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O encontro com as vozes dos sujeitos na pesquisa

No documento sebastiaogomesdealmeidajunior (páginas 103-108)

3 UM CAMINHO DE PESQUISA: A INVESTIGAÇÃO COM ADOLESCENTES NAS

3.4 O encontro com as vozes dos sujeitos na pesquisa

Na continuidade da escrita desse texto que foi se construindo ao longo da minha formação de professor/pesquisador, busco aprofundar algumas reflexões dando sequência ao que vem sendo produzido no processo investigativo com as novas gerações. Avançando nessa longa caminhada, revendo meus movimentos desde minhas primeiras ações na pesquisa, quando fui em busca de conhecer a realidade dos adolescentes com investigativo nas tecnologias digitais, fundamentado na teoria histórico-cultural, ressalto a importância de buscar nesse percurso um olhar e uma escuta sensível para com esses sujeitos. No amadurecimento desse processo, um posicionamento fundamental foi o de me colocar na condição de alteridade para com os pesquisados, para saber mais sobre o que pensam, sentem

e expressam quanto aos seus movimentos nos tempos-espaços no contexto cibercultural emergente.

Sendo assim, na perspectiva de estabelecer esse diálogo com os adolescentes que frequentam a escola e que constituem suas vivências no contexto das tecnologias digitais nos seus tempos-espaços, ao pensar a pesquisa e a construção do conhecimento, reflito sobre a potência do texto que se renova quando retomamos o tema de estudo, naquilo que vem sendo tecido, nos liames que se conectam a novas leituras, novos sentidos.

Dessa forma, reunindo significativo volume de registros, dados de campo preciosos desse encontro com os estudantes de escolas públicas que tanto falaram de si e de suas vivências, encontrei as palavras de Geraldi (2010), que ecoam como subsídio fundamental para sustentar minha postura como investigador.

O novo não está no que se diz mas no ressurgimento do já dito que se renova, que é outro e que vive porque se repete. Por isso aqui não se tratará de algo novo, mas da articulação de questões já conhecidas, fazendo emergir consequências das tomadas de posição a respeito dessas mesmas questões. (GERALDI, p.81, 2010)

Esses apontamentos subsidiam refletir criticamente sobre toda uma tradição que historicamente foi sendo moldada, estabelecendo como herança cultural hegemônica no presente o papel social do professor, definido por um modelo excludente de controle e de domínio dos saberes escolarizados. É justamente na mudança de postura que se contrapõe à tradição centrada na autoridade daquele que detém o domínio da herança cultural proposto por Geraldi (2010) que me reconheço em minhas aspirações de professor-pesquisador. Buscando adotar, no campo, uma atitude de quem não tem pré-suposições e ditames de detentor do conhecimento para ir ao encontro dos mais jovens, as considerações sobre a superação dos modelos autoritários da escola discutidos pelo autor são extremamente pertinentes para pensar a pesquisa. Sua proposição dos saberes construídos na aula como acontecimento se coaduna com uma atitude do pesquisador que busca o diálogo com os sujeitos se colocando em posição de escuta na produção do conhecimento. O autor estabelece a hipótese da aprendizagem da instabilidade como possibilidade para lidar com os novos paradigmas científicos e culturais. Nesse sentido, o que se propõe é construir uma relação onde o “aprender para viver” seja substituído pelo “viver aprendendo”. Assim, inverte-se a flecha da relação e esta herança cultural deixa de ser um conjunto de disciplinas estanques transmitidas e se torna referência, que inclui o que os alunos já trazem do saber local.

Amparado nessas reflexões sobre o modelo de controle e restrição de sentidos a se buscar superar na produção de conhecimentos, como seguir adiante no percurso investigativo? Como possibilitar que as vozes dos adolescentes se expressem no texto contribuindo no aprofundamento das questões desencadeadoras da pesquisa? Para ir ao encontro desses estudantes que constituem nos seus tempos-espaços suas vivências, a perspectiva dialógica se coloca como um caminho essencial para a compreensão dessa geração em meio às tecnologias digitais. Diante de uma cultura digital tão presente, e inegavelmente intensa nas suas vidas, e que vem se apresentando como um desafio para a escola da atualidade, proponho-me seguir em um diálogo com os sujeitos para saber mais sobre suas práticas, opiniões e atitudes nesse contexto.

Na sua abordagem do dialogismo bakhtiniano para as ciências humanas, Amorim (2002) discute o texto como produção de conhecimentos, refletindo que a escrita de pesquisa não deve ser reduzida a uma simples transcrição do que se produz no campo. Nesse sentido a questão da alteridade é fundamental nesse processo. As vozes do texto59, de acordo com essa compreensão, se desdobram em uma polifonia de enunciações de um mesmo lugar, do encontro do autor com o objeto da pesquisa. Nessa perspectiva, para alguns textos, a relação entre o pesquisador e seu “outro” se faz necessária, não se restringindo à sua dimensão epistemológica, mas também ético-política do conhecimento que se produz.

Afora essas considerações em que o texto se constitui de diferentes vozes para além da transcrição, Amorim (2002) sustenta que não se pode ignorar que no conhecimento construído no campo estejam implicadas intenções do autor em relação a quem se destina o que é produzido. É importante também ter em conta, de acordo com essa compreensão teórica, de que um novo contexto é sempre criado do que se extrai originariamente no campo. Produzem- se, assim, outras enunciações. Existirão como destinatários, tanto aquele em que se idealiza quanto aquele que, de fato, lê o texto. Esse texto, que se constitui nesses sentidos construídos em seus enunciados, é simultaneamente interior e posterior, porque sua leitura será sempre apropriada pela interpretação de outrem e também por sua circulação, que o mantém vivo.

Avançando na abordagem sobre as vozes no texto, um outro destino, para além do que se supõe em relação à espacialidade e à temporalidade, também deve ser ressaltado. Para Amorim (2002), a existência de um sobredestinatário projeta o texto para um tempo60 situado

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A autora discorre sobre aquilo que identifica como teoria das vozes em Bakhtin, por meio de uma leitura analítica.

no futuro, desconhecido e imprevisível, que será acolhido e reconstruído de outra maneira. A autora, dessa forma, sustenta que o destinatário suposto faz remissão a uma dimensão histórica e singular do texto, enquanto que o sobredestinatário o universaliza.

Amorim (2002) acrescenta que o objeto da pesquisa é dotado de vozes para serem ouvidas. Essa questão se dá de forma distinta nas Ciências Humanas, pois o discurso que ele produz, de acordo com essa perspectiva, é o mais importante na pesquisa. Por fim, avançando na teoria das vozes, a autora aponta a diferença entre a voz daquele que diz, no interior do texto, e a voz do autor. Essa distinção, entre sujeito da enunciação, lugar do autor, e sujeito do enunciado, lugar do locutor, é fundamental para a análise. “Quando se analisa um texto e se consegue identificar a relação necessária entre o que é dito e o como se diz, pode-se dizer que se encontrou a instância do autor” (AMORIM, p. 11, 2002).

É nessa compreensão polifônica do texto, do qual novos sentidos são revelados nas vozes quando se aproxima do objeto nessa abordagem, que me proponho, em meus movimentos de pesquisador, seguir na perspectiva de adoção de um compromisso ético com os sujeitos.

Pereira (2015) defende que é no interior da pesquisa que deve se construir a ética, como resultante da relação que o pesquisador estabelece com o objeto de estudo em seus diferentes diálogos disciplinares nas Ciências Humanas. Dessa forma, a autora pondera que o debate sobre a ética deve contemplar diversas áreas de produção do saber, sem imposição, a priori, de como fazer ciência. A pesquisa, assim, respeitará a diversidade, o conhecimento popular, a arte, a filosofia e outros campos, alijados da produção do saber instituída, que coloniza a ética e se impõe como autoridade de enunciação.

Em seu posicionamento, Pereira (2015) traz a ética como constituinte da vida social na complexidade de sua dinâmica e na especificidade de cada pesquisa para a elaboração de normas de convivência, envolvendo o sujeito, em uma afetação mútua constante. Assim, a autora discute a alteridade dos polos sujeito e aplicabilidade da norma, que se opõem na disputa ideológica em que transita a questão da ética.

Reivindicando o posicionamento do sujeito na perspectiva bakhtiniana, Pereira (2015) se aprofunda na defesa da ética da responsividade, afirmando a importância da linguagem e da história constitutiva daquele que é pesquisado, que responde e deve se responsabilizar diante das demandas sociais. Nessa perspectiva, é na atitude responsiva do sujeito que pensa que se validam teorias, no diálogo com a vida nas suas ações no mundo.

Na compreensão responsiva ativa (BAKHTIN, 1997), o enunciado se constitui como elo de uma cadeia de enunciados, tendo em conta o fenômeno real e concreto da comunicação

verbal e a existência do outro. Ao traçar considerações sobre os gêneros do discurso, discutindo criticamente as abstrações do campo da linguística para tratar do enunciado como unidade da comunicação verbal, Bakhtin (p. 293, 1997) nos esclarece o quanto “a fala, só existe, na realidade, na forma concreta dos enunciados de um indivíduo: do sujeito de um discurso-fala”.

Além do enunciado, como entidade real da comunicação verbal envolvendo a compreensão responsiva, situa-se o acabamento como outra particularidade que se circunscreve na possibilidade da resposta na alternância dos sujeitos falantes (BAKHTIN, 1997). A totalidade acabada do enunciado reúne três fatores que lhes são indissociáveis: o tratamento exaustivo do objeto do sentido; o querer-dizer do locutor; e as formas típicas envolvendo a estruturação do gênero do acabamento. Ao trazer as considerações sobre estes três fatores ligados de forma indissolúvel na comunicação verbal minuciosamente examinados pelo autor, reflito o quanto nas pesquisas que produzimos com sujeitos expressivos e falantes estão implicadas nossas escolhas discursivas. Dos gêneros orais aos escritos, não nos damos conta de quanto visitamos constantemente formas típicas de enunciados que “introduzem-se em nossa experiência e em nossa consciência conjuntamente e sem que suaestreita correlação seja rompida” (BAKHTIN, p.301-302, 1997).

Nesse sentido, ao se considerar nas implicações da construção discursiva no gênero textual envolvendo enunciações dos sujeitos, pensando a pesquisa que se constrói na alternância pesquisador e pesquisados, se faz premente compreender muitas nuances dessa tessitura de falas vivas e impregnadas de sentidos nos processos investigativos.

Daí a perspectiva da escuta e compreender a realidade desses sujeitos em seus contextos, nos seus movimentos, na alteridade do acontecimento que se mostra no campo de investigação.O ato responsável para pensar a pesquisa em uma perspectiva bakhtiniana traz o entendimento da importância de conceber meus pesquisados como construtores do conhecimento em suas enunciações. Assim, é fundamental essa concepção que o autor nos apresenta, que é a de nos relacionarmos com esse processo como algo vivo e pulsante. Nesse entendimento, os sujeitos não são objetos para estudos e análises apartadas das suas vidas, mas são compreendidos como seres expressivos e falantes, que se enunciam com implicações decorrentes de um ato responsivo no encontro com o outro.

A partir do que foi exposto, composto de referências de processos da pesquisa em sua organização teórico-metodológica e, sobretudo, na fundamentação de importantes conceitos da teoria histórico-cultural que subsidiam meu estudo, ressalto o fortalecimento dessas contribuições para a construção do projeto investigativo. Compreendendo a importância do

acontecimento da pesquisa, na compreensão dos sujeitos no seu desenvolvimento em seus tempos-espaços e a possibilidade expressiva de enunciações desse encontro entre pesquisador e pesquisados, vislumbrei com entusiasmo a potência de cada etapa do estudo. Assim, nesse diálogo, me senti fortalecido para avançar em meu intento, preparando o campo para ir ao encontro daqueles que certamente muito teriam a dizer de si e seu mundo do presente, trazendo luz para o debate sobre as novas gerações na cibercultura emergente.

3.5 As vivências dos jovens e o ambiente comunicacional contemporâneo: traçando uma

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