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Centralismo político e de gestão Centralismo da investigação criminal

CAPÍTULO III A INSTITUIÇÃO POLICIAL E SEUS PROBLEMAS

3.5 Centralismo político e de gestão Centralismo da investigação criminal

Aqui fazemos novamente uma distinção entre as operações policiais cotidianas e as de grande envergadura (destas noticiadas pela grande imprensa nacional) que são conduzidas por verdadeiras equipes compostas por delegados, agentes, peritos criminais, papiloscopistas e escrivães de polícia federal. Nas grandes operações existe uma distribuição de tarefas bem definida, sendo ela desenvolvida de acordo com as habilidades/capacidade/especialidade de cada membro da equipe de investigação. Aqui se respeita a hierarquia de forma simultânea à habilidade/especialidade da função desempenhada pelo policial, independente do cargo. Aqui funciona o processo de investigação criminal conduzido por uma equipe onde seus membros são co-responsáveis pela condução da investigação, pelo sucesso ou insucesso da operação.

Como já expresso anteriormente o presente trabalho procura analisar o inquérito policial instaurado por portaria e conduzido por seu presidente de forma exclusiva e fragmentada (onde possui atribuições privativas e indelegáveis por força de normas infralegais). Isto é a regra nas investigações comuns onde a notitia criminis chega a uma unidade da Polícia Federal e é distribuída para um delegado de polícia federal instaurar o procedimento administrativo97.

97 CPP, Art. 5o Nos crimes de ação pública o inquérito policial será iniciado: § 3o Qualquer pessoa do povo que tiver conhecimento da existência de infração penal em que caiba ação pública poderá, verbalmente ou por escrito, comunicá-la à autoridade policial, e esta, verificada a procedência das informações, mandará instaurar inquérito.

Novamente, Denise Frossard responde a uma pergunta98:

“Mas no caso dos bicheiros havia provas, tanto que a senhora os condenou:

Sim, mas porque o trabalho investigativo foi feito pelo Ministério Público, por promotores abnegados e que foram lá e investigaram (a denúncia no caso foi apresentada pelo promotor público Antônio Biscaia). O inquérito policial era fininho, não tinha prova alguma. O inquérito é atribuição da polícia. O detalhe é que a polícia hoje no Brasil é, de certa forma, o órgão mais infectado pelo vírus da corrupção. Isso em razão de ela estar mais próxima do fato e, portanto, mais suscetível a isso. A prova, muitas vezes, morre ali.”

Daí resultam outras conclusões a respeito da corrupção no inquérito policial. Uma delas, e de fundamental importância na compreensão da estrutura dos órgãos de polícia judiciária como fator possibilitador da corrupção e ineficiência do trabalho de investigação criminal, é o poder centralizado no cargo de delegado de polícia, tanto do ponto de vista da gestão como da investigação criminal. A centralização de todos os atos cognitivos policiais ou de raciocínio lógico na condução do inquérito policial propicia facilmente seu direcionamento para a tese defendida ou pretendida propositalmente pelo delegado de polícia.

Qualquer investigador de polícia que divirja da linha de investigação adotada pelo delegado de polícia (presidente do inquérito policial) está automaticamente afastado do setor ou da delegacia a qual se encontra lotado. O normal é que os investigadores de polícia (ou agentes de polícia federal) se abstenham de “comprar” brigas com os delegados de polícia em função de divergências quanto à condução das investigações criminais porque não lhes resta opção de recurso na estrutura dos órgãos das polícias judiciárias. As corregedorias (chefiadas por delegados de polícia), em poucos casos, apuram infrações administrativas dos próprios delegados, mesmo porque a presidência da peça administrativa é uma atribuição “exclusiva” e indelegável e sua condução é um poder discricionário do delegado de polícia.

Daí ser extremamente fácil conduzir o inquérito policial para o escaninho do ARQUIVADO por insuficiência de provas ou por não identificação da autoria.

Durante dez (10) anos no Departamento de Polícia Federal tivemos a oportunidade de vivenciar diversos episódios onde um delegado de polícia direcionou deliberadamente o inquérito policial para beneficiar um indiciado ou réu preso. Citamos um exemplo real, apenas para ilustrar a gravidade da situação:

 Um grande traficante de drogas que era investigado pela Delegacia de Entorpecentes da Polícia Federal foi preso por policiais civis; juntamente com o grande traficante é preso um parceiro de crime e apreendida grande

98 JORDÃO, Rogério Pacheco. Crime (quase) perfeito – corrupção e lavagem de dinheiro no Brasil. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2002. p. 41.

quantidade de droga; imediatamente a prisão a PF toma conhecimento que o delegado de polícia civil, responsável pela lavratura da prisão em flagrante, estava solicitando R$ 40 mil para não autuar o traficante preso. Como a PF não tinha como provar o crime de corrupção passiva em andamento resolveu fazer um contato com a polícia civil para “averiguar” se haviam mesmo efetuado aquela prisão, já que o traficante preso era investigado pela PF. O contato foi feito com o delegado de polícia civil que se viu obrigado a confirmar a prisão do traficante; diante da situação o delegado de polícia criminoso, responsável por lavrar o auto de prisão em flagrante, manteve o acordo de ajudar o grande traficante de drogas em troca do dinheiro solicitado quando da “montagem” do inquérito policial. Tudo acertado entre delegado, advogado e o traficante preso. O delegado direcionou todas as provas do tráfico de drogas para o parceiro do traficante preso inocentando o grande traficante. Assim, os advogados do grande traficante logo conseguiram sua inocência e, depois de poucos meses, a liberdade provisória com posterior absolvição do parceiro de crime que continuara preso. O delegado de polícia civil acabou levando o dinheiro do tráfico com o simples direcionamento do inquérito policial. E só para conhecimento e espanto dos que desconhecem a corrupção no meio policial, ainda ficou com parte da droga apreendida para repassá-la a outro traficante amigo (o preço de 1 kg de cocaína em Fortaleza pode chegar a R$ 18 mil).

Qualquer investigação criminal (conduzida e formalizada pelo inquérito policial) deveria ser conduzida por uma equipe de policiais chefiada ou coordenada por um experiente e capacitado policial posicionado hierarquicamente acima dos demais. Onde seus membros possuíssem habilidades/capacidades/especializações diferenciadas nas áreas da investigação criminal e tivessem a oportunidade de realizar a cognição, desenvolvendo suas habilidades através do raciocínio lógico criminal diante do caso concreto, estabelecendo, assim, cada membro da equipe certo grau de responsabilidade na condução do inquérito policial.

Ao contrário do que acontece hoje onde o trabalho de cognição (adoção da linha de investigação, do provável modus operandi adotado no crime, dos prováveis suspeitos, etc) é centralizado no presidente do inquérito policial (delegado de polícia federal). No atual modelo o presidente do inquérito investiga através de despachos elaborados por ele e formalizados pelo escrivão de polícia, onde constam as diligências que devem ser executadas

pelo agente de polícia federal, as ações a serem perseguidas de acordo com suas convicções advindas do seu exclusivo trabalho cognitivo. A investigação criminal conduzida no inquérito é completamente fragmentada entre o delegado, o agente, o perito, o escrivão e o papiloscopista, aonde o agente que vai a rua e tem contato com certos aspectos do crime não tem noção do que os peritos criminais estão fazendo em razão da perícia do local do crime ou nos objetos apreendidos, e vice-versa. Onde as equipes de agentes de polícia não têm conhecimento do que está sendo produzido por cada uma e do que já foi produzido anteriormente. Tudo fica absolutamente centralizado no presidente do inquérito.

A instrução do inquérito policial deveria ser objetiva e ágil, livre dos entraves burocráticas, dos despachos e certidões inócuas, voltada exclusivamente para apurar a materialidade delitiva e produzir provas. Hoje a investigação criminal técnico-científica é substituída pela simples inquirição de testemunhas, que é um ato administrativo privativo e indelegável do delegado de polícia federal.