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CAPÍTULO III A INSTITUIÇÃO POLICIAL E SEUS PROBLEMAS

3.8 A corrupção policial

O crime organizado movimenta milhões de dólares em suas atividades. Tal afirmação é bastante perceptível quando observamos que 1 kg cocaína na cidade de Fortaleza é vendido (em junho de 2007) por aproximadamente R$ 18 mil (dezoito mil reais) e que a Delegacia de Repressão a Entorpecente (Polícia Federal\Ceará) costuma apreender carregamentos de 30 kg de cocaína (onde cada carregamento vale mais de meio milhão de reais). Somente esta passagem retrata o poder financeiro do crime organizado, que é muito grande.

Citando novamente a obra CV_PCC – A Irmandade do crime onde expõe o relatório da Operação Mosaico, realizada pela Polícia Federal no ano de 1998 para reprimir a maior quadrilha de tráfico de cocaína naquela época:

 Na página 254 quando faz referência a movimentação financeira da quadrilha: “Esse movimento representa quase 425 mil dólares só aos sábados e domingos. Ou a venda de 42,5 quilos de cocaína

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“Os federais descobriram também que a quadrilha, com este incrível faturamento de quase 2 milhões de dólares por mês, gastava a bagatela de 400 mil dólares com proteção policial, salários e verbas destinadas à corrupção em geral. Perto de um milhão de dólares era reinvestido na compra de cocaína colombiana”.

Outras modalidades criminosas têm a mesma capacidade financeira e voracidade em cooptar agentes públicos: tráfico de seres humanos e de órgãos, comércio ilegal de armas, contrabando, colarinho branco, entre outros. Todos necessitando obrigatoriamente de mecanismos para lavar o capital oriundo da atividade criminosa.

É conhecida na doutrina a teoria que o crime organizado consegue se estabelecer quando existe um vácuo na ação do Estado, quando não existem instrumentos para repressão ou quando estes instrumentos são cooptados. E não soa novidade pontuar que a corrupção encontra-se entranhada no aparelho estatal brasileiro. Em todos os níveis e poderes constituídos têm se notícia do envolvimento de autoridades públicas com atos ilícitos. Hoje mais devido à nova possibilidade de atuação da Polícia Federal, do Ministério Público e do Judiciário que vêm exercendo suas prerrogativas constitucionais como nunca visto antes.

Os órgãos policiais não fogem a esta regra e são, quase sempre, os primeiros alvos de cooptação por parte das organizações criminosas em virtude de sua atividade típica de reprimir delitos. A polícia é quem tem o primeiro contato com o crime e com o criminoso.

Então, naturalmente a organização criminosa tem necessidade de corromper para conseguir estabilidade em seus “negócios” escusos. Paga para não ser molestada, para “negociar” livremente sem o incômodo da atuação dos aparelhos de proteção social.

O jornal Folha de São Paulo publicou em 14/06/2007 a matéria:

Esquema de propina pode atingir 70% das delegacias

Propina servia para acobertar o funcionamento de caça-níqueis Delegacias especializadas e peritos também são investigados

Planilhas feitas pelo advogado Jamil Chokr contidas no inquérito da Corregedoria da Polícia Civil indicam que o esquema de pagamento de propina a policiais para acobertar máquinas caça-níqueis pode atingir mais de 70% das delegacias da capital paulista. A propina por máquina variava de R$ 30 a R$ 40, segundo os documentos.

Chokr, que defendia empresas de caça-níqueis, é investigado desde o dia 25 de maio, quando bateu o seu carro e policiais militares encontraram no interior do veículo envelopes com dinheiro que traziam números e abreviaturas de distritos policiais da capital, assim como as planilhas.

As tabelas as quais a Folha teve acesso e que estão sendo analisadas pela Corregedoria da Polícia Civil mostram uma contabilidade muito bem organizada. Chokr, segundo documentos contidos no inquérito, mapeou o número de máquinas das quais seria responsável a partir das áreas dos distritos policiais da capital (exemplo: 8º DP - 45 máquinas)

Em uma das planilhas, referente a um mês, por exemplo, o advogado anotou 1.173 máquinas distribuídos em 71 distritos policiais -76% dos atuais 93 distritos na capital paulista. A mesma planilha lista mais 276 máquinas em Mauá, Diadema, Santo André, São Bernardo do Campo e Guarulhos, todos na Grande São Paulo e ABC. O secretário da Segurança Pública, Ronaldo Marzagão, foi procurado pela Folha, mas não se manifestou. O advogado Chokr não foi localizado.

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Essas planilhas funcionam como uma espécie de tabela de projeção para pagamento de propina aos policiais civis dos distritos, segundo a investigação dos policiais da Corregedoria. São nelas que apareceram os valores de R$ 30 a R$ 40 pagos por máquina.

Nessa tabela também aparece o número de máquinas caça-níqueis na área de cada distrito e a projeção do valor a ser pago. Em outra tabela, feita no final de abril deste ano, é feita uma projeção de gastos para o mês de maio. Nela, é citado um valor disponível para supostamente ser repassado a policiais civis de R$ 205 mil. Essa tabela, no entanto, não menciona o pagamento a distritos policiais, mas departamentos da Polícia Civil.

Entre eles, o Deic (Departamento de Investigações sobre o Crime Organizado) -que receberia R$ 17 mil do valor total- e o Decap (Departamento de Polícia Judiciária da Capital, a central de todos os distritos) - valor de R$ 5.000. O IC (Instituto de Criminalística), segundo a tabela de Chokr, receberia R$ 2.000, no dia 20 de abril deste ano. A Corregedoria também investiga se quatro laudos emitidos pelo IC, em 2006, foram forjados para favorecer pessoas que estariam ligadas ao suposto esquema de propina de Chokr. Em um dos quatro laudos, peritos atestam que as máquinas analisadas pagam até 118,3% das apostas feitas. Isso significa que, em todas as realizadas em alguns aparelhos, o apostador sai vencedor.

Um dos quatro laudos assinado pelos peritos Bonjorno, diretor do núcleo de patrimônio do IC, Jonas Eboli Machado e Adriano Issamu Yonamine apontou que 20 máquinas da empresa Reel Token, defendida judicialmente por Chokr, pagavam, no mínimo, 80,75% das apostas feitas nelas e, no máximo, 102,84%.

Ordem judicial - quatro dias antes de Chokr se envolver no acidente de carro que desencadeou a ação da Corregedoria, a Folha revelou que o Gecep, grupo especial do Ministério Público, começou a apurar porque, durante um ano e um mês, a Polícia Civil não cumpriu ordem da Justiça para apreender todas as máquinas caça-níqueis da capital. A ordem do juiz Edison Brandão, da 5ª Vara Criminal de São Paulo, foi enviada pela primeira vez em março de 2006 e reiterada a Marco Antonio Desgualdo, então delegado-geral, ainda no ano passado -governo Geraldo Alckmin (PSDB) -e neste ano ao delegado Mario Jordão Toledo Leme -gestão José Serra (PSDB). Nesse período, a polícia não explicou à Justiça por que a ordem não foi cumprida.

O jornal O Estado de São Paulo publicou em 28/05/2007 outras duas reportagens sobre a corrupção no Brasil (trechos das reportagens):

Mundo movimenta US$ 1 tri em propinas

Cálculo é do Banco Mundial, para quem corrupção não pára de crescer

A corrupção é uma indústria que movimenta US$ 1 trilhão em propinas no mundo, por ano, segundo cálculos do Banco Mundial (Bird). E é uma indústria que não pára de crescer. “Infelizmente, a corrupção no mundo não está diminuindo”, diz Daniel Kaufman, diretor do Instituto Banco Mundial. Mas a boa notícia é que, apesar de a corrupção na média não estar caindo, alguns países têm sido bem-sucedidos no combate à roubalheira.

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Esforços para reduzir a corrupção aumentam a competitividade dos países, atraem investimento estrangeiro e até colaboram na redução de mortalidade infantil. De acordo com levantamento do Bird, países que implementam medidas de controle da corrupção conseguem, no longo prazo, aumentar a renda per capita em 300% e reduzir a mortalidade infantil em 66%. Maior honestidade também está ligada a menores taxas de analfabetismo, redução de pobreza e desigualdade de renda.

Estudo avalia que Brasil perde R$ 1,5 bi por ano com corrupção

Para especialista, impacto é sobre investimentos, gastos do governo, inflação, educação e credibilidade do País

Além dos milhões de reais desviados dos cofres públicos e consumidos em propinas todos os anos, a corrupção custa ao Brasil cerca de R$ 1,5 bilhão por ano em perdas indiretas. Esse é o total de recursos que deixam de ser gerados por causa dos efeitos da corrupção sobre os investimentos, os gastos do governo, a inflação, a educação e a credibilidade do País, segundo cálculos do especialista Axel Dreher, professor do centro de pesquisas de conjuntura do Instituto Econômico Suíço. Com esse dinheiro, o governo federal poderia tapar os buracos de 4 mil quilômetros de estradas.

De acordo com os cálculos de Dreher, o Brasil perde por ano, em média, 0,08% do PIB por causa de custos indiretos da corrupção (em valores de 2006, US$ 715 milhões). Em PIB per capita, o País deixa de ganhar US$ 270 todos os anos. “A corrupção leva à queda do investimento estrangeiro direto, as elites cleptocratas ganham renda à custa de uma possível redução da pobreza, e enquanto os efeitos no volume de investimentos do governo não são claros, há uma evidente perda de qualidade nesses investimentos”, diz Dreher, que é autor de vários estudos em que calcula o impacto da corrupção sobre expectativa de vida, escolaridade, investimento, gastos do governo e inflação.

Em relação ao investimento estrangeiro direto, por exemplo, a corrupção funciona como um imposto de entrada. Estudos mostram que elevação de 1 ponto em índices de corrupção corresponde a um aumento de 7,5 pontos porcentuais em impostos.

Os órgãos policiais estão mais expostos a corrupção do que outros segmentos da administração pública. Buscamos a reflexão sobre temas fundamentais para as policiais como a seleção, a promoção, a remuneração e a valorização dos policiais honestos e capacitados numa carreira única que dificulte sobremaneira a possibilidade do profissional em segurança pública se corromper.