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CAPÍTULO I OS FUNDAMENTOS E OS CAMINHOS METODOLÓGICOS

1.3 O CAMINHO PERCORRIDO

Tratamos neste capítulo do caminho percorrido, pois, para uma boa pesquisa, é imprescindível o planejamento – um projeto, um método. Uma pesquisa é a investigação do conhecimento, embora, durante muito tempo, tenha-se acreditado que só era considerado conhecimento científico aquele que pudesse ser quantificável, manipulável, mensurável, como, por exemplo, os objetos das ciências naturais e físicas ou, como alguns preferem chamar, “ciências duras”. Daí, a dificuldade que as Ciências Humanas tiveram de se firmar, pois o sujeito (ser humano) do conhecimento também é o objeto, e não há cisão entre eles.

Porém, essa concepção fragmentada de sociedade, de homem, de conhecimento foi se modificando na história. Com a abordagem fenomenológica, que busca descrever, compreender e interpretar os fenômenos que se apresentam à percepção, houve uma valorização maior do conhecimento produzido pelas ciências humanas. A visão fenomenológica preconiza que toda realidade percebida é humana, portanto sujeito e objeto não podem estar separados, isolados. Nessa perspectiva, os “fenômenos” sociais, educacionais passam a ser estudados, descritos, compreendidos e valorizados conforme pressupostos teórico-epistemológicos.

André (1986, p. 02) assegura que,

para se realizar uma pesquisa, é preciso promover o confronto entre os dados, as evidências, as informações coletadas sobre determinado assunto e o conhecimento teórico acumulado a respeito dele. Em geral, isso se faz a partir do estudo de um problema, que ao mesmo tempo desperta o interesse dos pesquisadores e limita sua atividade de pesquisa a uma determinada porção do saber, a qual ele se compromete a construir naquele momento.

Segundo esse ponto de vista, o pesquisador não está isolado do mundo. Há uma relação direta dele com o ambiente e a situação que está sendo investigada, e não há separação entre sujeito e objeto, empiria e teoria. Na pesquisa qualitativa, propõe-se um método com que se busca descrever a cultura, a realidade humana; não apenas constatar a realidade, mas compreender os sentidos.

Assim, apresento neste trabalho um estudo sobre as concepções de currículo presentes nas práticas pedagógicas do professor da pré-escola e sua influência na formação da identidade sociocultural da criança, a partir de uma pesquisa do tipo etnográfica. Por que a escolha por esse tipo de pesquisa? Entendo que uma pesquisa de caráter etnográfico

possibilita a descrição das escolas estudadas compreendendo e respeitando a sua singularidade.

Assim, para Lüdke e André (1986, p. 14),

A etnografia tem um sentido próprio, é a descrição de um sistema de significados de um determinado grupo. O uso da etnografia em educação deve envolver uma preocupação em pensar o ensino e a aprendizagem dentro de um contexto cultural amplo. Da mesma maneira, as pesquisas sobre a escola não devem se restringir ao que se passa no âmbito da escola, mas sim relacionar o que é aprendido dentro e fora da escola.

Geertz (1989) garante que a etnografia faz uma “descrição densa”, ao interpretar a cultura. O etnógrafo penetra na realidade e busca desvendar e descrever o que é esta realidade. Para ele, “o etnógrafo ‘inscreve o discurso social’: ele o anota. Ao fazê-lo, ele o transforma de acontecimento passado, que existe apenas em seu próprio momento de ocorrência, em um relato, que existe em sua inscrição e que pode ser consultado novamente” (p. 14).

O método etnográfico não tem um caráter apenas descritivo (da realidade, da cultura) sem os fundamentos teóricos, como muitos acreditam. Existe imbricação entre o trabalho teórico e a tarefa descritiva, até porque, em uma visão de pesquisa qualitativa, os fundamentos teóricos são imprescindíveis para que se compreenda a realidade.

González Rey (2005, p. 3) propõe uma epistemologia qualitativa em que

O desenvolvimento de uma posição reflexiva, que nos permite fundamentar e interrogar os princípios metodológicos, identificando seus limites e possibilidades, coloca-nos de fato diante da necessidade de abrir uma discussão epistemológica que nos possibilite transitar, com consciência teórica, no interior dos limites e das contradições da pesquisa científica. É preciso romper com a consciência tranqüila e passiva com a qual muitos pesquisadores se orientam no campo da pesquisa, apoiados no princípio de que pesquisar é aplicar uma seqüência de instrumentos cuja informação se organiza, por sua vez, em uma série de procedimentos estatísticos sem precisar produzir uma só idéia.

Uma metodologia qualitativa requer, sem dúvida, discussão teórico-epistemológica, para que não se caia na coisificação dos instrumentos, pois estes não falam por si só. Para esse autor, a pesquisa qualitativa emergiu como meio de romper com o ponto de vista estreito e opressivo do positivismo. Uma metodologia qualitativa implica debate, discussão, e não apenas o uso de métodos rigorosos e sem reflexão sobre o que está sendo pesquisado.

É preciso entender a importância do método para a pesquisa, mas, também, entender a necessidade de que seja flexível. Para Morin (2003, p. 21-22), “o método não é algo pronto e

acabado em si mesmo, algo pré-determinado, mas algo que está em permanente construção e reconstrução”. Utilizar um método não é seguir um receituário para construir algo, é seguir o caminho passo a passo.

É nessa percepção de conhecimento, de pesquisa e de método que procurei investigar as concepções de currículo presentes nas práticas pedagógicas realizadas na pré-escola da rede pública municipal de Itapetinga e a sua influência na formação sociocultural do sujeito-criança. Propus um trabalho que tem como suporte uma abordagem de pesquisa de natureza qualitativa, por primar por uma interpretação da realidade, embora não estejamos nos opondo ao positivismo, pois se assim o fizéssemos, estaríamos caindo nas velhas dicotomias já discutidas anteriormente. Não podemos perder de vista que quantidade e qualidade estão complexamente relacionadas, como salienta Minayo (1999, p.22): “o conjunto dos dados quantitativos e qualitativos não se opõem, ao contrário, se complementam, pois a realidade abrangida por eles interage dinamicamente, excluindo qualquer dicotomia”. Ainda, para a autora, este tipo de pesquisa trabalha com o universo de significados: o que o indivíduo pensa e acredita, suas ações e reações, seus motivos e aspirações.

A abordagem escolhida possibilita uma ação reflexiva do investigador conforme uma ressignificação dos dados e uma busca teórica constante para dar novo sentido ao que é encontrado durante todo o processo de estudo.

Então o que é necessário para legitimar uma pesquisa científica segundo uma abordagem qualitativa? Não há como mensurar, quantificar os fenômenos, pois estes são analisados subjetivamente pelo pesquisador. Porém, subjetividade não é sinônimo de falta de rigor científico. Como a pesquisa ganhará o status de ciência se os fenômenos forem analisados de forma subjetiva? Deixará de ser ciência se analisado dessa forma? Eis alguns dos muitos questionamentos feitos sobre a legitimidade da pesquisa qualitativa.

Aplicar determinados instrumentos e realizar a análise em uma perspectiva subjetiva não significa abrir mão do rigor científico. O que há é uma mudança de método, isto é, usar outro caminho para chegar à construção do conhecimento científico. Construir esse conhecimento requer uma “consciência teórica”, e não apenas aplicar instrumentos e analisar os dados sem qualquer rigor. Assim, falar de metodologia qualitativa implica um debate teórico-epistemológico.