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CAPÍTULO III A INSTITUIÇÃO POLICIAL E SEUS PROBLEMAS

3.9 A falência da política prisional

Começamos a reflexão por um trecho da excepcional obra CV_PCC - A irmandade do Crime escrito pelo jornalista Carlos Amorim.

“É preciso não esquecer que o crime não acaba com a prisão do bandido. Na cadeia, ele continua cometendo crimes. Primeiro se envolve com as relações do tráfico. De drogas, de armas, de mulheres. Depois, faz acordos com grupos mais organizados para continuar se mantendo ativo. E se manter ativo, na prisão, é o termo exato que define o bom bandido. Ele sabe que – na carreira do crime – tem que cumprir prisão. E ele sabe que a melhor maneira de sobreviver preso é se manter conectado ao mundo do crime. Aqui os advogados, os parentes, as amantes, têm papel fundamental. Assim como os presos políticos, desde Lenin, diziam que a prisão é “a universidade do revolucionário”, o preso comum sabe que esta é a melhore “escola do crime”. Na prisão, apesar da aparente ociosidade, o encarcerado trabalho o tempo todo. Trabalha para se manter vivo e em atividade criminosa.” (página 193, 1ª edição).

Noutro ponto encontramos uma reportagem do jornal O Globo de 27/03/2007 com o título: O sistema punitivo agoniza - Superlotação e mandados não cumpridos mostram déficit de 700 mil vagas em prisões. Retiramos um trecho da reportagem:

“O Brasil tem hoje uma superlotação de 150 mil presos em cadeias abarrotadas e inseguras; mais de meio milhão de foragidos por causa de 550 mil mandados de prisão jamais cumpridos pelas polícias, como mostrou ontem O GLOBO; e milhares de processos se arrastando nos tribunais, por causa de uma Justiça lenta e inoperante. Para o presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República, Nicolao Dino, o não-cumprimento de tantas ordens de prisão e a população carcerária excedente nas cadeias públicas são claros indicadores da falência do sistema punitivo do país.

— O número de mandados de prisão não cumpridos é muito elevado.

Demonstra que nosso sistema punitivo está agonizante — afirma o procurador. — O número é duplamente preocupante. Os processos em geral são lentos, o que gera uma sensação de impunidade. E os processos que chegam ao fim têm baixa efetividade, porque as ordens de prisão não são cumpridas.

Dino evita fazer críticas diretas à atuação das polícias. Ele diz não saber por que tantos mandados apodrecem nos escaninhos das delegacias de polícia.”

A falência do sistema prisional no país é flagrante, o abandono da massa presidiária forneceu o calor suficiente para o surgimento e fortalecimento do crime

organizado nos presídios brasileiros, principalmente nos grandes centros urbanos. Onde, recentemente, acompanhamos a onda de ataques ao Estado democrático de direito executados pelo Primeiro Comando da Capital em São Paulo e pelos grupos criminosos Comando Vermelho, Terceiro Comando, entre outros, no Estado do Rio de Janeiro.

Nos últimos anos verificamos que aumentou a taxa de encarceramento no Brasil, passando de 95,5 pessoas presas por 100 mil habitantes em 1995 para 141 presas por 100 mil habitantes em 2002. Esta taxa é muito variável de acordo com o Estado: o Estado de São Paulo é o maior encarcerador com 276,3 pessoas presas por 100 mil habitantes, o Distrito Federal tem 269,2, Rio de Janeiro com 147,2 e Rio Grande do Sul com 146,6. Ainda, de acordo com dados do Ministério da Justiça a distribuição dos presos por crimes cometidos é, também, muito variável de acordo com a região ou o Estado.

É evidente que do Sistema de Segurança Pública Nacional (órgãos policias, sistema penitenciário, etc) a parte menos visível e até então menos sensível a críticas por parte da sociedade organizada e imprensa relaciona-se ao que acontece intramuros dos presídios. Onde absolutamente todos envolvidos no sistema penitenciário (agentes penitenciários, policiais militares lotados nas guardas ou muralhas, diretores dos presídios e cadeias públicas, funcionários públicos, presidiários, familiares dos presidiários) são vítimas do descaso e omissão do Estado brasileiro.

Segundo os Sindicatos da categoria dos agentes penitenciários o efetivo é muito pequeno, chegando à proporção de dez agentes para mil presos e alegam que é grande o número de mortes de agentes penitenciários por doenças causadas pelo estresse e por vingança em retaliação a atuação do agente prisional. No dia 02/06/2007 foi assassinado mais um agente penitenciário (agente de disciplina) no Ceará102. Ele era lotado no Instituto Presídio Professor Olavo Oliveira II (IPPOO) e foi atingido por três tiros de revólver quando retornava para sua residência depois de sair do presídio. As características do assassinato são claramente de atentado por motivo de vingança relacionado à repressão interna no presídio. Recentemente foi descoberta a escavação de três (3) túneis que seriam usados em fugas e se intensificaram as vistorias para apreender celulares e drogas dentro das celas.

Os criminosos e o crime organizado agem de forma violenta contra os agentes estatais, enquanto o Estado é omisso em estabelecer políticas apropriadas para cada setor e em fazer os investimentos financeiros necessários. Digno de críticas também é a sistemática adotada pela Secretaria de Justiça do Estado do Ceará em realizar concursos para o cargo de Agente Prisional vinculando o cargo a cada Unidade Prisional. Assim dificulta-se a remoção –

a pedido ou por interesse do serviço – de agentes ameaçados ou mesmo suspeitos de corrupção.

O abandono do sistema penitenciário é tamanho que somente após se esgotar um longo período histórico de necessidades e promessas, incluindo aqui os dois mandatos neoliberais de Fernando Henrique Cardoso, é que foi construído o Sistema Penitenciário Federal com a construção de alguns presídios federais. Há muito eram extremamente necessários para todo o Sistema de Segurança Pública Nacional.

MODELO ECONÔMICO EXCLUDENTE - Verificamos que existem pontos congruentes entre o avanço da criminalidade, a ausência de investimentos em segurança pública (nos órgãos policiais, no sistema penitenciário, etc) e o modelo de exclusão econômica que vivemos no Brasil.

É inegável que somente quando a situação extrapola as “muralhas” existentes entre as camadas sociais é que nossa sociedade elitizada e nossa imprensa parcial se apercebem do problema e passam a cobram soluções. É essa conjuntura social e de criminalidade que transbordou todos os muros entre as camadas sociais que encontramos no Brasil.

Não somos adeptos da teoria que as desigualdades sociais, a miséria, pobreza e o desemprego determinam o aumento da violência e da criminalidade no Brasil. A imensa maioria dos brasileiros é pobre e honesta. Defendemos que estes fatores influenciam, mas nunca determinam, do contrário não teríamos tantas quadrilhas desvendadas nos últimos anos onde participam políticos expressivos, grandes empresários, altos funcionários públicos, renomados escritórios advocatícios, juízes e desembargadores. São gestados em confortáveis gabinetes os crimes que maiores danos causam à sociedade. Estes, sim, condenam gerações de crianças à desnutrição e à falta de educação, produzindo mão de obra barata para o tráfico de drogas.

A criminalidade não se justifica simplesmente pela posição econômica e social do agente criminoso como demonstra uma pesquisa realizada pela ONU103 onde no Brasil registra-se uma média anual de roubos por 100 mil habitantes muito superior à de países mais pobres como Índia, Turquia e Tailândia.

Existe, sim, um inter-relacionamento complexo entre o aumento da criminalidade e a situação do quadro social extremamente excludente, advindo do modelo econômico neoliberal que também se reflete na falta de investimentos e soluções políticas para segurança pública.

103 O Estado de São Paulo, 26 de março de 2001.