em si, entendê-la em seus mais complexos e variados aspectos.

Para Palmer (1996, p. 110 - 112), a compreensão tem uma amplitude que escapa à teorização racional. É um pensar silencioso, algo inerente ao ser humano. Pertence a uma relação de diálogo, pois, por meio do diálogo, os sujeitos vão mediatizando, construindo as falas e os sentidos. Se a hermenêutica é a arte de ouvir, como nos fala Palmer, a compreensão da criança também o é, pois quando a compreendemos estamos abertos a ouvi-la.

Tourinho e Sá (2002, p.30.) discutem que “a compreensão é tida como ‘um movimento no fazer poético e no aprender a fazer poeticamente’ [...],a compreensão envolve o des-ocultar, o des-velar” e essa é a compreensão da infância: a partir do desocultamento e do desvelamento, deve-se estudar poeticamente, aprender poeticamente, ensinar poeticamente, viver poeticamente, numa visão polifônica, isto é, ouvindo as múltiplas vozes na construção de uma práxis pedagógica, ou seja, não considerar absurdas as referências trazidas pelos alunos; na verdade, os conhecimentos trazidos por eles são tão relevantes quanto as referências das ciências trazidas nos conteúdos curriculares; não há uma hierarquização do conhecimento.

21 Embora a Psicanálise considere que o sujeito é marcado pela falta, e, portanto, incompleto, trago esse conceito de que a criança deve ser vista em todas as áreas da vida humana que precisa ser desenvolvida.

Para Galeffi (2007), a compreensão é o âmbito em que se dá o poemático e o pedagógico. Poemático é o saber fazer; mas um saber pleno. Assim, se chegaria à compreensão do Ser-no-mundo-com22, por meio de uma práxis pedagógica que não busque uma única verdade, mas que tenha várias visões de vida. Uma prática pedagógica dialógica. E isso seria possível na educação infantil? Se pensarmos a criança como esse ser apresentado no título anterior, não só é possível, como imprescindível na formação de qualquer ser humano e em qualquer idade.

Ainda hoje, há discursos em que, de um lado, está a teoria e, do outro, a prática; de um, o saber sistematizado, do outro, a fantasia; de um, a cognição, do outro, a sensibilidade, a arte; de um lado, o cuidar, do outro o educar; de um lado a explicação, do outro a

compreensão. E, assim vão sendo fragmentados o conhecimento, a criança, o ser humano.

Tourinho e Sá argumentam que o compreender não exclui o explicar, e vice-versa. “O explicar e o compreender não representam necessariamente posições polarizadas, porque o professor precisa compreender o que ‘explicou’ e o explicar não exclui o compreender” (2002, p. 38).

O que se busca é a unidade na diversidade, é o uno e o múltiplo imbricados. A unidade no pensar, no fazer da sala de aula, na construção do conhecimento, tornando possível a

práxis, que compreendemos como ação consciente, como atividade de quem faz escolhas

conscientes e, para tanto, necessita de teoria. A prática pedagógica da educação infantil envolve conhecimento, saber, valores, atenção, afeto.

Nesse intuito, a educação de crianças pequenas não deve ser vista nem pensada apenas como técnica, como treinamento, como uma prática desprovida de qualquer reflexão, especulação teórica, como muitas vezes tem acontecido, acreditando que a criança não tem “capacidade” de entender. Não se deve forçar a criança a amadurecer antes do seu tempo, tampouco privar ou limitar a sua capacidade.

Abro um parêntese para falar de uma prática das crianças no cotidiano das escolas de educação infantil: chamarem as professoras de tia. Compreendo que a relação de afetividade construída no cotidiano das escolas deve estar sedimentada no diálogo e no respeito entre professor e aluno. Muitos confundem a relação de afetividade com a forma de tratamento utilizada. A relação de afetividade acontece na relação dialógica.

Segundo Freire (1997, p. 09), “a tarefa de ensinar é uma tarefa profissional que, no entanto, exige amorosidade, criatividade, competência científica [...] ensinar é profissão que

envolve certa tarefa, certa militância, certa especificidade no seu cumprimento, enquanto ser tia é viver uma relação de parentesco”. Não é simplesmente sendo boazinha e meiguinha que será uma boa professora. O “cativar” as crianças vai muito além do tratamento de tia, pois a criança poderá estar chamando a professora de tia sem ter nenhuma relação de respeito, de diálogo e de afeto. Aceitando esse tratamento, o professor poderá também estar perdendo a sua identidade profissional, pois as “boas tias não devem brigar, não devem rebelar-se, não devem fazer greve” (idem, 1997, p. 09) por melhores condições de trabalho, por exemplo. Por ser tia, precisa pensar que seus “sobrinhos” não podem ficar sem aulas. É necessário rever alguns conceitos e ideologias impregnados no cotidiano das escolas de educação infantil e entre os profissionais que atendem a essa faixa-etária.