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Capítulo 3 Colaboração e Liderança em contextos escolares

3.1. Colaboração em contextos escolares

3.1.8 Colaboração em contexto escolar

A maioria das exigências e inovações curriculares inseridas nos diversos documentos da Reorganização Curricular no Ensino Básico só são possíveis de concretizar se houver um forte trabalho de colaboração entre professores, escolas e comunidades escolares. No entanto, a colaboração reveste-se de muitos aspetos

problemáticos. O primeiro, como já foi referido anteriormente, prende-se com a dificuldade na constituição destes processos. Na verdade, não existe uma forma única de iniciar um projeto de colaboração. Em cada projeto emergem situações que potenciam conflitos e a luta entre pólos opostos, nomeadamente, para manter o equilíbrio e partilhar o poder, na exploração de conceções e mudanças de filosofia, no estabelecimento de quem tem o poder de decisão, e no lidar com os dilemas de trabalhar com as linhas orientadoras internas ou externas (Christiansen et al., 1997).

Na literatura encontramos exemplos de trabalho colaborativo bem sucedidos, quer nacionais quer internacionais. O projeto “Prática e reflexão sobre a prática: Análise narrativa de situações de ensino aprendizagem” (Ponte, Oliveira, Cunha & Segurado, 1996), teve como objetivo estudar, numa perspetiva de análise narrativa, o conhecimento profissional necessário ao professor que pretende envolver os seus alunos em atividade matemática justificativa, bem como os problemas e dilemas profissionais com que se confronta nestas situações de ensino-aprendizagem. Pretendia-se estimular os professores participantes a explicitar, desenvolver e produzir materiais de divulgação das suas teorias práticas acerca do modo de organizar e conduzir as atividades educativas. O projeto, que se revestiu de um caráter de investigação-ação, envolveu professores e alunos dos 2.º e 3.º ciclos do ensino básico. A equipa do projeto foi constituída por dois docentes universitários, uma docente de uma Escola Superior de Educação e uma professora do 2.º ciclo do ensino básico, com vários anos de experiência de ensino. O trabalho realizado neste projeto evidencia a tendência do investigador para avaliar os acontecimentos da aula de modo diferente do professor. Um aspeto relevante deste estudo é que nos permite perceber como a adoção de uma atitude crítica pelos investigadores em relação aos professores inviabiliza o desenvolvimento de uma relação de proximidade e confiança, e põe completamente em causa a produção de narrativas. Além disso, permite-nos entender como a aparente assimetria de autoridade sobre o assunto pode condicionar a própria reflexão do professor, se o investigador não for cuidadoso e insistir em atender apenas aos seus pontos de vista sobre a situação vivida.

O estudo de Ponte, Oliveira, Brunheira, Varandas e Ferreira (1998), no âmbito do Projeto Matemática para Todos: Investigações na sala de aula, cujo foco é o trabalho do professor numa aula de investigação matemática, representa um testemunho de um trabalho realizado por uma equipa colaborativa integrando professores e investigadores. O trabalho colaborativo da equipa envolveu a definição de objetivos do

estudo e a sua posterior reformulação, o desenvolvimento de instrumentos e métodos de análise, a planificação e calendarização das atividades a desenvolver, a seleção e análise preliminar dos episódios, bem como a discussão final dos resultados e conclusões do estudo. Para além destas atividades, em que intervieram todos os elementos da equipa, realizou-se uma divisão de tarefas tirando partido da experiência, interesses e possibilidades de diversos membros. No final, os autores concluem que o estudo realizado evidencia as potencialidades do trabalho colaborativo envolvendo professores em exercício e investigadores no estudo de fenómenos da sala de aula decisivos para a aprendizagem desta disciplina.

Este estudo traz contributos importantes, nomeadamente no que se refere às potencialidades da natureza do trabalho colaborativo no seio de uma equipa envolvendo professores e investigadores, no desenvolvimento de práticas inovadoras. A gestão do currículo e o papel que se atribui às tarefas de investigação no ensino da Matemática são aspetos importantes que centralizaram as reflexões no seio do grupo, onde a partilha das experiências vividas pelos professores, permitiu enriquecer o conhecimento do processo de ensino aprendizagem decisivos para melhorar as aprendizagens dos alunos na disciplina de Matemática.

O trabalho de Boavida (2005) é um estudo que descreve e analisa, uma investigação com o professor sobre o seu trabalho. Um dos objetivos deste estudo foi compreender potencialidades e problemas emergentes do desenvolvimento de um projeto de investigação colaborativa centrado na reflexão sobre as práticas das duas professoras participantes. O grupo de pesquisa foi constituído por duas professoras, ambas a lecionar turmas de 8.º ano de escolaridade, e a investigadora. O projeto de investigação colaborativa decorreu em duas fases: a primeira fase corresponde ao ano letivo 2001/02 e a segunda fase relativamente ao ano letivo seguinte, tendo ambas as professoras mantido as turmas envolvidas na primeira fase do projeto. Segundo a autora, a primeira sessão de trabalho do grupo de pesquisa foi decisiva para o desenvolvimento do projeto e deu o tom para a relação de colaboração que foi construída. Nesta sessão de trabalho foram feitos os reajustes necessários na proposta de plano de trabalho preparado pela investigadora. O grupo conversou abertamente sobre como trabalhariam e sobre os compromissos que assumiriam; estabeleceram acordos como as formas de registo da atividade que viriam a desenvolver nas sessões de trabalho e nas aulas; calendarizaram, globalmente o trabalho, tendo, no entanto, consciência de que algumas das decisões tomadas poderiam ter de vir a ser repensadas.

Esta investigação contribui para um melhor entendimento sobre a complexidade do desenvolvimento de um projeto de colaboração que vai desde a definição dos campos de colaboração, às diferentes atividades e fases do projeto. Além disso, a investigação desenvolvida permite perceber que um trabalho em colaboração cuja equipa inclui pessoas com formações, experiências, perspetivas e contextos de trabalho diversificados e em que a reflexão sobre a prática do professor tem lugar privilegiado, constitui um contexto significativamente propício para o desenvolvimento do professor. Outro contributo relevante diz respeito à identificação de fatores que favoreceram a colaboração, nomeadamente, a autora refere a organização do trabalho, uma clara definição de papéis e responsabilidades, a possibilidade de dialogar autenticamente, a existência de uma negociação transparente, continuada e igualitária, a existência de um período de conhecimento recíproco entre todos os elementos do grupo de pesquisa prévio à observação de aulas das professoras e o tempo longo de duração do projeto.

O trabalho de Drake e Basaraba (1997) relata uma colaboração entre um professor de uma escola e uma professora da universidade. Com a ajuda de Susan, uma professora universitária, Jan, um professor do ensino secundário, implementou um novo modelo de currículo que motivou, com sucesso, uma turma potencialmente desmotivada. Outra professora, Megan, experimentou uma aproximação integrada ao currículo, que ela e um grupo de professores desenvolveram. Cada uma teve necessidade de compreender de forma mais aprofundada o modelo do currículo e usou esta compreensão noutras circunstâncias. O balanço que as duas professoras fazem da implementação deste trabalho é positivo. São apontados como fatores de sucesso: (i) o interesse de ambas pelo modelo do currículo; (ii) a interajuda entre elas; (iii) o facto de terem a mesma filosofia de vida de ensino, apesar de só terem chegado a esta conclusão após longas horas de conversação; e (iv) a energia profissional para desenvolver uma experiência. No entanto, Sam, um outro investigador externo ao projeto, considerou que as duas professoras não conseguiram obter uma relação significativa e que antes do início do projeto falharam no estabelecimento de regras e responsabilidades de cada elemento na realização do trabalho. Esta crítica levou-as a uma procura mais profunda das suas definições de sucesso.

Na descrição do projeto, podemos encontrar contributos importantes para a reflexão sobre as dinâmicas de trabalho colaborativo. Reconhece-se que, o trabalho entre pares foi voluntário, o que permitiu a partilha de saberes e aprendizagens conjuntas, concluindo-se que a reflexão em grupo é mais enriquecedora do que a

reflexão individual. Além disso, pode considerar-se que aspetos como a divergência de opiniões e os conflitos fazem parte do trabalho colaborativo e que o sentimento de culpa que por vezes foi sentido advém, nomeadamente, de longos momentos de negociação de estratégias e regras. Também, a construção de relações e o desenvolvimento de parcerias mostram como estas etapas são importantes no processo de investigação.

3.1.9 Síntese

A colaboração é uma boa estratégia para que um trabalho eventualmente difícil e complexo seja realizado de forma mais eficaz e, em muitos casos, a única forma de garantir que ele seja realizado com um mínimo de qualidade. As contribuições de cada um, a partir da sua experiência, proporcionam o desenrolar de ideias, numa relação que só pode surgir com a sua discussão e reflexão. O facto de não se estar sozinho a pensar sobre um problema, mas sim em conjunto com outras pessoas, que sentem a mesma dificuldade, gera um maior dinamismo capaz de transmitir energia, contrariando assim a frustração, isolamento e sentimento de impotência. Com a colaboração é possível construir-se uma estratégia de ação, onde todos têm o seu papel bem definido, têm as suas responsabilidades delineadas, e agem com a mesma finalidade. A estrutura de um trabalho de colaboração é bastante exigente visto que todos os intervenientes são imprescindíveis. Este trabalho não obriga forçosamente a uma logística complicada, implica, isso sim, uma vivência real, de uma partilha de tempo, de medos, de conhecimentos, de expectativas e de dedicação. Esta partilha poderá possibilitar a construção de estratégias para melhor ultrapassar as dificuldades e problemas, sentindo confiança e possibilidade na sua resolução, tornando-se o problema numa mais valia no âmbito da questão inicial. Desta discussão ficou também evidente a importância do papel de liderança no desenvolvimento do trabalho colaborativo, ajudando a criar contextos impulsionadores e decisivos para a evolução e mudança educacional. Para uma melhor compreensão deste papel, será discutido, em seguida, o conceito de liderança e a sua importância no contexto educacional.

3.2 Liderança em contextos escolares