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A construção do instrumento de pesquisa: elaborando uma experiência investigativa

No documento sebastiaogomesdealmeidajunior (páginas 114-118)

3 UM CAMINHO DE PESQUISA: A INVESTIGAÇÃO COM ADOLESCENTES NAS

3.7 A construção do instrumento de pesquisa: elaborando uma experiência investigativa

Num ambiente de trocas entre os participantes, na perspectiva de se estabelecer as melhores condições para compreensão das suas atuações no ambiente comunicacional contemporâneo, trago em minha experiência de pesquisador as ricas possibilidades de suscitar falas impregnadas de sentido provenientes das entrevistas semi-estruturadas dos grupos focais (ALMEIDA JÚNIOR, 2013). Essa perspectiva dialógica foi fundamental no processo que passou a ser construído nos encontros com os adolescentes, para meu amadurecimento investigativo.

Na intenção de me aproximar dos sujeitos, nessa etapa do desenvolvimento de meu estudo, tornou-se necessário buscar um instrumento teórico-metodológico de pesquisa que potencializasse a escuta, trazendo mais de seu contexto vivido. Assim, procurei elaborar subsídios para elaboração de entrevistas semi-estruturadas contando com um recurso para possibilitar maior aprofundamento investigativo66.Fundamentada no conceito de vivência de Vigotski, a minha intenção foi de formular um procedimento junto aos pesquisados para que eu pudesse melhor compreender sua tomada de consciência de mundo na cibercultura, na mediação tecnológica envolvendo seus tempos-espaços vividos.

Nesse percurso, foram primordiais os subsídios de pesquisas recentes como referência que, além da fundamentação na teoria histórico-cultural, trouxeram importantes apontamentos sobre os chamados mapas vivenciais como instrumento de pesquisa. Para tanto, na perspectiva de subsidiar meu processo investigativo, busquei acessar publicações sobre tais estudos que trazem considerações relevantes que compreendem a pesquisa tendo em conta a historicidade dos sujeitos em seu contexto geográfico, social e cultural.

Ao tratar dos mapas vivenciais como proposta teórico-metodológica, fundamentada em Vigotski, Lopes (2018), ressalta que, contando com seus colaboradores na sistematização da teoria histórico-cultural, o pensador bielorusso voltou-se intensamente a compreender as crianças e seus processos de humanização e desenvolvimento. Esses postulados direcionam críticas severas ao privilégio do tempo no processo de desenvolvimento humano, sobretudo, a hegemonia do tempo linear. Ao cunhar o conceito de vivência, a teoria histórico-cultural nos

66 No capítulo 6 da tese é apresentada a pesquisa-piloto com quatro adolescentes por meio da qual são evidenciadas as relações espaço-temporais expressas cartograficamente em seus traçados e narrativas, relacionados aos mapas vivenciais.

propõe a condição do meio - natural e social e suas indissociabilidades - enquanto unidade fundamental na compreensão das formações tipicamente humanas. Nessa perspectiva, na tomada de consciência e na formação da personalidade, tempo e espaço se fundem na formação do ser humano.

Para Harvey (1989), o espaço e o tempo são categorias básicas da existência humana em que estão implicados os processos político-econômicos e culturais que, muitas vezes, são destituídos de uma reflexão sobre o seu sentido, associada ao senso comum. Atentando para diferentes contextos que implicam diferentes sentidos, essa concepção contesta a ideia de um tempo e espaço em um sentido único para a medida da diversidade de concepções e percepções humanas. “Dessa perspectiva materialista, podemos afirmar que concepções do tempo e do espaço são criadas necessariamente através de práticas e processos materiais que servem à reprodução da vida social.” (HARVEY, 1989, p. 189).

Segundo Lopes (2018), os mapas vivenciais se organizam por uma estrutura metodológica sem rigidez, buscando, por meio de trilhas esboçadas, estabelecer relação com o objetivo da pesquisa. Essa proposta também se referencia na afirmação de que as culturas criadas pelas crianças se dão na unidade pessoa-meio e também na vida social dialogada com a formação cultural. Utilizando esse procedimento metodológico, a proposta é de mapear as lógicas pessoais e coletivas, e quais indícios ali se expressam, relacionados às temporalidades e espacialidades. As recentes pesquisas de Queiroz (2015) e Benedict (2016) com estudantes abordam temas relacionados à cultura digital e têm como importante procedimento teórico- metodológico a utilização de mapas vivenciais. Nessas investigações, destaca-se a valorização da alteridade, contando com narrativas produzidas pelas crianças nesses processos.

Construída a partir de mapas vivenciais com crianças entre dez e 11 anos, a pesquisa de observação participante de Queiroz (2015) tratou das mídias e as novas tecnologias em espaços de escolarização. Além de contar com entrevistas semi-estruturadas e notas de campo, na convivência com alunos em sala de aula, a investigação teve como destaque desenhos de mapas associados às narrativas apresentadas pelos estudantes nesse percurso. Fundamentado no conceito de vivência, o estudo trouxe a perspectiva das crianças desvelarem espaços da escola sob sua ótica pessoal envolvendo a compreensão dos seus modos de ser, de pensar, de estar e de agir naquele lugar.

Benedict (2016) ressalta, em sua pesquisa com crianças nas vivências com jogos eletrônicos, o reconhecimento do espaço como um dado cultural, ao investigar saberes cartográficos dos sujeitos. Esse estudo, ancorado na perspectiva da escuta, buscou dialogar com as formas que as crianças desenvolvem seus modos de cartografar o mundo nos seus

processos de significação. Sustentada em uma proposta de alteridade entre pesquisador e sujeitos, essa investigação com crianças-jogadoras, mapas e paisagens virtuais dos games, levou em conta as relações espaço-tempo, considerando também as capacidades imaginativas e criadoras humanas nesses processos, envolvendo as relações sociais e culturais entre os pares e, também, a sua interação com o mundo adulto.

Um aspecto importante desse estudo de Benedict (2016) foi o processo de escuta, fundamental para estabelecer o diálogo com as crianças-jogadoras enquanto seres de cultura, nas suas vivências, histórias e singularidades. Segundo a autora, o seu desconhecimento enquanto pesquisadora foi a chave de abertura de um espaçotempo nessa relação de alteridade, colocando-se como aprendiz no processo em que as crianças-jogadoras eram constantemente instigadas a aprenderem, envolvendo mapas, jogos e avatares.

Pesquisas com mapas vivenciais em uma perspectiva dialógica buscando centralização nas lógicas infantis, como o de Lopes, Costa e Amorim (2016) e de Lopes, Mello e Bezerra (2015), contribuíram para minhas reflexões teórico-metodológicas. O meu interesse por esse instrumento investigativo ocorreu devido à minha identificação com a perspectiva desses pesquisadores, que é a de superação dos discursos racionais pelas cartografias de mundo expressadas pelas crianças em suas representações livres. Buscando superar as lógicas do racionalismo, tais pesquisas dialogam com formas infantis de compreender o mundo. Nas suas produções, que envolvem mapas, textos, discurso verbal, brincadeiras, desenhos, gestos e outras formas, os pesquisados se revelam como sujeitos culturais em seus contextos sociais e históricos.

Os mapas vivenciais como recurso possibilitam a escuta dos sujeitos por meio de sua expressão gráfica relacionando seus tempos-espaços vividos. Nesse processo, o pesquisador atua como interlocutor com questões semi-estruturadas. Especificamente, na minha pesquisa voltada para adolescentes, as questões suscitadas estavam relacionadas com suas práticas cotidianas envolvendo as tecnologias e a cibercultura. Assim, amparado por esses subsídios iniciais de fundamentação para elaborar o instrumento de interlocução com os possíveis sujeitos para um desenvolvimento de uma pesquisa contando com as possibilidades investigativas dos mapas vivenciais, tratei de planejar uma abordagem com alguns adolescentes para esse procedimento metodológico.

Seguindo meu percurso, ressalto a relevância da construção teórico-metodológica e o quanto é fundamental esse diálogo com outras pesquisas que lançam mão desse recurso desencadeador de narrativas e de traçados espaço-temporais sobre as vivências. Nesse sentido, amparado por tais fundamentações de outros autores, como possibilitar, nos encontros,

alternância de vozes, expressão enunciativa dos participantes e toda uma riqueza de dados e pistas a serem desvelados nesse diálogo com as novas gerações na cibercultura? Ao vislumbrar a possibilidade de escuta dos meus futuros sujeitos no decorrer das reflexões para ir ao campo, tais formulações subsidiaram aspectos importantes para que eu pudesse estabelecer a preparação cuidadosa dos meus encontros com adolescentes exercitando uma “cartografia subjetiva”67

. Assim, contando com os subsídios teóricos, incentivado pela possibilidade da riqueza de dados apontados pelos referenciados estudos com mapas vivenciais, refleti, com muita expectativa, a potencialidade de explorar com aqueles que eu iria desenvolver o processo investigativo.

Como primeira proposição de estudo, decidi então realizar uma pesquisa piloto com mapas vivenciais buscando uma aproximação inicial com adolescentes na faixa etária condizente com os sujeitos potenciais da pesquisa em seu futuro desdobramento68.

http://juventude-conectada.blogspot.com/2017/12/vivencias-dos-adolescentes-nas.html

Conforme apresentado no percurso de elaboração do meu projeto investigativo fundamentado na perspectiva histórico-cultural, vislumbrei, partindo do conceito de vivência e em referidos estudos desenvolvidos com mapas vivenciais, elaborar uma pesquisa piloto para conhecer o procedimento como um recurso metodológico que pudesse avançar na minha proposta de aproximação com os adolescentes. Partindo das reflexões do capítulo 4 da tese que trata das considerações teórico-metodológicas que sustentam minha proposição, minha

67 A denominação “cartografia subjetiva” aos mapas vivenciais foi feita pela pesquisadora Ana Brizet Ramirez, coordenadora da mesa Comunicación-Educación, na II Bienal Iberoamericana de Infancias y Juventudes, em Manizales, Colômbia, ao tecer seus comentários sobre minha comunicação de pesquisa em novembro de 2016. 68

Até o exame de qualificação, ocorrido em 19/05/17, já havia sido realizada a pesquisa piloto com quatro adolescentes explorando mapas vivenciais, ocorrida entre maio e julho de 2016. Além disso, fora iniciado o levantamento do survey com estudantes da rede municipal de ensino, que seria concluído em setembro 2017. A proposta de desenvolvimento de estudo com a metodologia dos mapas vivenciais para aprofundamento da pesquisa foi discutida com a banca examinadora. Posteriormente, decidiu-se manter o intento original de investigar, mantendo esse instrumento, com alguns adolescentes de escolas que participaram do questionário

intenção era de construir um instrumento que pudesse trazer mais dos sujeitos em seu desenvolvimento, em seu contexto histórico e cultural.

Dessa forma, nesse percurso, além da perspectiva da escuta, a pesquisa piloto proposta foi elaborada pensando em se aproximar de adolescentes atenta aos objetivos do estudo contando com essas suas vozes, conhecendo as relações no meio digital, envolvendo seus espaços-tempos na cibercultura. Era importante compreender, no desenvolvimento de campo com esse instrumento metodológico, relações que os sujeitos estabelecem nesse contexto. Além disso, conforme traçado no planejamento de estudo, a intenção era não só de compreender as práticas da apropriação dos pesquisados das tecnologias digitais, mas se essas potencializam suas aquisições e se realizam ações transformadoras no mundo.

Ao retomar esses objetivos traçados, trazendo as já citadas questões iniciais de pesquisa fundamentadas no referencial teórico que vem sendo construído no decorrer do processo da formação do doutorado, me propus a buscar possíveis pistas com os sujeitos: adolescentes, que convivem no ambiente escolar – inseridos na cibercultura – e que elaboram suas significações de mundo em meio aos instrumentos e signos culturais nos seus espaços- tempos vividos.

Na perspectiva de conhecer suas práticas e suas opiniões no contexto do ambiente comunicacional emergente, e por se tratar de uma proposta metodológica em construção, busquei atentar para alguns aspectos que se destacavam enquanto contribuição para minha proposição de construção de um instrumento que pudesse dar conta de ir ao encontro dos sujeitos da pesquisa. Portanto, faz-se necessário apresentar aspectos mais detalhados desse instrumento para compreensão dos procedimentos metodológicos. Assim, serão destacados alguns elementos importantes para essa prática desencadeadora e suas potencialidades dialógicas junto aos sujeitos pesquisados.

No documento sebastiaogomesdealmeidajunior (páginas 114-118)

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