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Investigação criminal conduzida pelo Ministério Público

CAPÍTULO IV ASPECTOS DOS SISTEMAS DE INVESTIGAÇÃO CRIMINAL

4.1 Investigação criminal conduzida pelo Ministério Público

Como já debatido em tópico anterior, as funções de investigação e de judiciária são distintas e se relacionam, respectivamente, com a apuração/investigação das infrações penais e com o auxílio à Justiça Federal (competências no âmbito da União) no cumprimento de suas decisões. A função de investigar não é exclusiva enquanto a de judiciária, no âmbito da União, é exclusiva da Polícia Federal.

A defesa intransigente da exclusividade da investigação criminal é um contra senso quando se conhece a gestão administrativa dos órgãos policiais e a condução dos inquéritos policiais. Se os delegados desejam a exclusividade deveriam primeiro aparelhar, capacitar técnica e operacionalmente, desburocratizar seu procedimento administrativo – o inquérito policial – para desenvolver já uma eficiente investigação criminal. Se as polícias investigativas fizessem seu papel com eficiência e zelo este debate estaria fora da pauta.

105 Art. 62. O processo perante o Juizado Especial orientar-se-á pelos critérios da oralidade, informalidade, economia processual e celeridade, objetivando, sempre que possível, a reparação dos danos sofridos pela vítima e a aplicação de pena não privativa de liberdade.

Agora, ou não investigam (nos casos de crimes de ação pública incondicionada que não saem dos boletins de ocorrência), ou investigam muito mal (como demonstra a pesquisa estatística). O princípio da universalização da investigação criminal é fundamental para a qualidade das ações penais. Não é sustentável a defesa deste monopólio da direção investigativa se diariamente vemos flagrantes ilegalidades quando crimes de ação pública incondicionada não são apurados em virtude de não serem instaurados inquéritos policiais a partir dos boletins de ocorrência registrados pelos cidadãos vitimas da criminalidade.

Querem os delegados de polícia federal fazer com a investigação criminal em relação aos outros órgãos o que fazem internamente com o trabalho e condução cognitiva do caso policial apurado num inquérito de policia, ou seja, querem a exclusividade da investigação criminal, principalmente em relação ao Ministério Público, da mesma forma que regulamentaram (instruções normativas e portarias) os atos próprios do inquérito como privativos e indelegáveis dos delegados de polícia federal.

Como já bastante explicitado anteriormente o ordenamento jurídico pátrio não comporta a exclusividade da investigação criminal que prevê a concorrência da atribuição da investigação criminal com outros órgãos: Comissão Parlamentar de Inquérito (CF, art. 58, § 3º)106, o Senado Federal nos crimes de responsabilidade (CF, art. 52, I e II)107, Banco Central, COAF, CGU, ABIN, Receita Federal, etc. Acaso deveriam todos estes órgãos parar de exercer suas atividades quando efetivamente deparem-se com indícios de crimes?

A Câmara dos Deputados instituiu o Departamento de Polícia Legislativa através da Resolução nº 18 de 2003, criando sua Polícia Investigativa e Judiciária e regulamentando o artigo 269 do Regimento Interno da Câmara dos Deputados que possibilita à Polícia Legislativa instaurar inquérito policial e conduzir investigações criminais dentro da própria Casa. Diz o artigo 269 do Regimento Interno, in verbis:

Art. 269. Quando, nos edifícios da Câmara, for cometido algum delito, instaurar-se- á inquérito a ser presidido pelo diretor de serviços de segurança ou, se o indiciado ou o preso for membro da Casa, pelo Corregedor ou Corregedor substituto.

§ 1º Serão observados, no inquérito, o Código de Processo Penal e os regulamentos policiais do Distrito Federal, no que lhe forem aplicáveis.

106 § 3º - As comissões parlamentares de inquérito, que terão poderes de investigação próprios das autoridades judiciais, além de outros previstos nos regimentos das respectivas Casas, serão criadas pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal, em conjunto ou separadamente, mediante requerimento de um terço de seus membros, para a apuração de fato determinado e por prazo certo, sendo suas conclusões, se for o caso, encaminhadas ao Ministério Público, para que promova a responsabilidade civil ou criminal dos infratores..

107 I - processar e julgar o Presidente e o Vice-Presidente da República nos crimes de responsabilidade, bem como os Ministros de Estado e os Comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica nos crimes da mesma natureza conexos com aqueles;

II - processar e julgar os Ministros do Supremo Tribunal Federal, os membros do Conselho Nacional de Justiça e do Conselho Nacional do Ministério Público, o Procurador-Geral da República e o Advogado-Geral da União nos crimes de responsabilidade.

§ 2º A Câmara poderá solicitar a cooperação técnica de órgãos policiais especializados ou requisitar servidores de seus quadros para auxiliar na realização do inquérito.

§ 3º Servirá de escrivão funcionário estável da Câmara, designado pela autoridade que presidir o inquérito.

§ 4º O inquérito será enviado, após a sua conclusão, à autoridade judiciária competente.

§ 5º Em caso de flagrante de crime inafiançável, realizar-se-á a prisão do agente da infração, que será entregue com o auto respectivo à autoridade judicial competente, ou, no caso de parlamentar, ao Presidente da Câmara, atendendo-se, nesta hipótese, ao prescrito nos arts. 250 e 251.

Os artigos da Resolução nº 18 de 2003 que tratam da investigação e do inquérito,

in verbis:

Art. 2º - O Departamento de Polícia Legislativa é o órgão de Polícia da Câmara dos Deputados.

Art. 3º - São consideradas atividades típicas de Polícia da Câmara dos Deputados: ....

IV – o policiamento nas dependências da Câmara dos Deputados; ....

VIII – a investigação e a formação de inquérito.

Art. 6º - São atribuições dos Agentes de Polícia Investigativa: ...

X – investigações de ocorrências nas áreas sob administração da Câmara dos Deputados, nos prédios administrativos, blocos residenciais funcionais pára Deputados Federais e estacionamentos;

XI – investigações em inquéritos policiais, instaurados nos termos do art. 269 do regimento Interno.

Como é exclusiva a atividade de investigação pela polícia investigativa se não existe a necessidade de estar à denúncia sempre acompanhada do inquérito policial, se o Ministério Público pode oferecer a denúncia sem a investigação da polícia - o inquérito - é porque outro realizou a investigação e apresentou a materialidade do delito e sua autoria. Nossa doutrina e jurisprudência são unânime em classificar o inquérito como peça informativa e dispensável se o titular da ação penal dispuser de elementos suficientes para o oferecimento da denúncia.

Diz o ilustre doutrinador Mirabete108:

“os atos de investigação destinados à elucidação dos crimes, entretanto, não são exclusivos da polícia judiciária, ressalvando-se expressamente a atribuição concedida legalmente a outras autoridades administrativas (art. 4º do CPP). Tem o Ministério Público legitimidade para proceder investigações e diligências conforme determinam as leis orgânicas estaduais”.

A Constituição Federal, ao estabelecer a atribuição das polícias civil e federal não disse que as investigações de ilícitos penais lhes caberiam de maneira privativa. Daí

concluirmos que as investigações criminais podem ser presididas por outros órgãos sem que a Constituição seja ferida (advindo do princípio da universalização da investigação). O promotor de justiça ao presidir uma investigação criminal não está usurpando as funções do delegado de polícia e sim exercendo plenamente suas prerrogativas, contribuindo para que as infrações penais sejam apuradas em favor da prevalência dos interesses da sociedade na investigação criminal. Preconizamos não a competição, mas a cooperação fraterna em busca do bem comum – finalidade única tanto da instituição policial como ministerial.

Para uma sociedade que convive com brutais índices de violência e criminalidade, com alta taxa de impunidade dos crimes perpetrados, com uma corrupção que corroí todos os pilares éticos e morais não é de bom senso que apenas um órgão possa instruir a investigação criminal. Para a grande tarefa de reprimir e punir todos estes crimes é fundamental universalização da investigação criminal. É um absurdo que queiram colocar a investigação criminal dentro de um feudo onde somente alguns “iluminados” possam atuar. O do artigo 144 da Constituição Federal não determina a exclusividade da investigação criminal para a Polícia e sim o exercício da função de polícia judiciária da União (parágrafo 1º, inciso IV). A função de polícia judiciária significa força auxiliar do Poder Judiciário e não se confunde com a função investigatória, isto é, a de apurar infrações penais.

A investigação criminal conduzida por qualquer órgão – seja pela Polícia, Ministério Público ou qualquer outro – tem natureza inquisitorial e não aplica as garantias constitucionais do contraditório e da ampla defesa (CF, art. 5°, LV)109.

As provas colhidas pelo titular da ação penal pública serão submetidas ao crivo dos princípios do contraditório e da ampla defesa. Negar ao Ministério Público o poder de investigar significa cercear seu poder-dever de promover a ação penal pública, principalmente diante de delitos graves e com envolvimento de gestores públicos.

O STJ tem entendido que a investigação criminal pode anteceder a instauração do inquérito policial como na decisão110:

“A interceptação telefônica para fins de investigação criminal pode se efetivar antes mesmo da instauração do inquérito policial, pois nada impede que as investigações precedam esse procedimento. A providência pode ser determinada para a investigação criminal (até antes, portanto, de formalmente instaurado o inquérito) e para a instrução criminal, depois de instaurada a ação pena”.

É uma regra elementar em matéria processual que o autor da ação deve perseguir as provas necessárias para sustentar sua pretensão em juízo. Em nenhum lugar de nosso

109 LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes;

ordenamento jurídico cita-se está exclusividade fragmentária entre a ação da Policia investigativa e ação do Ministério Público.

O sistema acusatório adotado pelo Brasil permite que até o juiz, que não é parte no processo, possa perseguindo a verdade real produzindo provas na instrução da investigação ou do processo, como se referem os artigos do CPP:

 Artigo 156 - A prova da alegação incumbirá a quem a fizer; mas o juiz poderá, no curso da instrução, ou antes, de proferir sentença, determinar, de ofício, diligências para dirimir dúvida sobre ponto relevante;

 Artigo 176 - A autoridade e as partes poderão formular quesitos até o ato da diligência (possibilidade de o Juiz formular quesitos nas perícias e exames de

corpo de delito em geral);

 Artigo 209 – O juiz, quando julgar necessário, poderá ouvir outras testemunhas, além das indicadas pelas partes (possibilidade de o Juiz ouvir

outras testemunhas, além das arroladas pelas partes);

 Artigo 234 – Se o juiz tiver notícia da existência de documento relativo a ponto relevante da acusação ou da defesa, providenciará, independentemente de requerimento de qualquer das partes, para sua juntada aos autos, se possível (possibilidade de o Juiz, de ofício, mandar juntar documento relativo a ponto

relevante da acusação ou da defesa);

 Artigo 241 – Quando a própria autoridade policial ou judiciária não a realizar pessoalmente, a busca domiciliar deverá ser precedida da expedição de mandado (possibilidade de o Juiz realizar pessoalmente busca domiciliar); Artigo 276 – As partes não intervirão na nomeação do perito (estabelece que é

arbítrio exclusivo do Juiz a nomeação do perito);

 Artigo 407 – Decorridos os prazos de que trata o artigo anterior, os autos serão enviados, dentro de 48 (quarenta e oito) horas, ao presidente do Tribunal do Júri, que poderá ordenar as diligências necessárias para sanar qualquer nulidade ou suprir falta que prejudique o esclarecimento da verdade inclusive inquirição de testemunhas (art. 209), e proferirá sentença, na forma dos artigos seguintes: (possibilidade de o Juiz-Presidente do Tribunal do Júri ordenar

diligências antes da pronúncia, impronúncia, desclassificação ou absolvição sumária), e;

 Artigo 425 – O presidente do Tribunal do Júri, depois de ordenar, de ofício, ou a requerimento das partes, as diligências necessárias para sanar qualquer

nulidade ou esclarecer fato que interesse à decisão da causa, marcará dia para o julgamento, determinando sejam intimadas as partes e as testemunhas. (possibilidade de o Juiz-Presidente do Tribunal do Júri ordenar diligências

para o julgamento da causa pelo Júri).

Se até o juiz tem tantos poderes instrutórios é lógico que o órgão titular exclusivo da ação penal pública, com o dever-poder de acusar, também pode produzir provas capazes de confirmar o aduzido em juízo. Como justificar que o titular exclusivo da ação penal pública que formula a peça denunciatória e executa a acusação em juízo não possa produzir provas?

Não concordamos aqui que o Ministério Público comande a investigação pré- processual de acordo com suas convicções de órgão acusador. Como defendemos anteriormente a polícia investigativa deve se prender a verdade real. Deve buscar comprovar como os fatos realmente aconteceram sem se preocupar em acusar, defender, ou julgar.

A função da polícia é apurar a materialidade delitiva e identificar sua autoria baseada nos fatos e na técnica científica de busca de provas. Não é acusar. A função do MP visa à punição, à condenação penal através da acusação. O órgão acusador é parcial, parte do processo penal. Para investigação criminal é necessário a imparcialidade para que os fatos aflorem da apuração e das provas colhidas sem os vícios próprios dos que têm função de acusar.

Defendemos que o Ministério Público possa mais do que requisitar investigações, que possa instruir investigação criminal própria. Defendemos a universalização da investigação como princípio. A falência do modelo de instrução do inquérito policial, não propriamente a falência do inquérito, faz com que até o particular vitimado pelo crime realize sua própria investigação e produza provas. A desconfiança na presidência do inquérito policial também movimenta a vítima a assistir a instrução do inquérito e a produção de provas. Qual cidadão vítima, ou testemunha, ou simplesmente telespectador fica tranqüilo quando um inquérito, mesmo que seja bem instruído, demora mais de 2 anos? Esta é a realidade do nosso modelo. No âmbito investigativo, o órgão policial deve ser um nicho de excelência técnico-profissional, não precisando de isolamento da atuação do ministério público. Quando o bom trabalho sofre fiscalização o resultado são elogios, colaboração e respeito.

Por outro lado, discordamos que a Polícia Investigativa seja subordinada ao Ministério Público, transferindo seu vínculo institucional do Poder Executivo para o Ministério Público. Fundamentamo-nos na mesma diferença entre as funções do órgão acusador e do órgão que apura o delito. Finalmente, a inclusão do órgão policial dentro do

Ministério Público representaria a criação de um órgão com super poderes e o desequilíbrio de forças na relação processual, de certa forma reproduzindo a distorção atual na condução do inquérito com exclusividade pelos delegados.

A discussão é de cunho sistêmico e estrutural da atuação da Polícia de Investigação. De nada adiantará mudar de um órgão para outro se não alterar profundamente os atuais paradigmas do modelo de investigação criminal fragmentado na execução, centralizado na cognição, burocrático, distante da técnica e ciência criminológica e criminalística. A eficiente operacionalização de todos estes fatores somente será possível com um trabalho coordenado e cooperado de uma equipe voltada exclusivamente para investigação criminal.