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CAPÍTULO I OS FUNDAMENTOS E OS CAMINHOS METODOLÓGICOS

2.1 INTRODUÇÃO

Abordo neste capítulo a compreensão de infância segundo as perspectivas histórica, filosófica, literária e legal. Começo por fazer algumas indagações, quais sejam: o que é infância? O que é ser criança? Que compreensão, temos de infância? Infância e criança significam a mesma coisa? Como os filósofos clássicos9 e medievais compreendiam a infância? Como a criança é vista na literatura infantil? Que compreensão temos da infância hoje? Mudou alguma coisa, ou tudo permanece como antigamente?

Não tenho respostas para todos esses questionamentos, mas quero discutir um pouco a compreensão de infância em alguns momentos da filosofia, da história e das políticas públicas de educação e de atendimento à educação infantil.

Não pretendo trazer aqui o pensamento de todos os filósofos da Antiguidade e da Idade Média, sobre o que pensaram e escreveram em relação à criança. Na filosofia clássica, Platão é o que representa melhor o pensamento grego por ter sido o filósofo que sistematizou o pensamento de Sócrates, e é em seu diálogo, A República, que encontramos referência à criança. Santo Agostinho foi selecionado por ser o primeiro filósofo do período medieval e, sendo de origem platônica, traz uma visão de infância bem característica do período medieval. Posteriormente, traçarei um diálogo sobre a compreensão de infância, com base no pensamento de dois escritores franceses – Rousseau e Saint-Exupéry – e do brasileiro Monteiro Lobato. Rousseau, por ter sido um marco na descoberta do sentimento de infância

no período da Renascença, pois, até então, não existia esse sentimento e também por sua obra ser caracterizada como um romance que aborda a educação de uma criança –Emílio. Saint-

Exupéry, com a obra O Pequeno Príncipe, por ter representado a criança como indivíduo inteligente e capaz e por ter feito crítica à concepção que as “pessoas grandes” têm de criança. Monteiro Lobato, por ser considerado um marco na literatura brasileira para a infância e por sua compreensão diferenciada de infância em relação ao paradigma existente, Emília, representa bem essa infância caracterizada por Lobato.

A opção por Monteiro Lobato se deu também em razão de um debate que ocorreu nas aulas da disciplina “Compreensão e Práxis Pedagógica”, quando a professora e minha orientadora Tourinho teceu comentários sobre a importância das obras de Lobato na valorização da infância10. Em discussão com um colega de trabalho, ele também enfatizou a relevância da obra desse autor. Li alguns livros, refleti sobre a temática e percebi que seria interessante trazê-lo para discussão.

Percebi, então, que poderia estabelecer um diálogo entre O Pequeno Príncipe (personagem de Saint-Exupéry), Emílio (personagem de Rousseau) e Emilia (personagem de Lobato) e, posteriormente, fazer uma conexão entre a concepção de infância trazida por esses autores e a práxis pedagógica; refletir sobre o significado, a compreensão e a relação da infância nesses contextos literários e, por fim, discutir o surgimento do sentimento de infância e de educação infantil no cenário brasileiro.

É sabido que durante muito tempo não houve o reconhecimento do sentimento de infância11. A criança se misturava aos adultos e aprendia o ofício deles. Não existia a mínima valorização da criança, muito menos de suas particularidades, até porque não havia infância.

Se basearmos o nosso pensamento na própria etimologia do termo infância, de origem latina, vemos que ele é formado do prefixo “in” (negação) e do radical “fans” (falante)12. Infância, então, significa “aquele que não fala”. Assim, durante muito tempo na história da humanidade, a criança foi vista como aquele sujeito que não fala, tampouco é ouvido. Não queremos trazer à discussão um ser que não fala, mas um ser que não só fala, como pensa, sente e vive. Um ser de direitos, que não precisa que alguém fale o tempo todo por ele, mas que o ouça.

Não quero falar também de uma concepção naturalizada de criança, isto é, como aquele ser que só traz características inatas, que são universais e que, em todos os países e

10 Discussão da sala de aula na Disciplina Compreensão e Práxis Pedagógica em 14/07/2008. 11 Compreendido como o que distingue a criança do adulto, com respeito à particularidade infantil. 12 Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa Nova Fronteira.

lugares, são iguais, “uma etapa pré-fixada de amadurecimento que toda criança apenas repete” (ARROYO, 2008, p. 121), mas de um ser histórico e social com características identitárias distintas.

A infância é uma construção social, e não algo inato e universal. Como afirma Sarmento (2001, p.13), “a verdade é que, se houve sempre crianças, não houve sempre infância. A consideração das crianças como um grupo etário próprio, com necessidades e direitos genuínos, é muito recente, é mesmo um projeto inacabado da modernidade”.

As crianças sempre existiram, sempre nasceram, continuam nascendo e sempre nascerão, porém a ideia de infância, como se pode concluir, não existiu sempre nem da mesma maneira. Ao contrário, ela aparece com a sociedade capitalista, urbano-industrial, na medida em que mudaram a inserção e o papel da criança na comunidade. É com essa compreensão que tentarei traçar uma visão panorâmica da construção infância na história.

Compreender a infância não é tarefa fácil. Ora a criança é vista como um adulto em tamanho menor, ora como um projeto de adulto, ora como um “futuro” cidadão. É preciso compreendê-la nos seus aspectos de criança, respeitando a “natureza infantil”13. A criança, como sujeito de sua história e também produtora de cultura, expressa o ser social que é, e não um ser abstrato e universal.