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Capítulo 3 Colaboração e Liderança em contextos escolares

3.1. Colaboração em contextos escolares

3.2.2 A cultura de escola e a liderança

A maioria dos cidadãos espera que as escolas reflitam os valores e as crenças que são verdadeiramente importantes nas suas vidas. As escolas com personalidade têm culturas únicas, um entendimento comum dos seus objetivos e sabem exatamente quem

são. A chave para o seu sucesso inclui o controlo sob os seus próprios destinos e normas e abordagens distintas para a realização dos seus objetivos. A eficácia da escola requer uma liderança autêntica, uma liderança que seja sensível aos valores, crenças, necessidades e desejos únicos dos profissionais e cidadãos locais, que são quem melhor conhece as verdadeiras condições necessárias para um dado grupo de alunos num contexto específico (Sergiovanni, 2004).

A cultura de um grupo, como salienta Sergiovanni (2004), é um misto de interpretações comuns para a organização de ações, da linguagem e de outros veículos simbólicos conducentes à expressão de interpretações comuns. Ou seja, a cultura de uma escola define-se pelos seus objetivos, normas e alicerces para promover o crescimento e o desenvolvimento intelectual, social e cultural da sua população escolar. Assim, para o sucesso de uma escola é fundamental que professores, alunos e pais acreditem nela e no trabalho que aí é desenvolvido.

Segundo Sergiovanni (2004), o melhor indicador de uma boa escola poderá ser a capacidade que a sua imagem tem de refletir as necessidades e desejos de professores, alunos e pais. A degradação da cultura numa escola, faz perder o seu significado e quebrar as tradições, sendo provável que professores, pais e alunos andem à deriva num mar de apatia e indiferença. Por outro lado, à medida que o significado de comunidade, que nos permite tomar consciência de que estamos ligados a outros e fazemos parte de um grupo social e escolar, diminuem numa escola os sentimentos de pertença, de fazer parte de algo importante, de ter um objetivo comum. Com o enfraquecimento destes sentimentos professores, alunos e pais vivenciam uma perda de conexão, um sentimento de isolamento e desorientação. Tudo isto, acaba por se refletir, inevitavelmente, na construção da identidade, sentido e significado individual dos alunos. Em resultado, professores, alunos e pais alienam-se de si próprios, uns dos outros, da escola e do seu próprio trabalho. Podemos dizer que este é um problema real que a sociedade e a escola, em particular, enfrentam hoje em dia cada vez mais.

Sergiovanni (2004), ao estudar a literatura sobre eficácia e boa qualidade concluiu que as boas escolas fazem um esforço para servir todos os alunos, criar estruturas de apoio para os assistir, envolvê-los nos assuntos da escola, respeitar diferenças étnicas e linguísticas, e colocam o bem-estar em primeiro lugar. Têm, também um programa extracurricular ativo, proporcionam um ambiente enriquecido e fazem um bom acompanhamento do progresso do aluno fornecendo-lhe o feedback necessário. O ensino decorre num clima escolar positivo caracterizado por objetivos,

uma atmosfera de incentivo e um ambiente de trabalho aberto e saudável, alimentado pela consistência das relações entre professores. Por outro lado, alimentam e proporcionam a interação colegial, criando ambientes profissionais que facilitam o trabalho docente. Os professores participam na tomada de decisões que afetam o seu trabalho e são reconhecidos e respeitados pelos outros. As boas escolas têm um desenvolvimento profundo do corpo docente, uma liderança partilhada e um ambiente de reflexão e troca de técnicas e experiências de ensino. Os problemas que surgem são encarados como potenciais desafios para o desenvolvimento profissional e da cultura de escola.

A escola é um mundo complexo constituído por pessoas, todas elas com um papel importante a desempenhar. Na verdade, a sociedade atual vivencia uma complexidade de convulsões socioeconómicas e políticas que têm reflexos na vida das escolas. Como organização que é, a escola tem uma estrutura hierarquizada em que no topo, em funções de liderança e gestão, está o conselho executivo que conta com o apoio e colaboração de microcomunidades como o conselho pedagógico, a assembleia de escola e a associação de pais, os diferentes departamentos disciplinares, os professores, funcionários, alunos e pais. O conselho pedagógico, por sua vez, tem uma função reguladora e de acompanhamento do trabalho realizado pelos diferentes departamentos, tendo na sua constituição os líderes formais de cada departamento disciplinar.

Nas escolas, o “controlo” e a liderança são feitos, pelo menos, em seis níveis. Num primeiro nível, superior e externo à escola, pela estrutura central do Ministério da Educação, e depois a um segundo nível, através das direções regionais de Educação. Num terceiro nível, este já interno à escola, pelo conselho executivo, seguido de um quarto nível, pelo conselho pedagógico, depois dos grupos/departamentos disciplinares, num quinto nível. E por fim, ao nível da sala de aula, pelo professor, de forma individual e autónoma. Como refere Sanches (1995), estes níveis de liderança na escola são formais e traduzem algum grau de controlo que pode condicionar a autonomia da ação pedagógica inibindo o desenvolvimento da sua cultura.

Ao defender a escola como uma comunidade de líderes, Sergiovanni (2004) reconhece que está a desafiar as leis da liderança que foram estabelecidas e aceites até ao presente. Ou seja, considera-se atualmente que o papel do líder é ajudar a desenvolver capacidades nos seus seguidores para estes serem líderes não dependentes de uma liderança formal para estimular os seus talentos e motivações (Bryman, 1996).

Harchar e Hyle (1996) propõem um modelo para a teoria do poder colaborativo (figura 3.1). Neste modelo o poder e liderança da escola têm como principal função promover o desenvolvimento de uma visão de comunidade e de escola de qualidade.

Figura 3.1 – Modelo de poder colaborativo (adaptado de Harchar & Hyle, 1996).

Segundo os autores, o papel do líder é o de apoiar e reconhecer comportamentos e iniciativas positivas e, em contrapartida, contrariar e confrontar os comportamentos negativos. O respeito, a confiança, a colegialidade e a visão formam os alicerces do ambiente escolar em que todos trabalham no sentido de desenvolver uma escola de qualidade, sejam eles funcionários, professores ou comunidade, partilhando e trabalhando numa dinâmica para atingir os objetivos. O importante é que todos os membros da comunidade entendam e reconheçam que têm um papel importante no trabalho a fazer no desenvolvimento da escola. Consistência, honestidade e transparência são elementos constantes. Por outro lado, o líder tem que ouvir as opiniões e as vozes de todos os professores, no sentido de ajudar a resolver os problemas, ter um discurso construtivo e honrar um ambiente justo.

Harchar e Hyle (1996) referem ainda que, um fator importante na qualidade do ensino está diretamente relacionado com a importância do desenvolvimento profissional e a formação contínua como elemento chave para o sucesso em educação. Os resultados deste estudo sugerem que, enquanto líderes instrucionais, os professores necessitam de ter uma visão mais alargada e mais além, assegurando-se que realidades sem importância não se metem no caminho ofuscando-os. Nem todos se sentem líderes inatos. Contudo, ao longo do seu trabalho os líderes entendem o seu papel como o de responsáveis pelo lançamento de novas atividades e sentem a sua capacidade de

liderança cada vez mais reforçada pela participação dos outros em diversos grupos entretanto constituídos (Harchar & Hyle, 1996).

Assim, o desenvolvimento de uma cultura de escola e a promoção de uma escola de qualidade passa por mobilizar e apoiar os seus atores no desenvolvimento de projetos que se inserem no grande objetivo de promoção de uma escola de qualidade. Por outro lado, requer um sentido de responsabilidade e de liderança eficaz, capaz de unir esforços e criar dinâmicas de trabalho colaborativo que promovem o desenvolvimento profissional, que de certo irá ter reflexos na qualidade das aprendizagens dos alunos.

Dimmock e Walker (2005) ao explorarem a relação entre liderança escolar e cultura de escola definem três proposições. Primeira, a liderança é um processo limitado pela culturalidade e contexto, o que significa que está interligada de forma inextricável com o ambiente onde este processo se desenvolve, em vários níveis, desde o organizacional até à comunidade local através da sociedade. Neste sentido, enquanto se continuar a ignorar este facto, falham na apreciação da complexidade conceptual e prática da liderança. Segunda, a influência cultural na liderança é multidimensional, difícil de discernir, subtil e fácil de dominar, uma vez que é mal representada por muitos e até ignorada por alguém. Terceira, os autores afirmam que reconhecer a ligação entre liderança por um lado e influência cultural e contextual por outro, pode conduzir à melhoria das suas práticas. Como exemplo os autores argumentam que devido à multietnicidade da natureza das escolas do mundo, “os líderes de hoje têm a responsabilidade de moldar as suas organizações escolares de forma a valorizar e integrar grupos heterogéneos numa comunidade de aprendizagem para todos bem sucedida” (p. 4).

A atividade das escolas, no entanto, não se reduz ao trabalho dos seus órgãos e estruturas formais. Barrère (2005), por exemplo, menciona que o trabalho coletivo nas escolas está longe de ser inexistente, mesmo que este não se inscreva em formas estáveis e regulares. Os projetos e a colaboração informal instalam-se e desfazem-se no coração daquilo a que se poderia chamar uma sociabilidade profissional de afinidades, num meio forjado ao sabor de nomeações e das mutações e modos de vida. Também Ponte e Oliveira (2001) referem que, todos os seres humanos estão envolvidos em teias de relações, ou seja, em redes que são estruturantes nos campos cognitivo e social. As redes levam ao surgimento de comunidades, potenciam oportunidades de comunicação e conduzem ao estabelecimento de valores que as legitimam. O trabalho em rede envolve um entendimento de objetivos partilhados, suporte psicológico, participação

voluntária e uma destreza própria, e representa uma forma de aprendizagem e desenvolvimento profissional.

Ao refletirem sobre o trabalho em rede, Lieberman e Grolnick (1998) referem que muitas destas colaborações emergem do interesse por um tema na mesma área temática, tecnologia, pedagogia ou mudança educacional. Desde as mudanças educacionais que dependem da interdependência e do trabalho colaborativo dos professores na construção de um currículo que difere de um conjunto de normas de ensino que tradicionalmente isola os professores na sua sala de aula, até mudanças ideológicas e tecnológicas inerentes a uma reforma fez emergir um interesse na criação de redes formais ou informais. As redes, tal como os projetos, têm as suas próprias necessidades de liderança, fundamentais para a sua consistência. Neste sentido, a liderança representa a visão da rede, encorajando e inspirando os outros, sem os inibir de assumir responsabilidades similares (Lieberman & Grolnick, 1998).