• Nenhum resultado encontrado

Desafios à organização e interações na sala de aula

Capítulo 2 Conhecimento Profissional do Professor e Gestão Curricular em

2.2 Gestão Curricular

2.2.5 Desafios à organização e interações na sala de aula

A grande mudança do processo de ensino-aprendizagem desenvolve-se na sala de aula. A sala de aula vive de dinâmicas complexas e diversificadas que influenciam a aprendizagem dos alunos. Conhecer os fatores que influenciam e promovem a aprendi- zagem dos alunos é uma questão difícil de responder. Em primeiro lugar, importa defi- nir o que se entende por ensinar. Segundo a definição clássica, ensinar é um ato de edu- car ou instruir. A ação desenvolve-se no sentido restrito do professor para o aluno, em que o professor utiliza um método que facilita a aprendizagem dos alunos, e o aluno aprende. No entanto, o conceito tem evoluído e hoje entende-se por ensinar, a ação que o professor desenvolve no sentido de criar um ambiente para a aprendizagem (Franke, Kazemi & Battey, 2007), que resulta das interações na sala de aula entre professor e alunos em torno de um conteúdo, sendo direcionada para ajudar os alunos a atingir os objetivos de aprendizagem (Hiebert & Grouws, 2007).

Segundo Franke, et al. (2007), o conhecimento dos alunos não resulta apenas do que lhes é transmitido, mas também do sentido que eles conseguem dar ao conteúdo. O

significado que os alunos dão às experiências de aprendizagem depende da forma como estes se envolvem na situação e na ação (Ornstein & Hunkins, 2004), assim como na forma como o professor desenvolve o processo de ensino-aprendizagem. da sua repre- sentação e de pessoas em relação umas com as outras dentro da sala de aula. Como refe- re Mousley (2004), compreender Matemática envolve o desenvolvimento de uma har- moniosa rede de informação que inclui imagens, relações, erros, hipóteses, antecipações, inferências, inconsistências, lacunas, sentimentos, regras e generalizações. A noção de trajetória de aprendizagem é justamente baseada na ideia de que um novo conhecimento é desenvolvido sobre o que acabou de ser aprendido. É neste sentido que uma sequência de ensino que assume a forma de uma conjetura de trajetória de aprendizagem culmina com as ideias matemáticas que constituem o objetivo de ensino. Silvestre (2012) apre- senta uma experiência de ensino realizada com a colaboração de três professoras do 2.º ciclo, onde foi construída uma unidade de ensino para o desenvolvimento do raciocínio proporcional por alunos do 6.º ano de escolaridade.

Em particular, a forma como o professor gere a sala de aula está intimamente li- gada à forma como este encara a aprendizagem. A natureza das tarefas tem um papel importante, mas não menos importante é a forma como o professor organiza a aprendi- zagem e os papéis que reserva a si próprio e aos alunos. Um ambiente de trabalho esti- mulante passa sobretudo por conseguir envolver os alunos nas tarefas propostas, estan- do relacionado com a organização do trabalho e as interações que se promovem nomea- damente entre alunos e alunos e professor (Albuquerque, Veloso, Rocha, Santos, Serra- zina & Nápoles, 2006). Porém, Remillard (2005) chama a atenção que a forma como os professores usam o currículo e ensinam está fortemente relacionado com a formação da sua identidade, e, por isso, alterar a forma como um professor desenvolve a sua prática requer uma mudança ou “reconstrução” de identidade.

Tal como foi referido anteriormente, as orientações curriculares (ME, 2007b) preconizam a diversidade de tarefas no ensino da Matemática, que inclui as explorações, investigações, problemas, projetos, exercícios, recorrendo a situações realistas e que possibilitem diferentes abordagens e a utilização de diferentes estratégias de resolução (Ponte, 2005). Particular atenção é dada a tarefas de natureza mais aberta promotoras de uma aprendizagem exploratória e que envolvem diferentes momentos de sala de aula, nomeadamente uma fase de exploração da tarefa por parte dos alunos, outra fase de apresentação e discussão dos resultados, culminando numa síntese dos tópicos matemá-

ticos discutidos e aprendidos com a exploração da tarefa (Ponte, Brocardo & Oliveira, 2003).

Neste sentido, Stein, Engle, Smith e Hughes (2008) apontam que um dos desafi- os que o professor de Matemática enfrenta hoje é a orquestração da discussão em grande grupo que envolve todo a turma, partindo das respostas dos alunos a questões que intro- duzem conceitos, e permitindo que sejam os alunos a construir o conhecimento e a aprender Matemática. Em particular, o professor pode ser confrontado com respostas que não está à espera quando os alunos desenvolvem tarefas abertas e com um nível cognitivo mais elevado, sendo necessário encontrar formas de usar estas respostas para orientar a turma na compreensão do significado dos conceitos matemáticos envolvidos. A planificação do trabalho a desenvolver com os alunos tornou-se imprescindível, no- meadamente, a antecipação das contribuições dos alunos para a discussão, prevendo as respostas que podem dar a uma determinada tarefa, as estratégias que utilizam para a explorar, e tomando decisões sobre a forma como vai organizar a apresentação dos alu- nos para alcançar os objetivos matemáticos definidos. Ao antecipar as decisões que tem que tomar no decorrer de uma aula, indicando-as no plano de aula, o professor sentir-se- á melhor preparado para a discussão com os alunos.

Stein, Engle, Smith e Hughes (2008) sugerem cinco práticas para facilitar a dis- cussão matemática em torno de tarefas de nível cognitivo elevado: (i) antecipar as res- postas prováveis dos alunos a uma tarefa de nível cognitivo elevado; (ii) acompanhar as respostas dos alunos durante a fase de exploração da tarefa; (iii) selecionar alunos em particular para apresentar as suas respostas aos colegas na fase de discussão e síntese da tarefa; (iv) organizar a sequência de respostas que vão ser apresentadas; e (v) ajudar a turma a fazer conexões matemáticas com outras respostas diferentes das dadas por ou- tros alunos e a ideia chave da tarefa. Neste sentido, cada prática emerge e é resultante das práticas anteriores. Por exemplo, o acompanhamento que o professor faz do trabalho dos alunos durante a fase de exploração de uma tarefa beneficia da sua preparação pré- via da aula, antecipando a forma como os alunos se envolveriam na tarefa. Igualmente, a seleção criteriosa de alunos para apresentarem o seu trabalho, resulta do acompanha- mento e perceção das diferentes respostas que os alunos foram produzindo durante a fase de exploração. Além disso, o sucesso das cinco práticas anteriormente referidas depende do uso de tarefas abertas com múltiplas respostas possíveis e com um nível cognitivo elevado, e com objetivos de ensino-aprendizagem bem definidos, ambos apoiados pelo conhecimento que o professor tem do pensamento matemático dos seus

alunos e das suas práticas, como parte de uma visão alargada e conhecimento do currí- culo de Matemática. Porém, os autores chamam a atenção que este modelo não deve ser encarado como uma estratégia única para o ensino da Matemática e para a melhoria das práticas. Pelo contrário, sugerem que seja encarada como uma componente importante para o desenvolvimento do processo de ensino-aprendizagem da Matemática. Neste sentido, a aprendizagem resulta do envolvimento numa sequência de aulas bem planea- das e orquestradas, o que requer a seleção de sequências de tarefas de modo a que, ao longo do tempo, as experiências dos alunos se tornem algo importante do currículo de Matemática.

Tendo por base a realização de um estudo com dois professores que ensinam um novo currículo, também Lloyd (2008) concluiu que há fatores que influenciam as deci- sões quanto à forma de organizar o trabalho e as interações na sala de aula, nomeada- mente a perceção que o professor tem sobre as expectativas dos alunos, sobre o papel do professor e do aluno na sala de aula e sobre a atividade que se vai realizar, e o seu des- conforto associado ao uso do novo currículo. O desenvolvimento de um novo currículo em que a atividade de sala de aula está centrada nos alunos e no trabalho em torno de tarefas realizadas em pequenos grupos cria conflitos com as expectativas dos alunos em relação ao processo de ensino-aprendizagem, ao seu papel na sala de aula e ao papel do professor. Em relação ao uso do novo currículo, o autor salienta a importância do pro- fessor ser perseverante de modo a familiarizar-se com os novos papéis dos diferentes atores na sala de aula (professor e alunos). Neste sentido, são de particular relevância as experiências anteriores e o conhecimento profissional do professor, pois determinam a forma como se envolve nas diferentes experiências de inovação curricular. Igualmente, o desconforto sentido pelos professores parece ter constituído, para eles, um fator edu- cativo na medida em que percebem que a incerteza é uma componente necessária e na- tural da aprendizagem.

A investigação em educação matemática tem ajudado a clarificar a teoria de que para os alunos aprenderem estes têm que estar envolvidos em ambientes de aprendiza- gem enriquecedores. Estudos recentes mostram como a gestão curricular preconizada por propostas pedagógicas, nomeadamente através de uma sequência de tarefas que promovem a aprendizagem, podem ajudar os alunos a superar dificuldades de aprendi- zagem e a desenvolver os diferentes aspetos da Matemática (Almiro, 2005; Branco, 2008; Pinto 2011; Rocha & Fonseca, 2005, Silvestre 2012). Igualmente, a investigação tem mostrado que o desenvolvimento de práticas inovadoras visando o desenvolvimento

do currículo de acordo com as orientações curriculares, tornam o trabalho do professor particularmente exigente no que se refere às mudanças que tem que preconizar na sua prática, nomeadamente na forma como desenvolve o processo de ensino-aprendizagem em torno dos diferentes tópicos matemáticos, organiza e interage com os seus alunos (Boaler, 1998; Sullivan, Mousley & Zevenbergen, 2006).

Boaler (1998) realizou um estudo longitudinal durante três anos que envolveu cerca de 300 estudantes de duas escolas que aprenderam Matemática de formas total- mente diferentes. Uma escola utilizou uma abordagem didática tradicional, com recurso essencialmente ao manual escolar e a outra, uma abordagem centrada em tarefas de na- tureza mais aberta. No final do estudo, a autora refere que as duas abordagens incentiva- ram diferentes formas de conhecimento. Os alunos que seguiram uma abordagem tradi- cional, cujo trabalho realizado foi centrado em tarefas de natureza fechada e de resposta única, desenvolveram um conhecimento processual que se revelou de uso limitado em situações que lhes eram desconhecidas. Igualmente, o estudo mostra vários indicadores que este tipo de ensino back-to-basics é pouco eficaz na preparação dos alunos para as exigências do mundo real, embora refira que este tipo de ensino centrado no manual é certamente o mais predominante.

Por outro lado, os alunos que aprenderam Matemática num ambiente de projeto, com a exploração de tarefas de natureza mais aberta, em que foi necessário definir estra- tégias, formular e provar conjeturas e apresentar os seus raciocínios, foram mais capazes de fazer uso de seus conhecimentos em novas situações. Ou seja, este grupo de alunos desenvolveu uma compreensão dos processos que encontravam e uma flexibilidade de pensamento e de abordagem, sendo a aprendizagem que fizeram útil em ambientes no- vos e diferentes. Igualmente, desenvolveram uma visão positiva sobre a natureza da Matemática e conseguiram obter melhores resultados nos testes. Porém, Boaler (1998) refere que neste tipo de abordagem parecem surgir alguns problemas, nomeadamente o facto de em algumas aulas haver alunos que passam muito do tempo sem trabalhar, aproveitando o facto de o professor estar a acompanhar outro grupo de alunos.

Sullivan, Mousley e Zevenbergen (2006) identificam três ações do professor que podem ajudar a maximizar as oportunidades de aprendizagem na aula de Matemática: o uso de tarefas abertas de exploração/investigação (Ponte, 2005), a preparação de instru- ções e sugestões para apoiar os alunos com dificuldades e propor extensões às tarefas para os alunos que terminem a tarefa rapidamente, e por fim, a planificação de exten-

sões à tarefa inicial que estabeleçam novos desafios aos alunos que com alguma facili- dade tenham alcançado o objetivo inicial.

Ensinar é uma tarefa complexa e que requer da parte do professor a tomada de muitas decisões no decorrer de uma aula. Neste sentido Sullivan e Mousley (2001) refe- rem a importância dos professores com os seus pares, em ambiente de colaboração, par- tilharem e analisarem a complexidade de situações que se desenham no decorrer de uma aula e de dilemas com que o professor se confronta. Esta ideia traz subjacente o objetivo de alertar os professores para esta complexidade que é a sala de aula, de modo a refleti- rem sobre formas alternativas para resolver estas situações. Ou seja, o foco desta parti- lha são as práticas visando o enriquecimento do conhecimento do professor como pes- soa que reflete, toma decisões e é um profissional inteligente.