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Tempo razoável de duração do inquérito policial – a prescrição da pretensão punitiva

CAPÍTULO II – O INQUÉRITO POLICIAL E A INVESTIGAÇÃO CRIMINAL

2.6 Tempo razoável de duração do inquérito policial – a prescrição da pretensão punitiva

A duração do inquérito policial se relaciona diretamente ao princípio constitucional da razoável duração do processo (CF, art. 5º, LXXVIII) e ao princípio da razoabilidade, no âmbito judicial e administrativo. Observando a carta magna podemos concluir, a partir dos dados fornecidos pela pesquisa estatística encartada, que os inquéritos policiais que tramitam durante anos na esfera da instrução pré-processual e inquisitorial (na Polícia Federal) não duram razoavelmente e ferem os princípios constitucionais da razoável duração do processo, da efetividade das decisões judiciais, da economia processual, entre outros.

O artivo 5º, inciso LXXVIII, da Constituição Federal expressa “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação” (grifo nosso).

A garantia jurisdicional dentro de um prazo razoável e efetivo já estava prevista, como garantia do indivíduo e da sociedade, na convenção americana sobre direitos humanos que aprovou o pacto de São José da Costa Rica, o qual o Brasil é signatário desde 1992, e que expressa em seus artigos:

 Art. 8º - Toda pessoa tem direito a ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável, por Juiz ou Tribunal competente, independentemente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na apuração de qualquer acusação penal formulada contra ela, ou para

que se determinem seus direitos ou obrigações de natureza civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer outra natureza, e;

 Art. 25 – Toda pessoa tem direito a um recurso simples e rápido ou a qualquer outro recurso efetivo, perante os juízos ou Tribunais competentes, que a proteja contra atos que violem seus direitos fundamentais reconhecidos pela Constituição, pela lei ou pela presente Convenção, mesmo quando tal violação seja cometida por pessoas que estejam atuando no exercício de suas funções oficiais.

A doutrina entende de forma quase pacífica que a duração razoável do processo é o tempo suficiente para adequada instrução, sendo hábil à prevenir danos derivados da morosidade e prestar efetivamente a função jurisdicional do Estado. Assim, a relação do inquérito policial com a ação penal é de que a lentidão do primeiro repercute em toda persecução penal, atingindo negativamente a ação penal.

A celeridade da tramitação de todos os atos traduz-se na devida prestação jurisdicional e no tempo razoável de duração do processo.

É entendimento consensual na doutrina penal, e muito mais em outras áreas do conhecimento humano, que o transcurso do tempo remove os elementos que configuram a verdade, apagando os vestígios e as provas que ficaram. Como tudo o mais na vida humana, os vestígios e as provas que o tempo apaga não retornam mais.

Casos apresentados na pesquisa estatística, onde o inquérito completa 8 anos de instrução pré-processual não servem a persecução penal porque levam a impunidade, a prescrição dos crimes, comprometem a busca pelas provas e a efetividade das decisões judiciais. Os dados tabulados pela pesquisa demonstram que existe uma relação direta entre o tempo de duração do inquérito policial e a impunidade, quanto maior o tempo de instrução do inquérito maior é a probabilidade dos autores dos crimes escaparem da punição.

Não é novidade para os operadores do direito a enorme freqüência da aplicação do instituto da prescrição do crime com a decorrente extinção da punibilidade. Colacionamos alguns casos exemplificativos destas decisões judiciais extraídas do sítio https://secure.jurid.com.br (Jurid Publicações) que demonstram o quanto reina a impunidade:

 Ex-delegado federal preso na Operação Lince está livre por prescrição do crime - Fonte: STJ. Wilson Alfredo Perpétuo, ex-delegado da Polícia Federal condenado em 1997 à pena de seis anos de reclusão por crime contra a Administração Pública (facilitação de contrabando ou descaminho) não irá para a prisão. Os crimes foram extintos porque o Estado perdeu o prazo legal previsto em lei para impor à pena. O caso foi julgado no Superior Tribunal de Justiça (STJ) pelo ministro Arnaldo Esteves Lima que declarou a extinção da punibilidade, segundo

os artigos 107, 109 e 110 do Código Penal. Em seu relatório, o ministro explicou que o crime praticado pelo ex-delegado é considerado prescrito em oito anos;

 Réu tem decretada extinção de punibilidade por prescrição - Fonte: TJSC. A juíza Andréia Régis Vaz decretou a extinção da punibilidade por prescrição do réu Itamar Carvalho da Silva, em sessão do Tribunal do Júri realizada nesta quarta-feira (16/05), na Comarca da Capital, em mais um julgamento do Mutirão do Júri. Itamar respondeu por dupla tentativa de homicídio que teve por vítimas Jair Silva Júnior e José Rover Tarone. Segundo os autos, o crime teria ocorrido na madrugada do dia 23 de maio de 1996, no interior de um bar localizado na rua Cruz e Souza, área central da cidade; e

 Torneiro mecânico absolvido por prescrição da pena - Fonte: TJGO. O torneiro mecânico Paulo Sérgio Souza Tavares, de 53 anos, que foi submetido a julgamento terça-feira (10) sob acusação de ter tentado matar com três facadas o pedreiro Álvaro César Jacinto, 46, saiu da sessão em liberdade, vez que a pena prescreveu. Presidido pelo juiz Jesseir Coelho de Alcântara, o 1º Tribunal de Júri de Goiânia acatou pedido do Ministério Público Estadual (MPE) que, apoiado pela defesa do acusado, pleiteou a desclassificação do crime de tentativa de homicídio para lesões corporais. O artigo 15 do Código Penal (CP) prevê que quando o agente desiste voluntariamente de produzir o resultado final deve ser responsabilizado pelos atos até então praticados.

Atualmente, o Congresso Nacional trava o debate sobre o instituto da prescrição retroativa e em março de 2007 a Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) aprovou parecer ao Projeto de Lei Complementar n.º 19 que pretende acabar com a prescrição retroativa.

A prescrição retroativa é uma das modalidades da prescrição da pretensão punitiva e encontra-se expressa no artigo 110, § 2° do Código Penal90. Ela leva em consideração a pena aplicada concretamente ao acusado em relação ao tempo transcorrido da data do fato ao recebimento da denúncia ou entre a data do recebimento da denúncia e a publicação da sentença. A aplicação da prescrição retroativa significa que o Estado não conseguiu perseguir em tempo razoável a culpabilidade do acusado.

Este projeto se propõe a por um fim no "grande gargalo da impunidade" do ordenamento jurídico brasileiro. O projeto, ainda, aumenta em um ano o tempo necessário para a prescrição os crimes cuja pena máxima não seja superior a um ano. Mais uma vez nossos legisladores pensam em resolver questões gerenciais e estruturais com leis penais.

90 Art. 110 - A prescrição depois de transitar em julgado a sentença condenatória regula-se pela pena aplicada e verifica-se nos prazos fixados no artigo anterior, os quais se aumentam de um terço, se o condenado é reincidente.

§ 1º - A prescrição, depois da sentença condenatória com trânsito em julgado para a acusação, ou depois de improvido seu recurso, regula-se pela pena aplicada.

§ 2º - A prescrição, de que trata o parágrafo anterior, pode ter por termo inicial data anterior à do recebimento da denúncia ou da queixa.

Todos sabem, e a pesquisa estatística aponta cabalmente para tal realidade, que uma grande parte dos crimes praticados no Brasil prescreve e que a prescrição retroativa é fonte que alimenta a impunidade. Mas a instrução do inquérito policial também alimenta a impunidade, seja pelo tempo de trâmite da instrução pré-processual, seja pela ineficiência da apuração conduzida no bojo do inquérito policial. E a análise vai além da dinâmica do instrumento pré- processual e atinge a estrutura do órgão responsável por sua condução.

As medidas necessárias não dizem respeito somente às modificações legislativas, mas a toda sistemática de instrução do inquérito policial (da investigação criminal) e da estrutura organizacional dos órgãos responsáveis, as polícias investigativas.

A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é farta quanto à manifestação sobre a razoável duração do processo. Colamos alguns trechos de julgados sobre o tema91 de forma exemplificativa.

 "O excesso de prazo, mesmo tratando-se de delito hediondo (ou a este equiparado), não pode ser tolerado, impondo-se, ao poder judiciário, em obséquio aos princípios consagrados na Constituição da República, o imediato relaxamento da prisão cautelar do indiciado ou do réu. Nada pode justificar a permanência de uma pessoa na prisão, sem culpa formada, quando configurado excesso irrazoável no tempo de sua segregação cautelar”, e;

 “O excesso de prazo, quando exclusivamente imputável ao aparelho judiciário – não derivando, portanto, de qualquer fato procrastinatório causalmente atribuível ao réu – traduz situação anômala que compromete a efetividade do processo, pois, além de tornar evidente o desprezo estatal pela liberdade do cidadão, frustra um direito básico que assiste a qualquer pessoa: o direito à resolução do litígio, sem dilações indevidas (CF, art. 5º, LXXVIII) e com todas as garantias reconhecidas pelo ordenamento constitucional, inclusive a de não sofrer o arbítrio da coerção estatal representado pela privação cautelar da liberdade por tempo irrazoável ou superior àquele estabelecido em lei."

A efetividade da condenação penal nos remete a questionamentos sobre o Estado que não consegue cumprir suas sentenças judiciais. A persecução penal é extremamente morosa e gera impunidade. Se tal situação é constrangedora e preocupa nossa sociedade, acresça-se a baixa efetividade das sentenças judiciais que acabam não sendo cumpridas e se amontoam no judiciário e nas polícias.

Sobre a duração razoável do processo penal é inteiramente compreensível que o emprego das garantias constitucionais do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa o tornem mais lento. Isto não acontece com a peça inquisitiva, por definição – sendo esta uma forma de equilibrarem-se os valores constitucionalmente garantidos dos Direitos

Fundamentais e da proteção ao interesse público. A fase pré-processual deveria ser célere e muito menos formal e burocrática do que acontece hoje – sem que isto signifique a violação dos citados princípios.

A burocracia do inquérito policial acaba comprometendo irremediavelmente o tempo de duração razoável de toda persecução penal, influenciando diretamente na efetividade da decisão judicial.

Vejamos o quanto à situação do sistema criminal é catastrófica com a comparação dos percentuais de inquéritos policiais que são relatados, recebidas as denúncias e prolatadas as decisões condenatórias em relação ao total de inquéritos instaurados. Mais grave ainda é perceber que do mínimo de inquéritos que concluem em sentença condenatória a polícia não consegue dar efetividade as decisões judiciais cumprindo os mandados de prisão.

A Secretaria Nacional de Segurança Pública – Senasp calcula que existem 550 mil mandados de prisão não cumpridos em todo o país e não consegue explicar o porquê de tal fenômeno. Por que as polícias não conseguem cumprir tais mandados judiciais?

Talvez a distribuição dos policiais inter corporação, onde se valoriza a burocracia administrativa, seja uma explicação parcial da questão, ou seja, que uma minoria do efetivo disponível das policias realmente está empregada na investigação criminal e tem possibilidade de conhecer as particularidades do mundo do crime. . As funções administrativas da polícia – vistas sob o prisma comum de qualquer repartição pública – devem ser realizadas por servidores para tal concursados e não por policiais. Devem servir como suporte para a realização de sua atividade-fim. De nada vale um agente de polícia ou escrivão atuando no setor de licitações, por exemplo. A estrutura das polícias – organograma e carreira funcional – não é voltada para o que deveria ser sua atividade fim: a investigação criminal. Consideramos esse ponto central na explicação do não cumprimento de tantos mandados de prisão que atualmente atingem enormemente a efetividade do processo penal.

Na obra Crime (quase) Perfeito – corrupção e lavagem de dinheiro no Brasil92,

quando perguntado para Denise Frossard por que a Justiça raramente condena em casos de corrupção, respondeu:

“no mínimo há três opções quando a Justiça não condena: a prova não foi colhida corretamente – fez-se muito jogo de cena e a prova não foi boa; a prova é boa, mais as instâncias eram muitas e ainda se está discutindo isso porque são muitas as

92 JORDÃO, Rogério Pacheco. Crime (quase) perfeito

– corrupção e lavagem de dinheiro no Brasil. São Paulo:

oportunidades para bons advogados conseguirem postergar; ou há o próprio envolvimento do Judiciário e do Ministério Público em corrupção”.

Continuando a entrevista a nova indagação foi se é comum aparição de provas boas em processos de corrupção, respondeu: “Raríssimo. Eu, por exemplo, nunca vi isso

acontecer em 14 anos de magistratura criminal. Nunca chegou uma prova de corrupção para mim”.

Tal afirmação de uma juíza aposentada que foi digna e correta nos seus atos funcionais não surpreende pelo que já dissertamos no capítulo referente aos problemas dos órgãos de polícia judiciária no Brasil. A corrupção grassa no Estado do Rio de Janeiro, conforme os casos principais mencionados no livro, mas não chega, ou raramente chega, a ser devidamente apurada pelos órgãos de polícia. Cremos que tais constatações podem ser validamente estendidas para todo o Brasil.

O atual modelo conduz o inquérito policial por portaria para situações corriqueiras, pasmem os que não conhecem a realidade da Polícia Federal, como chamar uma testemunha para fazer um reconhecimento depois de 4 anos do crime acontecido e de no inquérito policial (instaurado por portaria) existirem somente despachos protelatórios, sem qualquer outro tipo de diligências. O que acaba por influenciar a instrução da ação penal onde os juízes ouvem testemunhas depois de 4 ou 6 anos do fato criminoso.

Basta verificar o que acontecem com os inquéritos instaurados por portaria para apurar roubos contra os Correios e Caixa Econômica Federal. A grande maioria é arquivada depois de 4, 6, 8 anos ou mais pela incapacidade de identificar os autores dos crimes.

Por fim, a conclusão que não poderia ser outra. O atual modelo de instrução do inquérito policial instaurado através de portaria do delegado de polícia federal é inconstitucional por sua incapacidade de garantir os princípios da razoável duração do processo e da efetividade das decisões judiciais.

2.7 O inquérito e os princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa – o