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Capítulo 2 Conhecimento Profissional do Professor e Gestão Curricular em

2.2 Gestão Curricular

2.2.4 Os materiais curriculares

Os materiais curriculares são os recursos que o professor dispõe para desenvol- ver o currículo, utiliza e quer que os seus alunos utilizem, constituindo por isso um ele- mento importante da gestão curricular. A sua aplicação varia de acordo com as diferen- tes interpretações e formas de os mobilizar em diferentes contextos (Ponte, 2005). Neste

sentido, Lloyd (2008) salienta que, a influência que os materiais curriculares têm na aprendizagem dos alunos não pode ser entendida sem se perceber o currículo desenhado pelo professor e posto em prática na sala de aula. Igualmente importante, é o conheci- mento que o professor tem desses materiais, nomeadamente as suas propriedades e uti- lidade, as suas potencialidades e limitações de utilização, e a definição do contexto e o propósito com que os utiliza.

As tarefas. Ao planificar a prática letiva, o professor seleciona um conjunto de tarefas de natureza homogénea (exercícios) ou diversa (incluindo, por exemplo, exercí- cios, problemas, investigações, projetos e tarefas de modelação) (Ponte, 2005). As tare- fas podem ter um enunciado apenas com terminologia matemática ou remeterem para contextos diversos. De acordo com os documentos curriculares atuais, as tarefas a pro- por devem contribuir para que o aluno desenvolva uma visão abrangente sobre a ativi- dade matemática, promover a sua compreensão dos processos matemáticos e ajudá-los a desenvolver o seu raciocínio matemático. Importa, por isso, diversificar as tarefas e ex- periências de aprendizagem, de cunho mais direto ou exploratório, procurando integrar diferentes tipos de abordagem. Por outro lado, é preciso que as tarefas, no seu conjunto, proporcionem um percurso de aprendizagem coerente que permita aos alunos a constru- ção dos conceitos em envolvidos, a compreensão dos procedimentos matemáticos em causa, o domínio da linguagem matemática e das representações, bem como o estabele- cimento de conexões dentro da Matemática e desta com outras áreas do saber (ME, 2007b; NCTM, 2007). Neste contexto, Ainley (2009) refere que para alcançar as metas do currículo de Matemática é necessário encontrar as tarefas com contextos que ofere- cem oportunidades ao aluno de ver o mundo através de uma lente de matemática.

Igualmente, Stein e Smith (1996,1998) consideram que é importante proporcio- nar aos alunos boas tarefas que possibilitem o seu envolvimento num nível de pensa- mento elevado, desafiando-os a partilhar as suas ideias, definir diferentes estratégias, formular conjeturas e generalizar conclusões. No entanto, não basta criar boas tarefas, é preciso planear bem a forma como ela vai ser trabalhada na sala de aula, procurando antecipar situações que possam gerar dificuldades aos alunos e possíveis estratégias para as solucionar. Assim, importa definir o objetivo com que se propõe cada tarefa, que conceitos gerais e específicos estão subjacentes, assim como as capacidades transversais que se pretende desenvolver, a definição dos modos de trabalho e os recursos a utilizar. Para além disso, é importante resolver a tarefa, procurar prever possíveis respostas e estratégias para a sua resolução, identificar possíveis momentos críticos do trabalho dos

alunos, estabelecendo à partida algumas questões ou sugestões que ajudem os alunos a evoluir sozinhos no seu trabalho, sem com isso comprometer o nível cognitivo da tarefa. Igualmente importante é a preparação do momento de discussão da tarefa, que permitirá negociar significados, consolidar conceitos ou ajudar a construir novos conceitos (Lloyd, 2008; ME, 2007b; Stein, Engle, Smith & Hughes, 2008).

Os manuais escolares. O manual escolar é o material didático mais utilizado pe- los professores dos 2.º e 3.º ciclos do ensino básico e do ensino secundário (APM, 1998b). O manual tem uma grande tradição no contexto educativo e ocupa um papel central na sala de aula, influencia o trabalho do professor e contribui para delimitar o conhecimento dos alunos (APM, 1998b; Ponte, 2005), o que decorre da visão social do manual escolar (Remillard, 2005).

A maioria dos manuais escolares segue, normalmente, uma organização por uni- dades temáticas, que por vezes iniciam com algumas propostas de diagnóstico dos co- nhecimentos e dificuldades dos alunos, seguindo-se tópicos organizados de forma se- quencial com exemplos de aplicação e propostas de trabalho para o aluno realizar, e concluindo com uma componente de avaliação ou autoavaliação. Este modelo traduz uma visão do currículo oficial, assumindo um conjunto de decisões, atividades e proces- sos tomadas pelos autores do manual, em relação a conceitos científicos e termos técni- cos. Embora muitos manuais procurem estabelecer um certo diálogo com os seus leito- res, este não substitui a relação humana que existe no processo de ensino-aprendizagem. Ao formular uma sequência de passos, perspetivas e formas de medir o conhecimento dos alunos, cada manual representa uma interpretação das opções curriculares, entre as muitas possíveis, limitando a flexibilidade de organizar os diferentes tópicos do currícu- lo, que nem sempre se adaptam ao universo social e contexto escolar (ME, 2007b; Orns- tein & Hunkins, 2004; Remillard, 2005).

De um modo geral, os professores usam o manual escolar para selecionar tarefas para organizar o seu trabalho letivo e para propor aos alunos na sala de aula ou como trabalho de casa. Neste sentido, o manual constitui um mediador fundamental entre as diversas dimensões do currículo, nomeadamente, o currículo enunciado e prescrito pela administração central e o currículo aprendido pelos alunos (Ornstein & Hunkins, 2004; Pires, 2005; Ponte, 2005). Nem todos os professores utilizam o manual escolar da mes- ma forma na gestão do currículo e na sua prática, que é condicionada, entre outros aspe- tos, pelas crenças e conceções pedagógicas dos professores e pelos tipos de estratégias desenvolvidas nas aulas (Ponte, 1994). O Relatório Matemática 2001 (APM, 1998b)

refere que “o uso do manual escolar pelos alunos, o partido que dele tiram os professo- res e o modo como os manuais são selecionados nas escolas, são aspetos importantes da prática profissional dos professores, com significativas repercussões na aprendizagem” (p. 89).

Remillard (2005) realizou num estudo com duas professoras do 4.º ano que ilus- tra a forma como a sua interação com um mesmo texto de um manual gera oportunida- des contrastantes de aprendizagem para os alunos. Os dados mostram a forma como o professor lê o manual e explora os fatores que contribuem para diferentes propósitos (atividades e tarefas potenciadoras do desenvolvimento das aprendizagem da Matemáti- ca em contraste com as grandes ideias para orientar a planificação da prática). Igual- mente, Pires (2005) refere que, na prática letiva, nem sempre são devidamente identifi- cadas as potencialidades e limitações do manual escolar. Neste sentido, o manual esco- lar aparece, frequentemente, como representação do currículo e como substituto dos programas oficiais, assumindo as editoras comerciais também uma intervenção direta no desenvolvimento do currículo, exercendo influência nas práticas curriculares de alunos e de professores. Por isso, o manual escolar é uma fonte de informação importante, po- dendo permitir a aquisição de conhecimentos e o desenvolvimento de capacidades e de competências e, como tal, pode dar um contributo forte no processo de ensino- aprendizagem da Matemática se mantiver o caráter de meio, centralizando o professor a tomada de decisões sobre o modo como o integra no desenvolvimento da sua atividade.

Os materiais manipuláveis e as tecnologias. Os materiais manipuláveis têm um papel importante na aprendizagem de diversos conceitos, podendo ser integrados em tarefas desafiantes e de experimentação. Ao contrário do que se possa pensar, estes ma- teriais devem ser utilizados ao longo de toda a escolaridade (Albuquerque, Veloso, Ro- cha, Santos, Serrazina & Nápoles, 2006). Alguns desses recursos são materiais de dese- nho, nomeadamente, régua, esquadro, transferidor e compasso; instrumentos de medida: relógios, balanças, metros, recipientes graduados; outros, ainda, são modelos mais ou menos estruturados; sólidos geométricos, tangran, geoplano, peças de encaixe e jogos (ME, 2007b). Almiro (2005) relata o papel fundamental que diversos materiais manipu- láveis e tecnologias tiveram no desenvolvimento de uma experiência de ensino, realiza- da com alunos do 8.º ano de escolaridade. Em particular, esta experiência mostra como estes materiais podem servir de base a situações de aprendizagem de natureza explorató- ria e a momentos de discussão muito significativos para a aprendizagem matemática.

No entanto, importa referir que a utilização de qualquer material manipulável ou tecnologia deve ser apoiada por formas de registo das explorações que os alunos vão fazendo, ao mesmo tempo que se reflete sobre os resultados do seu uso, uma vez que este, por si só, não garante a aprendizagem (Loyd & Wilson, 1998; ME, 2007b).

O NCTM (2007) reforça que o uso da tecnologia pode proporcionar novas opor- tunidades para desafios matemáticos pela diversidade de formas de representação que disponibiliza, uma vez que dilata a natureza de problemas acessíveis aos alunos e pro- porciona oportunidades de feedback. Da multiplicidade de tecnologias que existe hoje ao serviço do ensino da Matemática, as calculadoras, os computadores, o software edu- cativo e a internet são os mais utilizados na aula de Matemática (APM, 1998). O uso destes recursos “podem ajudar o aluno a aprender Matemática, ao enriquecer a quanti- dade e a qualidade das suas explorações nos mais diversos domínios, desde a geometria, com programas de geometria dinâmica, até à teoria dos números, com simples folha de cálculo” (Albuquerque et al., 2006, p. 13).

A calculadora tem tido uma presença mais constante na sala de aula de Matemá- tica. Como ferramenta de cálculo, pode ajudar o aluno a compreender as relações que existem entre os diferentes significados das operações e reconhecer e aplicar as suas propriedades, verificar os seus cálculos mentais e validar procedimentos, provar conje- turas, explorar regularidades numéricas, etc.

O computador vai conquistando terreno na sala de aula, embora a frequência com que esta ferramenta é utilizada, assim como o software educativo, através de ap- plets (programas de aplicação disponíveis na internet), ou programas de geometria di- nâmica ou a folha de cálculo, está ainda longe do que seria desejável. A observação da forma como o aluno interage com o recurso, aborda os problemas propostos e desenvol- ve o raciocínio, constitui um contexto favorável para discussões entre o professor e os alunos que possibilitam a compreensão e perceção do desenvolvimento das aprendiza- gens. No entanto, Ornstein e Hunkins (2004) chamam a atenção para a necessidade de manter os alunos informados sobre os processos que estes utilizam quando usam o computador. Por exemplo, um aluno na exploração de uma atividade matemática com recurso ao computador deve ter consciência que o método experimental facilitado pelo computador é resultado do trabalho de alguém para encontrar uma estratégia para resol- ver problemas e processar essa informação. Para o aluno é importante ter acesso ao mé- todo e aplicá-lo na exploração de uma atividade, no entanto, deve ser alertado para este facto. Almiro (2010) usou o Geogebra no estudo dos quadriláteros no 3.º ciclo, conside-

rando que o modo como introduziu as tarefas e os alunos a exploraram, foram claramen- te do agrado dos alunos. Por outro lado, no caso em que se pretendia que os alunos construíssem as figuras no Geogebra de tal forma que, quando se arrastassem mantives- sem as suas propriedades, foi visível a dificuldade dos alunos, havendo erros de cons- trução que permitiram fazer uma boa discussão em grupo-turma, que ajudou a perceber as relações existentes e a justificar conjeturas.

As tecnologias permitem o acesso a um vastíssimo volume de informação. No entanto, professores e alunos têm que procurar encontrar estratégias de forma a tornar essa informação útil e com significado. A forma sensata como utilizamos a tecnologia é um dos maiores desafios que se colocam aos diferentes atores educativos. As suas po- tencialidades são evidentes mas as suas limitações também. Segundo Ornstein e Hun- kins (2004) a utilização de tecnologias no processo de ensino-aprendizagem exige do professor a clarificação, a priori, de quais são os propósitos educativos para a sua utili- zação. Tecnologia e currículo será sempre uma questão em estudo, nomeadamente, to- dos os envolvidos no processo de ensino-aprendizagem forçosamente continuarão a questionar como é que a tecnologia pode influenciar os ambientes de aprendizagem dos alunos dentro e fora das escolas.