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A regulamentação do inquérito policial e da investigação criminal

CAPÍTULO II – O INQUÉRITO POLICIAL E A INVESTIGAÇÃO CRIMINAL

2.4 A regulamentação do inquérito policial e da investigação criminal

Hoje a instrução do inquérito policial instaurado por portaria é unicamente responsabilidade do delegado de polícia federal, onde somente ele conduz de forma privativa e indelegável a investigação criminal. Aos peritos e agentes de polícia federal cabem-lhes cumprir solicitações e ordens emanadas da atividade cognitiva do presidente do feito administrativo. Ao perito e agente não é apresentado o tudo do caso policial. Neste modelo, como já dito anteriormente, a investigação criminal é fragmentada e não resulta de esforços conjugados dos policiais que detêm conhecimentos criminológicos e criminalísticos.

A normatização infralegal produzida pelo Departamento de Polícia Federal através de suas instruções normativas, orientações normativas, portarias e mensagens sempre atuam no sentido de centralizar e burocratizar o procedimento administrativo próprio para formalizar a investigação criminal. Criam, assim, uma normatização que engessa a persecução penal no seu nascedouro favorecendo aos próprios delegados de polícia federal. Legislam em causa própria quando mantêm o centralismo das decisões administrativas das investigações criminais conduzidas nos inquéritos policiais. Em alguns casos extrapolam a finalidade regulamentar da norma infralegal e acabam inovando na criação de conceitos, obrigações e direitos que caberia ao Poder Legislativo através da elaboração de leis. É um fato que precisa ser acompanhado quanto à constitucionalidade de tais normas.

O Departamento de Polícia Federal procurou normatizar os procedimentos e as técnicas de investigação de forma a burocratizá-las e amarrá-las ao inquérito policial. É o caso da orientação e mensagem da Corregedoria Geral de Polícia que exige que os pedidos judiciais de busca e apreensão e interceptação telefônica só sejam realizados em inquéritos policiais já instaurados. Ora, não encontramos tal absurdo na legislação pátria e os

posicionamentos jurisprudenciais também são contrários a esta normatização. Vejamos o entendimento do STJ no HC nº 43.234 – SP:

HABEAS CORPUS Nº 43.234 - SP (2005/0060266-1). RELATOR: MINISTRO GILSON DIPP. EMENTA. CRIMINAL. HC. EXTORSÃO MEDIDANTE SEQÜESTRO. INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA. IRREGULARIDADES. AUSÊNCIA DE PREJUÍZO. NULIDADE. NÃO OCORRÊNCIA. LEGALIDADE DA PROVA.

I. A interceptação telefônica para fins de investigação criminal pode se efetivar antes mesmo da instauração do inquérito policial, pois nada impede que as investigações precedam esse procedimento. “A providência pode ser determinada para a investigação criminal (até antes, portanto, de formalmente instaurado o inquérito) e para a instrução criminal, depois de instaurada a ação penal.”

II. Não carece de fundamentação a decisão que, embora sucintamente, autorizou a interceptação telefônica em conformidade com o disposto no art. 5º da Lei 9.296/96, na medida em que demonstrada a sua indispensabilidade como meio de prova com a indicação da forma de execução da diligência, não superior a quinze dias.

III. Não se anula o procedimento por ausência de intimação do Ministério Público para acompanhar as diligências, ante a ausência de comprovação de prejuízo à parte.

IV. Tendo sido respeitado o sigilo das diligências, o fato da interceptação não ter operado em autos apartados não induz à nulidade do procedimento se a impetração não logrou êxito em demonstrar a ocorrência de qualquer prejuízo ao paciente advindo dessa irregularidade.

V. Tratando-se de nulidade no Processo Penal, é imprescindível, para o seu reconhecimento, que se faça a indicação do prejuízo causado ao réu, o qual não restou evidenciado no presente caso.

VI. Se a sentença se fundou em outros elementos do conjunto probatório, independentes e lícitos, não se reconhece a apontada imprestabilidade da interceptação telefônica para embasar a condenação, em especial quando tal prova não se mostra ilícita.

VII. A busca domiciliar não pode vir desamparada de mandado judicial, do qual só se prescinde quando a diligência for realizada pessoalmente pela autoridade judicial. VIII. Hipótese em que o mandado judicial foi expedido, tendo sido constatado que as investigações não se limitavam ao crime de extorsão mediante seqüestro, mas a outros delitos de caráter permanente – dentre os quais o de formação de quadrilha -, cujos produtos de crime foram apreendidos na mesma oportunidade, ocasião em que o paciente acabou sendo preso em flagrante.

IX. Ordem denegada.

Brasília (DF), 3 de novembro de 2005(Data do Julgamento)

Vejamos a normatização infralegal produzida pelo Departamento de Polícia Federal:

Orientação Normativa nº 006, de 05 de maio de 2006.

O CORREGEDOR-GERAL DE POLÍCIA FEDERAL, no uso das atribuições que lhe confere o art. 31, inciso I, do Regimento Interno do DPF, aprovado pela Portaria 1.300, de 04 de setembro de 2003, do Ministro de Estado da Justiça, levando em conta o disposto no art. 28, incisos I e II, da Estrutura Regimental do Ministério da Justiça, aprovada pelo Decreto 5.535, de 15 de setembro de 2005; e

...

Tendo em vista que por força do art. 065 da Lei 5.010, de 30 de maio de 1966, a polícia judiciária federal é exercida pelas autoridades policiais do Departamento de Polícia Federal e tem por fim a apuração das infrações penais e de sua autoria, conforme o art. 4o. Decreto-lei 3.689, de 03 de outubro de 1941 – Código de Processo Penal,

RESOLVE: ...

II – Os atos próprios de autoridade policial no exercício das funções de polícia judiciária, tais como: inquirição (termo de depoimento, termo de declaração, termo de acareação, auto de qualificação e interrogatório, e auto de prisão em flagrante delito); requisição de exames periciais; determinação de intimação; formalização de apreensão de coisas (por meio de auto de apreensão); representação para a prisão preventiva, entre outros previstos em leis, são indelegáveis.

III – As demais diligências e providências necessárias para a verificação da procedência de notitia criminis serão determinadas pela autoridade policial, por meio de ordem de missão policial.

...

VI – Em decorrência do acima exposto, os demais servidores policiais federais, quando designados para auxiliarem na verificação de procedência de informação de infração penal, não poderão praticar atos privativos de autoridade policial federal.

(negritos nosso)

A princípio, toda regulamentação referente à investigação criminal começa definindo que a autoridade de polícia é o delegado de polícia federal numa completa inovação legislativa, já que o Código de Processo Penal não expressa isso.

Como visto, cabe ao agente de polícia federal somente esperar as ordens de seu superior hierárquico, esteja certo do ponto de vista da apuração criminal diante do caso concreto ou não. No item II temos que os atos próprios de autoridade policial no exercício de suas funções são indelegáveis; no item III temos que as diligências necessárias serão determinadas pela autoridade policial e no IV que somente a autoridade policial federal poderá praticar os atos privativos próprios na instrução da investigação prévia ou do inquérito policial.

Já anotamos o distanciamento do delegado de polícia federal de todos os momentos, objetos ou pessoas que se ligam de alguma forma ao crime. Seu distanciamento começa com o desrespeito a norma contida no CPP (art. 6º, I)88 quando na maioria das vezes não comparece ao local do crime, resumindo sua participação inicial a ordenar que agentes de polícia federal dirijam-se ao local para preservá-lo e solicitar que peritos criminais realizem a perícia do local do crime. Não raro o delegado de polícia federal só toma conhecimento dos objetos apreendidos através do laudo pericial e da situação do local, modus utilizado e da identificação das testemunhas através do relatório de missão do agente de polícia federal. Já no início da apuração seu vínculo é burocrático, distante e passivo.

Aquela investigação imediata que aproveita o calor dos acontecimentos, que age de acordo com o fundamental princípio da oportunidade é, quase sempre, relegada para um

88 Art. 6o Logo que tiver conhecimento da prática da infração penal, a autoridade policial deverá:

I - dirigir-se ao local, providenciando para que não se alterem o estado e conservação das coisas, até a chegada dos peritos criminais.

momento posterior quando o chefe da investigação e presidente do inquérito (ambos a mesma pessoa) despacha suas ordens a partir da leitura dos laudos e relatórios produzidos. E, claro, já com o inquérito instaurado por portaria. Perceba a gravidade da estrutura que só permite ao delegado o conhecimento do laudo da perícia técnica e dos relatórios de campo dos agentes, o agente não conhece o laudo técnico e o perito não conhece o relatório de campo.

Na outra situação de operações desenvolvidas pelos setores operacionais da própria Polícia Federal – como na mencionada DRE – tais absurdos não acontecem porque tudo funciona em equipe. Aqui os setores de inteligência e operacional são chefiados por experientes policiais federais que reúnem as equipes de trabalho e constroem a operação, enquanto o delegado, como superior hierárquico, chefia toda a operação. Não raro as diligências acontecem e somente posteriormente o delegado toma conhecimento. Aqui há a delegação inevitável de tarefas e todos agem de acordo com suas responsabilidades e habilidades específicas sem que a disciplina e a hierarquia sejam desrespeitadas.

Passamos agora a estudar outra norma administrativa do Departamento de Polícia Federal.

INSTRUÇÃO NORMATIVA No. 11, DE 27 DE JUNHO DE 2001

Atualiza, define e consolida as normas operacionais para execução da atividade de Polícia Judiciária no âmbito do Departamento de Polícia Federal e dá outras providências.

O DIRETOR-GERAL DO DEPARTAMENTO DE POLÍCIA FEDERAL, no uso da atribuição que lhe confere o artigo 33, item VII, do Regimento Interno do DPF, aprovado pela Portaria Ministerial 213/MJ, de 17.05.1999, publicada no DOU n.º 93-E, de 18 de maio de 1999, e

CONSIDERANDO a necessidade de simplificar e dar maior celeridade aos feitos pré-processuais, afetos à competência do Departamento de Polícia Federal;

CONSIDERANDO a exigência de maior transparência, qualidade, eficiência e eficácia das investigações criminais realizadas no âmbito federal, e;

CONSIDERANDO a necessidade de se instituir mecanismos de fiscalização, controle e avaliação das atividades de Polícia Judiciária.

A motivação da presente Instrução Normativa seria de simplificar, dar maior celeridade a instrução do inquérito policial, maior transparência, eficiência e eficácia as investigações criminais. Em virtude da apresentação da pesquisa estatística no presente trabalho acadêmico verificamos que tais objetivos não estão sendo alcançados na instrução pré-processual – pelo inquérito policial instaurado por portaria.

Estes resultados indicam que dos inquéritos instaurados por portaria durante o ano de 1999, já relatados, tivemos 72,34% arquivados por diversas razões ou com sentença absolutória na ação penal, 6,38% o MP propôs a suspensão condicional do processo ou a transação penal, 5,11% ainda tramitam na Justiça Federal sem sentença de 1º grau (mesmo após 8 anos de persecução) e 8,93% a Justiça Federal declinou sua competência para julgar.

Graves são os dados apresentados quanto às condenações:

 5,11% dos inquéritos instaurados por portaria chegaram ao final da persecução penal com condenação a pena restritiva de direitos, e;

 2,13% dos inquéritos instaurados por portaria chegaram ao final da persecução penal com condenação a pena privativa de liberdade (sem levar em consideração o regime inicial de cumprimento da pena).

Outro detalhe grave apontado é que do total de inquéritos por portaria do ano de 1999 ainda se encontram na fase pré-processual com pedido de prazo 3% do total de instaurados. Todos candidatos a prescrição da pretensão punitiva com a decorrente extinção da punibilidade que significa, em última análise, o estabelecimento da impunidade. Ou seja, inquéritos longos só servem a impunidade.

Continuando com o texto da Instrução Normativa:

27. Na movimentação dos inquéritos policiais somente serão utilizados os termos de CONCLUSÃO, DATA, REMESSA e RECEBIMENTO.

27.1 Os inquéritos ficarão sob a guarda do escrivão, salvo quando conclusos à autoridade policial.

28. A autoridade policial despachará em até 05 (cinco) dias úteis.

28.1 Ao receber os autos, o escrivão cumprirá de imediato os despachos, fazendo-os conclusos, após.

28.2 Os autos, quando no aguardo de diligências não atendidas em prazo previamente estabelecido, serão conclusos para providências.

28.3 Atendendo a situação de acúmulo de serviço de cada área, as Corregedorias Regionais poderão elaborar ordem de serviço ampliando o prazo de que trata este item, ouvida a Corregedoria-Geral de Polícia.

...

CAPÍTULO VI DA INSTRUÇÃO

SEÇÃO I DISPOSIÇÕES GERAIS

30. As atribuições da autoridade policial são indelegáveis.

30.1 As diligências e providências necessárias à instrução do inquérito serão ordenadas pela autoridade policial, mediante despachos, visando a formação do conjunto probatório.

30.2 As informações, os indícios, as circunstâncias e os elementos de prova serão colhidos pela autoridade e seus agentes e estes, vinculados às investigações, serão expressamente indicados nos autos.

...

42. A autoridade policial envidará todos os esforços para concluir os inquéritos no prazo de 30 (trinta) dias.

...

55. A autoridade ouvirá as testemunhas que efetivamente tiverem conhecimento do fato, devendo limitá-las ao número estabelecido no art. 398 do CPP89, mencionando as demais no relatório do inquérito.

...

74. Quando se tratar de exame de local, a autoridade policial providenciará de imediato o isolamento da área onde houver sido praticada a infração penal,

89 Art. 398. Na instrução do processo serão inquiridas no máximo oito testemunhas de acusação e até oito de defesa. Parágrafo único. Nesse número não se compreendem as que não prestaram compromisso e as referidas.

objetivando a preservação do estado das coisas até a chegada dos peritos, em face do disposto no art. 169 do CPP.

74.1. Em situações flagranciais ou de comprovada urgência, a requisição de perícia poderá ser feita oralmente e formalizada posteriormente.

...

78. Sempre que necessário, a autoridade solicitará dos Peritos Criminais a orientação ou auxílio na colheita do material a ser examinado, assim como para a correta formulação de quesitos.

...

89. O auto de qualificação e interrogatório ou qualificação indireta será precedido de despacho fundamentado com a indicação dos pressupostos de fato e de direito e tipificação do delito.

Qualquer investigação criminal envolve circunstâncias multidisciplinares e o fato criminal é homogêneo. A investigação, portanto, deve ser indivisível e executada por uma equipe interdisciplinar que possa atuar na conservação de provas, psicologia moderna, criação e analise de perfil, técnicas de interrogatório, vigilância, vigilância eletrônica, interceptação telefônica e ambiente, análise de fibras e pêlos, análise criminal de vínculos, análise de dados criminológicos e criminalística.

A regulamentação do inquérito policial faz do agente de polícia federal (como do perito criminal) um sujeito passivo, que tem uma visão fragmentada e dividida da investigação criminal, ele não é chamado para participar de forma ativa da investigação, a ter responsabilidade na condução ou a desenvolver raciocínio lógico em cima das questões centrais perseguidas no caso. Hoje, ao agente de polícia federal é cabido cumprir as ordens constantes nos despachos exarados pelo delegado de polícia federal. Se o agente discorda da vertente de investigação adotada pelo delegado não pode fazer nada, a não ser se resignar e cumprir da melhor forma o ordenado pelo delegado de polícia federal. Mesmo que seja contra seu tirocínio policial apreendido durante as décadas de serviço estritamente policial.

Não existe o trabalho em equipe quando o delegado instruiu um inquérito policial instaurado por portaria. O delegado, de forma cognitiva, elabora os despachos que significam seu raciocínio lógico de como apurar a infração penal e identificar a autoria, o escrivão de polícia é responsável pela digitação, formalização e encaminhamento dos despachos e o agente de polícia responsável pelo cumprimento na rua do que ordenam. Uma divisão absurdamente superada onde um pensa a ordem, o segundo formaliza e o terceiro cumpre as ordens. A burocracia do inquérito é tão grande que é preciso um escrivão de polícia para administrá-la.

A Instrução Normativa nº 11/2001 do Departamento de Polícia Federal que regulamenta as atividades da Polícia Federal apresenta as justificativas para sua edição:

 A necessidade de simplificar e dar maior celeridade aos feitos pré-processuais, afetos à competência do Departamento de Polícia Federal;

 A exigência de maior transparência, qualidade, eficiência e eficácia das investigações criminais realizadas no âmbito federal, e;

 A necessidade de se instituir mecanismos de fiscalização, controle e avaliação das atividades de Polícia Judiciária.

Como visto pela divulgação da pesquisa estatística nenhum dos objetivos a que se propôs a IN nº 11/2001 foi alcançado. Nossa percepção é de que os efeitos da tramitação do inquérito são o contrário do proposto, ou seja, não simplificou o procedimento, o tornou ainda mais moroso e ineficiente. E a fiscalização, controle e avaliação das atividades de polícia desenvolvidas no inquérito não existem já que não observamos nenhum movimento que ataque às causas que levam o inquérito por portaria ao imobilismo e a extrema ineficiência.

Tais divisão e fragmentação não possibilitam que os sujeitos (agente, perito e papiloscopista) tenham capacidade de contextualizar a investigação criminal como um todo. Já no século XVII, Pascal dizia: "não se pode conhecer as partes sem conhecer o todo, nem conhecer o todo sem conhecer as partes". E é essa capacidade que deve ser estimulada e desenvolvida, a de ligar as partes ao todo e o todo às partes. A atual instrução do inquérito instaurado por portaria é totalmente anacrônica.

2.5 Burocracia, centralismo, atos indelegáveis e privativos dos delegados de polícia