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CAPÍTULO IV ASPECTOS DOS SISTEMAS DE INVESTIGAÇÃO CRIMINAL

4.3 O Juizado de Instrução

Diante da ineficiência da instrução pré-processual e do agravamento da violência e do crime alimentadas pela morosidade e impunidade encontra-se na ordem do dia o debate sobre alterações do Código de Processo Penal pátrio. Busca-se um modelo mais ágil de persecução penal com modificações profundas nas fases de instrução pré-processual e processual.

A adoção do Juizado de Instrução permitiria que as provas colhidas pela polícia investigativa com a co-participação do juiz instrutor tivessem valor probatório. Acabando, assim, a instrução provisória com caráter meramente informativo. Assim a polícia não teria mais a função de interrogar o acusado e tomar depoimento de testemunhas – atividades que passariam ao juiz instrutor, colhendo estas provas com valor definitivo diante da aplicação dos princípios da ampla defesa e do contraditório. O juiz presidiria a instrução e a investigação continuaria com os órgãos policiais, sendo sua atividade totalmente direcionada para sua finalidade precípua que e a investigação criminal. O Ministério Público continuaria acompanhando as atividades investigativas das policias e a instrução do processo em juízo, mantendo sua exclusividade para promover a acusação.

Expõem os doutrinadores que o juizado de instrução só foi rejeitado na concepção do Código de Processo Penal de 1940 devido às dificuldades operacionais, falta de estrutura do Estado e pela extensão territorial e que estes empecilhos do passado estão superados pela transformação de nossa sociedade e pela modernização de nosso Estado.

Fato é que precisamos apontar alternativas ao modelo atual que não funciona, como bem demonstra o resultado da pesquisa estatística, onde a prévia colheita de indícios de provas e de provas se exauriu não demonstrando eficiência e eficácia para investigar.

O Procurador da República Cláudio Lemos Fonteles discorreu111:

“o crime está altamente organizado e sofisticado e as instâncias de

combate à criminalidade estão altamente desorganizadas. Fundamentalmente, porque trabalham de uma maneira estanque e como linhas paralelas” (página 115 da obra em referência)

“O inquérito policial está realmente falido, mas não quero que

termine. Propus um modelito de reforma do Código de Processo Penal na parte do inquérito policial. Trago algo de concreto. A investigação criminal é um procedimento informal, desburocratizado, e é assim que tem de ser. Mas como é hoje?” (página 116)

Na mesma obra o Desembargador Federal Álvaro Lazzarini e o Ministro do Superior Tribunal de Justiça José Arnaldo da Fonseca defendem a adoção do juizado de instrução criminal para crimes de maior potencial ofensivo.

Novamente, o Ministro José Arnaldo da Fonseca elabora em 14 de março de 2003 uma proposta de anteprojeto de lei sobre instrução preliminar nas infrações penais de maior poder ofensivo onde defende a criação do juizado de instrução criminal no Brasil. Explica na introdução do texto:

“É indiscutível que a atividade da polícia judiciária,nos Inquéritos, tem prestado relevantes serviços à Justiça Pública. Investigações preliminares, tomadas de depoimentos, testemunhas do fato, logo após o crime, exames periciais, buscas, apreensões, prisão em flagrante etc. são elementos de valor inafastável para a prova da materialidade do crime e probabilidade da autoria, a instruírem a peça acusatória e, não infirmadas em juízo, a conduzirem à procedência da ação penal. Nada obstante, esse sistema tradicional de prévia colheita de indícios de provas e de provas já se exauriu e, nos moldes em que instituído, já se revelou, de há muito, sem vigor e ineficaz para investigar, em sua generalidade, todo o universo de crimes que se perpetram nas sociedades modernas. A realidade presente é esta: o alto grau de complexidade das atividades criminosas, desenvolvidas e solenemente organizadas, com sérias repercussões no interesse e na segurança do próprio Estado, está a reclamar procedimentos mais acurados e expeditos, que possam ao menos mitigar a proclamada impunidade dos criminosos, com acentuado reflexo na credibilidade do sistema judiciário. Materialmente, e por falta de vontade e interesse dos poderes públicos, sabe-se, é impossível romper, de pronto e de todo, com o sistema tradicional, que, mantido em 1941, quando ainda inocorrentes os tipos de crimes praticados atualmente, com sofisticação, característicos das classes dominantes, de grupos organizados, os chamados crimes de colarinho branco, repito, o sistema tradicional, pelas razões supra, não será abandonado, será mantido, mas para os crimes, digamos, também tradicionais, ou seja, os arrolados no Código Penal, coetâneo do Código de Processo Penal, mantenedor do Inquérito Policial.”

Continua sua defesa garantindo o sistema acusatório:

“21 – A propósito, preleciona o il. Prof. Rogério Lauria Tucci: “Com efeito, não obstante respeitáveis opiniões de consagrados juristas, como José Frederico Marques, no sentido de que “o único modus procendi compatível com o verdadeiro

111 CENTRO DE ESTUDOS JUDICIÁRIOS – CONSELHO DA JUSTIÇA FEDERAL, Propostas para um novo modelo

processo penal seria o denominado procedimento acusatório, este, na realidade, apresenta-se, tão-só, e concretamente, como o esquema formal apropriado à segunda fase da persecutio criminis,qual seja a da ação penal” (in Recente Teoria do Direito Processual Penal-RT, p. 177, recentemente editado).

22 – De qualquer sorte, para espancar eventual reparo, o art. 9º, do anteprojeto, impõe impedimento ao juiz que promoveu colheita de provas, nas investigações prévias, para processar e julgar a futura ação penal, com preservar, na fase processual, a inteireza do sistema acusatório.”

Levanta alguns dados sobre o atual modelo de instrução (bastante parecidos com os revelados pela pesquisa estatística executada no presente trabalho acadêmico):

“Fixam-se prazos mais dilatados para encerramento da fase investigatória, com previsão de prorrogação, à vista da complexidade das infrações penais aqui arroladas, às vezes de difícil elucidação. Excedidos os prazos pelo Ministério Público, alvitra-se a possibilidade de o juiz assumir a direção do inquérito, por prazo certo, como forma de estimular o Ministério Público a envidar esforços para ultimá-lo. Vencido esse prazo, antepõe-se a alternativa: ou o dominis litis oferece a denúncia, ou promove o seu arquivamento. O que não é mais tolerável é a existência de inquéritos que levam 2, 3 e mais anos sem conclusão.

Confira-se: “Em tese de doutorado, a il. Subprocuradora-Geral da República, Dra. Ela Wiecko de Castilho, sobre a impunidade dos crimes financeiros, analisou os resultados de 606 representações dirigidas pelo Banco Central ao Ministério Público, no período de 1987 a 1995 e apresentou estes elementos: “O tempo médio decorrido entre os fatos e a comunicação do Banco Central foi de dois anos e dois meses. A Polícia Federal levou em média dois meses para instaurar o inquérito requisitado pelo Ministério Público e demorou mais dois anos e seis meses para concluí-lo. Mais um ano e nove meses se passaram entre a denúncia à Justiça e a sentença.”

Para completar, dos casos julgados, apenas 3,9% resultaram em condenações. Outros 80,5% foram arquivados e em 12,9% os acusados foram absolvidos. E declarou a Dra. Ela, no referido Encontro: “Isso continua até hoje, o Banco Central é quem tem o poder de dizer o que pode ser ou não crime financeiro a ser apurado pelo Ministério Público” (Jornal do Brasil, de 4 de novembro do ano de 2000, “Impunidade fora de Controle” – Abnor Gondim).”

E conclui com sua defesa pela adoção do juizado de instrução criminal para crimes de maior potencial ofensivo:

“27 – Por fim, em meio a esse quadro de crimes com grandeza macroscópica, crescente em quantidade e em qualidade, para cuja investigação prévia é reclamada a participação direta de outros órgãos, que não a polícia judiciária (Receita Federal, Banco Central, Conselho de Controle de Atividades Financeiras – COAF, outros órgãos governamentais, estabelecimentos bancários nacionais) convém impor-se atuação imediata do Ministério Público e do juiz. Não é transformar o juiz em investigador, mas retirá-lo da condição de mero expectador, de modo, também, que fique afastada a preocupação da Professora Ada Pellegrini Grinover e de outros eminentes doutrinadores, de se retornar ao juiz-inquisidor do modelo antigo. Não é o caso. O novo modelo, mitigado, entre outras vantagens, trará as de melhorar a colheita de elementos probatórios, prestigiando o princípio da economia e da celeridade processual, evitar as excessivas delongas e sobretudo, destina-se a fortalecer a ação repressiva, com acelerar a persecutio criminis em benefício da imagem da Justiça.

Materialmente e por opção de política jurídico-instrumental, não sendo possível adotar-se o Juizado de Instrução plenamente, que, pelo menos, se adote em relação aos crimes cuja valoração dos bens e interesses jurídicos a tutelar seja hierarquizada em razão da maior lesividade social, um novo modelo, de tal forma

que se possa vislumbrar, na proposta, simetria com os postulados fixados na Constituição Federal (art. 5º, incisos I, XII, XLIX , LXI, LXII e LXVI), porquanto consulta, na fala do insigne Prof. Mário Bulhões Pedreira, “os interesses da defesa social fortalecem as garantias individuais e melhor atendem à função do juiz no direito criminal moderno”.”

A questão fundamental é atacar as causas que levam a instrução pré-processual e processual penal a contribuir com a impunidade de forma geral e, em particular, nos crimes de colarinho branco.

Pesquisas do Bird concluem que medidas de controle da corrupção conseguem, no longo prazo, aumentar a renda per capita em 300% e cálculos do especialista Axel Dreher, professor do centro de pesquisas de conjuntura do Instituto Econômico Suíço, apontam que o Brasil perde por ano, em média, 0,08% do PIB por causa de custos indiretos da corrupção (em valores de 2006, US$ 715 milhões). Em PIB per capita, o País deixa de ganhar US$ 270 todos os anos. Além dos milhões de reais desviados dos cofres públicos e consumidos em propinas todos os anos, a corrupção custa ao Brasil cerca de R$ 1,5 bilhão por ano em perdas indiretas.

O Brasil não se desenvolve sem um combate eficaz à corrupção.

O juizado de instrução poderia buscar mais rapidamente o conjunto probatório necessário a persecução penal: acaba com os atos puramente burocráticos do inquérito policial, judicializa a prova produzida na instrução perante as garantias do contraditório e da ampla defesa, dificulta o uso do poder político para bloquear investigações, valoriza a investigação criminal produzida pela Polícia Investigativa, dificulta a manipulação de testemunhas e de provas na instrução, atribui celeridade a instrução combatendo a morosidade e a impunidade.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A análise estatística subsidiada pela doutrina e jurisprudência é conclusiva quanto à necessidade de modificações no instrumento de formalização da investigação criminal pré- processual - o inquérito policial.

A modificação não pode ser apenas do ponto de vista formal, de transpor o inquérito do âmbito do Poder Executivo (órgãos policiais) para o Ministério Público ou simplesmente instituir o juizado de instrução. As alterações também têm que ser dar no campo estrutural dos organismos governamentais que instruem o inquérito ou outro nome dado ao instrumento administrativo que formaliza a investigação criminal. Questões centrais devem ser enfrentadas como: condução da investigação criminal não pode continuar centralizada num único agente público (presidente do inquérito), valorizar os agentes públicos que executam as investigações objetivas (os laudos técnicos periciais) e as investigações subjetivas (os relatórios dos agentes de polícia), estabelecer parâmetros de trabalho cooperado em equipe de investigação composta por especialistas nas diversas áreas da criminologia e criminalística, instituir carreira policial com a valorização da experiência, capacidade e honestidade.

Qualquer sociedade necessita de um órgão público que desenvolva a investigação criminal por excelência. Por excelência significa não apenas que sua atividade fim é executar a investigação, mas que esta deve ser realizada com o máximo de eficiência exigido pela constituição e pela sociedade. E este órgão é a Polícia Investigativa. A Polícia Investigativa é quem tem o dever de ser um órgão especializado na descoberta de provas, de desvendar crimes e identificar criminosos.

Não há a necessidade da exclusividade sobre a atividade investigativa. Todos podem investigar, mas apenas os órgãos policiais têm excelência para tal. Ao Ministério Público, como órgão exclusivo da acusação, deve ser possível desenvolver sua própria investigação, quando achar necessário.

Conclui-se, então, que a primeira questão é transformar de fato a polícia. Fazê-la de novo, ousando, para tanto, quebrar todos os paradigmas superados e apostar na formação de novos policiais ocupantes de uma carreira voltada para as ciências da criminologia e criminalística.

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