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CAPÍTULO II – O INQUÉRITO POLICIAL E A INVESTIGAÇÃO CRIMINAL

2.2 A finalidade do inquérito policial

Fernando Capez80 define o inquérito policial como:

“o conjunto de diligências realizadas pela polícia judiciária para a apuração de uma infração penal e de sua autoria, a fim de que o titular da ação penal possa ingressar em juízo (CPP, art 4º). Trata-se de procedimento persecutório de caráter administrativo instaurado pela autoridade policial. Tem como destinatários imediatos o Ministério Público, titular exclusivo da ação penal pública (CF, art. 129, I), e o ofendido, titular da ação penal privada (CPP, art. 30); como destinatário mediato tem o juiz, que se utilizará dos elementos de informação nele constantes, para recebimento da peça inicial e para formação do seu convencimento quanto à necessidade de decretação de medidas cautelares” (grifo nosso).

78 § 3º - As comissões parlamentares de inquérito, que terão poderes de investigação próprios das autoridades judiciais, além de outros previstos nos regimentos das respectivas Casas, serão criadas pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal, em conjunto ou separadamente, mediante requerimento de um terço de seus membros, para a apuração de fato determinado e por prazo certo, sendo suas conclusões, se for o caso, encaminhadas ao Ministério Público, para que promova a responsabilidade civil ou criminal dos infratores.

79 I - processar e julgar o Presidente e o Vice-Presidente da República nos crimes de responsabilidade, bem como os Ministros de Estado e os Comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica nos crimes da mesma natureza conexos com aqueles;

II - processar e julgar os Ministros do Supremo Tribunal Federal, os membros do Conselho Nacional de Justiça e do Conselho Nacional do Ministério Público, o Procurador-Geral da República e o Advogado-Geral da União nos crimes de responsabilidade;

Aduzindo que o processo penal segue o princípio da verdade real, Fernando Capez escreve81 “No processo penal, o juiz tem o dever de investigar como os fatos se

passaram na realidade, não se conformando com a verdade formal constante dos auto”.

Júlio Fabbrini Mirabete82 diz que o inquérito policial é “destinado a fornecer ao órgão da acusação o mínimo de elementos necessários à propositura da ação penal” (grifo

nosso).

Os exemplos mostrados acompanham quase toda a doutrina quanto à finalidade do inquérito policial (e da investigação criminal). Percebe-se a existência de diferenças entre as finalidades do inquérito policial e do processo penal. Para a grande maioria da doutrina o processo tem a finalidade de descobrir a verdade real (ou modernamente a verdade processual que tende à verdade dos fatos) para que o Estado aplique com correção e justiça seu poder/dever ao jus puniendi. Por sua vez, o inquérito tem a finalidade de fornecer os elementos necessários à acusação, servindo como base da ação penal.

Ora, se o inquérito policial serve como peça informativa ao juiz na busca pela verdade real ou substancial, então deve o inquérito colher integralmente todos os elementos constitutivos da verdade e não somente os que interessam ao órgão acusador. Deve ser pressuposto para a correção do jus puniendi estatal que os órgãos responsáveis pela investigação criminal busquem a verdade dos fatos, já que se discute na persecução penal importantes direitos e garantias individuais como a liberdade. Quem revela a verdade real ao juiz é exatamente a instrução criminal, de que faz parte o inquérito policial desde sua instauração.

A investigação criminal formalizada num inquérito policial serve para a apuração da verdade dos fatos apresentados na notitia criminis, servindo ou não ao órgão acusador. O inquérito policial não é um instrumento exclusivamente direcionado à acusação e a preparação da denúncia. O inquérito não tem a finalidade de sempre servir à acusação e sim de perseguir a verdade através da apuração do crime noticiado, de sua materialidade e autoria.

Podemos ter um inquérito que colha provas cabais inocentando um suspeito. Igualmente pode trazer evidências conclusivas sobre a atipicidade de um fato descrito anteriormente como crime. Em ambos os casos os inquéritos cumpriram sua finalidade de perseguir a verdade real e não serviram nem à acusação nem para a preparação da ação penal.

O próprio Código de Processo Penal em seu artigo 6º, inciso III, obriga a autoridade policial a “colher todas as provas que servirem para o esclarecimento do fato e

81 Na mesma obra.

suas circunstâncias”. Significando que cabe a autoridade policial perseguir todos os

elementos constitutivos da verdade do fato e suas circunstâncias, verificando elementos que indiquem, por exemplo, a ausência da culpabilidade ou da antijuridicidade da conduta.

O Código de Processo Penal, bem como o Estatuto da Criança e do Adolescente e a Lei dos Juizados Especiais Civis e Criminais permitem que o Ministério Público movimente a persecução penal em juízo sem as provas trazidas pelo procedimento policial. Porém, na esmagadora maioria dos casos, o dominus litis depende do que lhe foi trazido pelo Inquérito, Termo Circunstanciado ou Procedimento Especial. É a partir destes insumos que irá formar seu exclusivo juízo acusatório. Este, a rigor, pode ser negativo e conduzir a novas diligências, ao pedido de arquivamento ou à denúncia/representação por delito/ato infracional diverso. Quer concorde ou não com o material que lhe é fornecido, é com ele que irá trabalhar o Ministério Público, ao menos inicialmente.

A correta instrução na busca da verdade real evita a inútil atividade persecutória conduzindo de forma fundamentada a postulação ministerial pelo arquivamento da peça inquisitorial. Evitando, assim, gastos de recursos e de tempo que acontecem (como bem demonstra a pesquisa estatística) quando a instrução do inquérito policial já buscou por todos os meios disponíveis o conhecimento da verdade dos fatos e ainda permanece tramitando.

Então, a finalidade do inquérito policial é perseguir todos os elementos constitutivos da verdade do fato noticiado como criminoso, podendo, para tanto, conduzir à ação penal ou descartá-la. Em ambas as conclusões o inquérito policial atinge seu fim que é procurar a verdade dos fatos que envolvem um evento noticiado como crime. A verdade não interessa somente ao processo, como base de uma sentença justa, mais também ao inquérito policial como instrumento de formalização da investigação criminal que apura os fatos e as circunstâncias verdadeiras ou não constantes de uma notícia crime.

A polícia investigativa deve se pautar pela busca incessante da justiça através da coleta das verdadeiras provas e indícios dos crimes noticiados e não procurar injustificadamente culpados ou provas apenas para servir de base a acusação. Concluímos que não é tecnicamente aceitável a generalizada idéia de que o trabalho da polícia é de alguma forma “subalterno” ou produtor de “meras peças de informação” para sempre subsidiar a acusação.

Percebemos que esta equivocada posição doutrinária tem sua origem exatamente na desconfiança da instrução realizada pelo órgão policial, como se a instrução processual fosse confiável e verdadeira e a instrução pré-processual realizada pela polícia nem sempre. Tal desconfiança tem base concreta em virtude do desenvolvimento histórica de nossos órgãos

policiais que caminhavam ao sabor da conveniência e necessidade dos governos e classes econômicas mais favorecidas. Lembremos ainda dos desvios de finalidade a que as sucessivas ditaduras submeteram os órgãos policiais, que por décadas83 foram precipuamente instituições repressivas dos movimentos populares, sem cogitar da repressão da criminalidade de “colarinho branco” instalada no poder. Assim as policiais se estruturaram com várias “carreiras”, o inquérito policial foi estruturado de forma centralizada e burocrática e ainda não temos os institutos garantidores da independência funcional e inamovibilidade.