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CAPÍTULO I OS FUNDAMENTOS E OS CAMINHOS METODOLÓGICOS

1.4 CAMPO, SUJEITOS E INSTRUMENTOS

A presente pesquisa empírica ocorreu em Itapetinga, município localizado na região Sudoeste da Bahia, que possui uma área 1.615 Km2 e fica a aproximadamente 571 km da capital baiana e a 100 km da cidade de Vitória da Conquista. Sua população é de 61.212 habitantes, segundo dados do IBGE de 2006. A denominada Capital da Pecuária hoje conta com algumas indústrias (Azaléia, Valedourado e Frigorífico Bertin), as quais diversificaram a economia6 do município e contribuíram com o seu desenvolvimento. Também o campus da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB) aí localizado tem concorrido para o crescimento do município.

Selecionei para a pesquisa de campo as escolas Memórias de Emília e Reinações de Narizinho, as quais atendem crianças de quatro a seis anos de idade, por duas razões: por ofertarem especificamente curso de educação infantil e por estarem localizadas em dois extremos da cidade – uma em um bairro central e a outra em um bairro periférico – o que me motivou a observar este contraste. Esses nomes foram escolhidos por mim como uma referência às obras de Lobato, utilizadas neste trabalho, que retratam uma concepção de infância e criança embasada no respeito e valor por essa etapa da vida do sujeito. Uma criança que fala, discute, tem ideia e tem infância.

Constituíram-se sujeitos participantes do processo de investigação seis professoras de duas instituições pré-escolares (três professoras de cada instituição), que atuam no quadro da rede municipal de ensino de Itapetinga. Da Escola Memórias de Emília, foram selecionadas as professoras Sônia, que cursa Formação de Professor em Serviço, trabalha na educação infantil há dois anos e atende crianças de cinco anos de idade (Pré II); Alessandra, que cursa o IV Semestre de Pedagogia na UESB, sendo o primeiro ano que trabalha com a educação infantil, com crianças de quatro anos de idade (Pré I); e Teresinha, pedagoga, que trabalha há sete anos com a educação infantil, com crianças na faixa etária de quatro anos. Da Escola Reinações de Narizinho7, selecionei as professoras Regina, que cursa Formação de Professor em Serviço e trabalha com crianças pequenas há vinte anos (crianças com cinco anos de idade); Fúlvia, que cursa Formação de Magistério, há quinze anos trabalha com a educação infantil e atua em uma turma com crianças de quatro anos; e Ivani, que cursa o VII Semestre de Pedagogia na UESB e trabalha há cinco anos na educação infantil (as crianças têm cinco anos de idade). Embora

6 Dados retirados do site: http://pt.wikipedia.org/wiki/Itapetinga. 7 Nomes fictícios já justificados na Introdução.

tenhamos feito observações sobre o tempo de atuação das professoras na educação pré-escolar, esse fato não caracteriza diferenças na qualidade do trabalho docente por elas realizado.

Para investigar as concepções de currículo presentes nas práticas pedagógicas das professoras da pré-escola e como este currículo tem influenciado na formação dos sujeitos, utilizei instrumentos que considerei imprescindíveis para produção dos dados, tais como: observação das atividades no cotidiano escolar das turmas de pré-escola e utilização do diário de campo para as anotações do que foi observado; entrevista semiestruturada realizada com as professoras das respectivas turmas; grupo focal para discussão da temática de forma mais aberta e análise do Projeto Político-Pedagógico das Escolas e da Proposta Curricular Municipal para a Educação Infantil.

Os instrumentos foram utilizados da forma mais dinâmica, criativa e reflexiva possível, pois eles por si só não têm efeito algum para o desenvolvimento de uma pesquisa, como afirma González Rey (2005, p. 42-43): “o instrumento é uma ferramenta interativa, não uma via objetiva geradora de resultados capazes de refletir diretamente a natureza do estudado independente do pesquisador (...). O instrumento representa apenas o meio pelo qual vamos provocar a expressão do outro sujeito”.

O primeiro instrumento a ser utilizado foi a Observação, por considerá-lo de extrema importância na compreensão da realidade (cultura) pesquisada. Na observação, há o envolvimento mais direto do investigador com o ambiente a ser pesquisado. Em nosso dia-a- dia, estamos constantemente em observância, seja de pessoas que estão próximas, de determinadas situações seja, até mesmo, de comportamentos. Só que esta não é uma observação qualquer. Não é um olhar qualquer, mas um olhar que constata, vê. Há um objetivo, uma sistematização de condutas e procedimentos e de focalização no objeto de pesquisa.

Com a observação, o pesquisador tem a possibilidade de descrever e analisar o que se passa no interior da escola. Não é uma mera descrição dos fatos, daquilo que interessa ao pesquisador, mas uma “descrição densa”, uma descrição do dito e não dito, do visto e não visto, uma descrição que não foge à interpretação e reflexão do observado. Na observação, há envolvimento do pesquisador com o ambiente pesquisado, um inter-relacionamento com os sujeitos, a cultura, os valores, as crenças etc.

Segundo Tura (2003, p. 190), “a descrição densa é o esforço de articulação entre fatos, o envolvimento na lógica de sua organização, o decifrar dos aspectos obscuros, o buscar pistas para desvendar certos mistérios – tudo isso exige interpretação e reinterpretação do

pesquisador”. Assim levanto alguns questionamentos: o que quero perceber com a observação? O que e como observar? O que devo priorizar na observação? Quanto tempo deve durar a observação?

Essas angústias foram sendo respondidas no decorrer da pesquisa, pois não existe uma fórmula a seguir. Entendo que o contato pessoal com o fenômeno pesquisado e a fundamentação prévia do pesquisador darão o suporte necessário para que os questionamentos e as inquietações sejam respondidos, ou não.

Assim, nos meses de maio a julho de 2008, aconteceram as observações nas seis salas de aula da pré-escola: três turmas que atendem crianças de quatro anos, denominadas Pré I, e três turmas que atendem crianças de cinco anos, denominadas Pré II. Foram cinco observações em cada sala de aula, totalizando trinta observações.

De imediato, percebi que as professoras ficavam inseguras e agitadas com a minha presença até mesmo pela inquietação das crianças. Com o passar dos dias, esse comportamento foi se modificando. De início, expliquei o tema do meu estudo, os meus objetivos e falei da observação que faria às aulas durante certo período. Não especifiquei as datas; disse apenas que, como estava observando duas escolas, poderia comparecer em qualquer dia da semana. Assim, alternava tanto os dias como os turnos. Procurei não fazer anotações na frente das professoras para que elas não se sentissem constrangidas e também porque buscava interagir com as crianças e a professora. Diante disso não foi utilizado o diário de campo. Assim, ao sair da escola fazia as anotações do que havia ocorrido, as quais muito contribuíram para o próprio processo da pesquisa e para a análise dos dados. Foram anotadas e descritas não só falas, mas também percepções, comentários, ansiedades e angústias, tanto das professoras, quanto das próprias crianças.

As Entrevistas Semiestruturadas com gravação em áudio, outro instrumento utilizado na pesquisa, foram posteriormente transcritas na íntegra e tornaram possível uma melhor compreensão da realidade de estudo, pois, segundo Lüdke (1986), por ser um instrumento mais flexível, a entrevista permite o aprofundamento das informações.

Macedo (2006) argumenta que a entrevista “com uma estrutura aberta e flexível pode começar numa situação de total imprevisibilidade, em meio a uma observação ou em contatos fortuitos com os participantes. Pode estruturar-se no desenrolar das interações” (p. 102). Foi nessa perspectiva que conduzi as entrevistas. Não como uma “camisa de força” seguindo um roteiro, mas de forma dialógica com o entrevistado.

No momento da entrevista, perguntei se poderia utilizar o gravador, pois ficaria muito difícil escrever enquanto elas falavam. Só uma, das seis professoras entrevistadas, manifestou um pouco de constrangimento diante do gravador, mas, depois que começou a falar, “se desligou” completamente de que havia um gravador e “se soltou”. As professoras foram contatadas antecipadamente sobre a possibilidade de participar da entrevista e se colocaram à disposição.

Nos dias 22 a 29 de julho de 2008, no final das observações, aconteceram as entrevistas, exceto com a professora Fúlvia, que, por ter entrado de licença por motivos de doença em família, só foi entrevistada quase três meses depois. O interessante é que eu já havia desistido, mas como a professora se prontificou, e eu não havia terminado de analisar os dados, decidi fazer a entrevista com ela, o que muito contribuiu para o desenvolvimento do trabalho em foco.

Outra fonte utilizada para coletar os dados da pesquisa foi a Análise Documental, isto é, a análise da Proposta Curricular do Município e dos Projetos Político-Pedagógicos das escolas selecionadas. Esses documentos deram um grande suporte para a análise das concepçõesde criança e de currículo neles implícita ou explicitamente presentes. Escolhi esse instrumento, a Análise Documental, por considerar que não há como identificar as concepções de currículo presente nas práticas pedagógicas da escola sem analisar os documentos que tratam do currículo da educação infantil, ou seja, o que a escola programou para trabalhar, o quê e como de fato tem trabalhado e a consonância da sua proposta pedagógica com as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil e os Referenciais Curriculares Nacionais para a Educação Infantil.

Em virtude de algumas questões, como concepções de infância e de currículo, não terem ficado claras nas entrevistas, propus o Grupo Focal como outra forma de recolher mais informações sobre o problema do projeto, além de complementar as informações já obtidas nas entrevistas. Esse instrumento possibilitou interações, partilhas e trocas de experiências entre as pessoas envolvidas. “A pesquisa com grupos focais tem por objetivo captar, a partir das trocas realizadas no grupo, conceitos, sentimentos, atitudes, crenças, experiências e reações, de um modo que não seria possível com outros métodos” (MORGAN E KRUEGER apud GATTI, 2005, p. 09).

Assim, no dia 1º de agosto (sexta-feira) de 2008 às 15h30min no Módulo Administrativo da UESB, aconteceu o encontro do Grupo Focal, com a participação de todas

as professoras entrevistadas (seis no total) e mais uma colega (minha convidada), que ficou responsável pela administração do gravador.

Quando cheguei ao local marcado, duas professoras já se faziam presentes e, logo depois, chegaram mais duas. Como já havia passado meia hora do horário marcado e as pessoas presentes estavam ansiosas por terem outras atividades, resolvemos começar. Assim que me apresentei e comecei a falar sobre o significado de grupo focal, chegaram as duas professoras que estavam faltando. Apresentei os membros do grupo, já que eram professoras de escolas diferentes. Explicitei o objetivo do encontro e o porquê da escolha das participantes, o que se justificava pelo fato de terem sido selecionadas para as observações em sala de aula e as entrevistas, então o grupo focal seria mais um instrumento utilizado com os mesmos sujeitos.

Perguntei se poderia gravar em áudio com o argumento de que seria impossível copiar as falas e prestar atenção às discussões, ao que responderam que não haveria problema. Utilizei dois gravadores, um em cada extremo do grupo, para captar todas as falas. Informei sobre o sigilo dos registros e identidade das participantes. Esclareci que todas deveriam se sentir livres para compartilhar seus pontos de vista, mesmo que houvesse divergências e que se tratava de um diálogo.

No primeiro momento, solicitei que cada participante fizesse um comentário geral sobre infância e currículo. Propus que, se quisessem, poderiam fazer anotações pessoais antes de se posicionarem diante do grupo. Todas estavam meio apreensivas. Um momento de total silêncio pairou no ambiente, mas logo uma professora começou a falar sobre a sua concepção de currículo e, em seguida, as outras entraram na discussão. A professora Teresinha8 queria falar o tempo todo, prolongando-se no discurso. A partir daí fiz uma observação sobre a importância do respeito à fala dos outros membros do grupo.

A coleta e interpretação dos dados obtidos puderam dar conta dos fenômenos existentes na escola. As técnicas utilizadas asseguraram a consistência teórica do método, possibilitando que o “não dito” fosse revelado, o que me esclareceu em parte o que estava oculto no currículo, o que estava por trás das práticas pedagógicas das professoras.

A análise das observações, descrições e reflexões anotadas no diário de campo e a análise das entrevistas e do grupo focal foram agrupadas em categorias de acordo com proximidades e semelhanças apresentadas, o que permitiu compreender a concepção que as professoras têm sobre currículo e a manifestação dessa concepção na prática pedagógica.

Assim foi possível identificar o currículo e analisar a sua influência na construção do conhecimento e na formação sociocultural da criança.

Os documentos produzidos durante a pesquisa juntamente com os referenciais teóricos utilizados possibilitaram a consonância entre as expressões dos sujeitos da pesquisa e as reflexões do investigador.

Esse foi o caminho que percorri para chegar a este trabalho, para construir esse conhecimento. No Capítulo II, discuto a compreensão de infância e de educação infantil segundo os fundamentos histórico, filosófico, literário e legal, relacionando-os à prática pedagógica da pré-escola.

CAPÍTULO II – INFÂNCIA E EDUCAÇÃO INFANTIL: ASPECTOS HISTÓRICO, FILOSÓFICO, LITERÁRIO E LEGAL

Felicidade é a gente poder olhar para trás e encontrar esse vago mundo em “sol menor” que se chama infância.

Adivinhação da vida. Bem sei que, com muita gente, acontece essa coisa estranha: torna-se adulto sem ter sido criança.

Ou, o que é pior: ter sido criança sem ter tido infância. A infância, para mim, não é apenas e simplesmente uma idade, mas justamente aquele mundo de pequeninas coisas que tornam inconfundível na lembrança um tempo de alegria, um tempo em que conhecemos a felicidade

sem ao menos nos apercebermos dela.

JG de Araújo Jorge