• Nenhum resultado encontrado

CAPÍTULO III A INSTITUIÇÃO POLICIAL E SEUS PROBLEMAS

3.2 Promoção

A atual estrutura da promoção dentro dos cargos estanques e divididos do Departamento de Polícia Federal nivela todos servidores policiais por baixo. Leva-se em conta apenas a antiguidade e o aspecto disciplinar.

A moderna gestão de recursos humanos aponta o capital intelectual dos servidores como fator fundamental para administração pública atingir seus fins. Tal pressuposto deve levar em consideração de forma sistemática a valorização do capital humano. Muitos atribuem o atual estágio de grandes operações policiais levada a cabo pelo Departamento de Polícia Federal contra a corrupção e quadrilhas de colarinho branco, organizadas há décadas no Brasil, a qualidade e potencial do corpo funcional do Departamento. Concordo plenamente

com a análise. E acrescento que o grande salto na qualificação dos profissionais de

segurança pública que entraram no Departamento de Polícia Federal foi à exigência do nível superior para todos os cargos. Isso sem desmerecer os bravos e heróicos policiais

federais já aposentados, com os quais aprendemos tudo de investigação criminal – aqui fazemos questão de citar alguns professores de polícia que tivemos a honra e o orgulho de trabalhar: Agentes de Polícia Federal Monte (Manuel Lima Monte) e Cezinha (Antônio Cesar de Freitas Ferreira), entre outros da mesma estirpe.

O engraçado e contraditório é que os que detêm a gestão do DPF nunca aproveitaram satisfatoriamente este corpo funcional extremamente qualificado. Não permitem por miopia e medo de perder privilégios a carreira única ou a simples promoção de agente

especial para delegado (seria fácil propor e encaminhar uma proposta de emenda a

Constituição se para tanto é necessário).

Temos agentes, escrivães e papiloscopistas policiais federais formados em engenharia civil, contabilidade, computação/informática, dentistas, matemática, biologia, etc. Uma gama enorme e diversificada de formação superior com amplas condições de aproveitamento destes conhecimentos adquiridos para as áreas técnicas e científicas que compõem a investigação criminal. O que acontece é a completa subutilização do conhecimento destes profissionais de segurança pública. O que deveria ser um catalisador que viabilizasse o desenvolvimento da investigação criminal acaba por ficar amorfa e abandonada pela estrutura centralizadora e burocratizada do inquérito policial.

As potencialidades existentes não são utilizadas porque não se delega a investigação de um crime ambiental que apura o desvio de um riacho para um agente de polícia federal formado em engenharia civil. Ou uma investigação que apura a ação de hacker ser conduzida de forma centralizada por um delegado que não conhece nada de informática e transmissão de dados, enquanto temos um agente de polícia federal bacharel em computação capaz de realizar a investigação de forma cooperada e interdisciplinar.

Voltamos a afirmar que tais contribuições dos outros cargos só acontecem nas operações policiais de maior vulto quando de fato se trabalha em equipe e cada membro responde por aspectos da investigação criminal realizando, assim, trabalho cognitivo em relação ao todo investigado e responsabilidades de acordo com a habilidade e a especialização do policial componente da equipe. Aqui existe interatividade, cooperação na cognição policial e interdisciplinaridade.

A qualificação, o mérito, a dedicação ao trabalho policial não são levados em conta na hora da promoção. Tal estrutura não traz motivação para o servidor ser aplicado,

diligente, atualizado nas técnicas operacionais e de investigação. Para o Departamento de Polícia Federal tanto faz se o policial investigador é extremamente capacitado e já participou de inúmeras operações bem sucedidas ou se é relapso e nunca contribuiu com as ações da Polícia Federal, ambos policiais serão promovidos de acordo com seu tempo de exercício no cargo.

A meritocracia tanto falada pela eminente juíza aposentada Denise Frossard passa muito longe da política de gestão do órgão.

No mesmo diapasão insistimos na necessidade de instituir a carreira única. Existiria melhor forma de desenvolver a investigação criminal do que promover para chefes/coordenadores dos instrumentos de formalização pré-processual (inquérito policial) aqueles policiais investigadores que se destacaram em sua atividade? Não caberia promoção para um agente de polícia federal bacharel em direito, capacitado e testado na práxis policial em inúmeras operações para chefe de investigação criminal (e do inquérito policial que formaliza a investigação)? Mesmo na atual estrutura não seria demérito pessoal nenhum a possibilidade de delegar-se a condução do inquérito, conforme suas especificidades, ao policial mais capacitado.

O que leva o Departamento de Polícia Federal a atribuir caráter privativo e indelegável94 aos atos administrativos próprios do inquérito policial se em média mais de 60%95 dos inquéritos policiais instaurados por portaria são arquivados de pronto pelo judiciário por ausência de apuração da materialidade delitiva, não identificação da autoria ou pela prescrição da pretensão punitiva?

A questão da promoção é fundamental para boa gestão administrativa e financeira dos órgãos policiais. A escolha para gerir a máquina pública do tipo policial deve levar em consideração critérios de formação teórico-acadêmica na área de gestão pública e conhecimento da atividade de investigação criminal (no topo da idealizada carreira única policial). Hoje o critério é puramente político. Devido ao critério inadequado é fácil encontrar dirigentes dentro do DPF que gerem mal a máquina pública do ponto de vista administrativo/financeiro e das atividades fins da polícia investigativa por falta de conhecimento na área de investigação criminal ou por medo de problemas políticos e administrativos.

Para ilustrar a falta de conhecimento e o desinteresse pela atividade policial de nossos dirigentes citamos dois momentos vivenciados.

94In Instrução Normativa nº 11/2001.

O primeiro aconteceu quando o efetivo de uma operação policial foi reunido para comentar o resultou da prisão de membros da perigosa quadrilha de assaltantes de banco conhecida como bando dos Carneiros (família da região de Mossoró/RN onde membros vivem há três gerações no crime). O palco da operação aconteceu na cidade de Tabuleiro do Norte/CE onde foi preso o temido assaltante e homicida Francimar Carneiro, vulgo Cimar, portando um fuzil norte-americano AR 15 (com modificação para dar rajada). Quando o dirigente do órgão foi questionado pelos policiais federais que a Superintendência não dispunha de nenhum fuzil respondeu que a arma fuzil não serve para o trabalho policial, que a submetralhadora HK MP5 que a PF possui é ideal para o trabalho.

Posteriormente, quando o Departamento de Polícia Federal (Direção Geral em Brasília) comprou um grande lote de fuzis produzidos na França, o mesmo dirigente, por ter a opinião antes expressa, fez gestão para que apenas dois fuzis franceses fossem transferidos para a PF do Ceará. Hoje, a Polícia Federal no Estado do Ceará tem somente dois fuzis, ficando um na própria Superintendência e outro na Delegacia em Juazeiro do Norte. Comparativamente somente a Delegacia de Salgueiro/PE (da PF) possui 9 fuzis de calibres 556 e 762. A postura em questão diverge radicalmente com a realidade do crime em todo o país onde os criminosos encontram-se armados com fuzil. Quem possui o mínimo de conhecimento em armamento e munição sabe que o calibre 9 mm (utilizado pela submetralhadora HK MP5) não enfrenta o poder de fogo de um fuzil calibre 556. É um exemplo de decisão sem respaldo na doutrina de segurança pública, na realidade das ações criminosas no Brasil e nos conhecimentos sobre armamento e munição.

No segundo exemplo o dirigente do órgão reuniu todo o efetivo da Superintendência e afirmou que os policiais lotados no Ceará estão atrasados por ainda empregar o método de usar informantes nas investigações quando existem modernos métodos como a interceptação telefônica. Ora, os doutrinadores e estudiosos da investigação criminal versam que os métodos de investigação são utilizados de acordo com as possibilidades, o nível e a forma como se organiza o crime. Não existe uma hierarquia dos métodos ou uma mútua exclusão entre os mesmos. Eventualmente a organização criminosa que se pretende reprimir é mais imune as interceptações telefônicas e o método mais adequado é a infiltração policial ou a cooptação de informante com acesso aos chefes da organização etc. Na repressão a organizações mais complexas o ideal é combinar os métodos investigativos pertinentes e disponíveis para o caso concreto. Tal postura de condenar o uso de informantes é mais uma característica da burocratização da investigação conduzida em inquéritos completamente afastados do modus operandi e modus vivendi dos criminosos.

Se afastar do crime, do criminoso e das pessoas que têm contato direto com o crime não ajuda a apurar o fato delituoso, mas, sem dúvida, torna a vida funcional do investigador policial muito tranqüila e muito próxima da estante dos inquéritos arquivados por deficiência na apuração da materialidade delitiva e identificação da autoria (como comprova a pesquisa estatística).

Por tudo, é fundamental modificar o processo de seleção para classificar os mais aptos ao trabalho policial, é fundamental instituir a promoção por critérios de mérito, qualificação e antiguidade e é fundamental fazermos a carreira única no Departamento de Polícia Federal. Tem-se que valorizar o trabalho honesto, capacitado e experiente numa carreira única na Polícia Federal.