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A definição do Estado como agente normativo e regulador da atividade

2. O SISTEMA BRASILEIRO DE DEFESA DA CONCORRÊNCIA SBDC

2.1 PARÂMETROS CONSTITUCIONAIS DO CONTROLE DE CONCENTRAÇÃO

2.1.1 premissas econômico-jurídicas da intervenção estatal na economia

2.1.1.2 A definição do Estado como agente normativo e regulador da atividade

A exaustão do Estado-empresário e o colapso da capacidade do investimento público para conduzir o desenvolvimento industrial da nação requereram uma reação pragmática a respeito do papel de Estado na economia. O conjunto das normas de intervenção econômica no texto constitucional reflete essa preocupação.

A crise fiscal marcada pela progressiva perda do crédito por parte do Estado e pela diminuição da poupança pública, a falência generalizada da estratégia estatizante de

circunstância não legitima, no entanto, a assertiva de que o Estado só intervirá na economia em situações excepcionais. 2. Mais do que simples instrumento de governo, a nossa Constituição enuncia diretrizes, programas e fins a serem realizados pelo Estado e pela sociedade. Postula um plano de ação global normativo para o Estado e para a sociedade, informado pelos preceitos veiculados pelos seus artigos 1º, 3º e 170. 3. A livre iniciativa é expressão de liberdade titulada não apenas pela empresa, mas também pelo trabalho. Por isso a Constituição, ao contemplá-la, cogita também da "iniciativa do Estado"; não a privilegia, portanto, como bem pertinente apenas à empresa. 4. Se de um lado a Constituição assegura a livre iniciativa, de outro determina ao Estado a adoção de todas as providências tendentes a garantir o efetivo exercício do direito à educação, à cultura e ao desporto [artigos 23, inciso V, 205, 208, 215 e 217 § 3º, da Constituição]. Na composição entre esses princípios e regras há de ser preservado o interesse da coletividade, interesse público primário. 5. O direito ao acesso à cultura, ao esporte e ao lazer, são meios de complementar a formação dos estudantes. 6. Ação direta de inconstitucionalidade julgada improcedente”. Grifos nossos (BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Direita de Inconstitucionalidade n.º 1950, Relator: Min. EROS GRAU, Tribunal Pleno, julgado em 03/11/2005. Data de Publicação: DJ 02/06/2006.).

56Esse entendimento também é corroborado por decisão do Supremo Tribunal Federal, vide: “CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. DISTRIBUIÇÃO DE COMBUSTÍVEIS. TRR. REGULAMENTAÇÃO DL 395/38. RECEPÇÃO. PORTARIA MINISTERIAL. VALIDADE. 1. O exercício de qualquer atividade econômica pressupõe o atendimento aos requisitos legais e às limitações impostas pela Administração no regular exercício de seu poder de polícia, principalmente quando se trata de distribuição de combustíveis, setor essencial para a economia moderna. 2. O princípio da livre iniciativa não pode ser invocado para afastar regras de regulamentação do mercado e de defesa do consumidor. 2. O DL 395/38 foi editado em conformidade com o art. 180 da CF de 1937 e, na inexistência da lei prevista no art. 238 da Carta de 1988, apresentava-se como diploma plenamente válido para regular o setor de combustíveis. Precedentes: RE 252.913 e RE 229.440. 3. A Portaria 62/95 do Ministério de Minas e Energia, que limitou a atividade do transportador-revendedor-retalhista, foi legitimamente editada no exercício de atribuição conferida pelo DL 395/38 e não ofendeu o disposto no art. 170, parágrafo único, da Constituição. 4. Recurso extraordinário conhecido e provido. Grifos nossos. (BRASIL. Supremo Tribunal Federal . Recurso Extraordinário n.º 349686, Relatora: Min. ELLEN GRACIE, Segunda Turma, Data de Julgamento: 14/06/2005,. Data de Publicação: DJ 05/08/200)5.

intervenção estatal na economia – verificada na crise do Estado do bem-estar social nas economias avançadas, da técnica de substituição de importações nos países em desenvolvimento e do fim do estatismo nos países socialistas – e as disfunções da burocracia estatal, arremataram o modelo nacional de desenvolvimento e incitaram mudanças contundentes no Estado brasileiro57. A reposta a essas crises veio pela consagração de um modelo de intervenção estatal na economia que, em regra, condiciona a admissão da intervenção direta do estado no domínio econômico em caráter subsidiário e sob a subordinação aos imperativos da segurança nacional ou de importante interesse coletivo, como se encontra delineado no texto constitucional de 1988, cuja essência encontra-se nos artigos 173 e 174.

Assim, a Constituição Federal de 1988 expressamente rechaçou o modelo de Estado- empreendedor. Todavia, o aparelho de Estado vigente durante a década de 90 do século XX tinha por base o regime intervencionista e de dirigismo estatal. Tal incoerência implicou no conjunto de reformas58 da década de 90, levadas a cabo para adequar a máquina pública aos ditames constitucionais, bem como para diminuir o endividamento público e dotar de maior eficiência a empresa pública. Nesse contexto, observa-se que o desenvolvimento do Programa Nacional de Desestatização – Lei n° 8.031/1990, posteriormente revogada pelo diploma legal nº 9.491/97 – consistiu na obediência a um imperativo constitucional. O PND operacionalizou especialmente o afastamento do Estado da economia por meio das privatizações, as quais compreenderam o processo de transferência do domínio das empresas estatais para a iniciativa privada por meio da alienação do controle majoritário nos termos estabelecidos pelos governantes59.

O modo de operar do Estado transformou-se quase integralmente. O Estado avoca, nesse novo contexto, uma incumbência de regulador, fiscalizador e planejador de certas atividades e serviços e passa a dividir com particulares a responsabilidade pela concretização dos objetivos consagrados na Constituição. A intervenção no domínio econômico e a

57 NÓBREGA, Marcos. Direito da Infraestrutura. São Paulo: Quartier Latin, 2011. p.35-36.

58 MATTOS, Paulo Todescan de Lessa, “O marco regulatório do setor de telecomunicações no Brasil e as condições de legalidade da regulação assimétrica de serviços com fundamento na aplicação do conceito de poder de mercado significativo”, in: Revista de Direito Público da Economia, ano 6, n.22 abr.-jun. 2008, p. 197-222., BARACHO, José Alfredo de Oliveira. A constituição econômica clássica e a nova constituição econômica. In: Revista Tributária e de Finanças Públicas vol. 20 Jul 1997 e NEVES, Rodrigo Santos. O estado regulador: a dignidade humana como princípio informador da regulação do mercado. In: Revista de Direito Constitucional e Internacional. vol. 44 Jul 2003.

59 BICHARA, Jahyr-Philippe. La privatisation au Brésil: aspects juridiques et financiers. Paris : L'Harmattan, 2008. p. 55-56.

prestação de serviços públicos, na roupagem de regulação, projetam-se pela concessão dos serviços públicos e por uma atuação fiscalizatória revigorada60.

No papel de agente normativo, a Constituição Federal permite que o Estado produza normas sobre a atividade econômica, condicionando-a a concretização dos fundamentos e dos princípios da ordem constitucional econômica, especificando esses preceitos em um espaço normativo infraconstitucional por meio da fixação de procedimentos específicos para consecução daquelas diretrizes. Consoante Paulo Henrique da Rocha Scott, a competência normativa é atribuição do Poder Legislativo e do Poder Executivo. Em relação ao primeiro órgão estatal, se aceita com naturalidade que ele assuma a competência normativa da atividade econômica, uma vez que elaborar normas é sua função primordial. No tocante ao Poder Executivo, é preciso ressaltar que a este se reconhece o poder de regulamentar em função do imperativo de adaptar os preceitos normativos do Estado às conjunturas que rapidamente vão se sucedendo61.

Além da edição de normas do regramento da atividade econômica, a regulação abarca várias atividades. O Estado, por meio de seus órgãos particulares – autarquias especiais –, assume o compromisso de editar regras, implementá-las, exercer a fiscalização da eficácia dos dispositivos regulatórios, impor penalidade em face dos comportamentos transgressivos, até o desempenho da mediação e da arbitragem. Dessa forma, a influência do Estado é sentida no domínio econômico, ainda que ele não atue mais como um agente direto62.

Pode-se dizer, sintetizando as ideias acima delineadas, que o Estado brasileiro assumiu um perfil de Estado regulador63, restringindo sua atuação no tocante à atividade econômica em sentido estrito ao papel de agente normativo e fiscalizador, a fim de que, juntamente com o mercado, possa atingir os escopos constitucionais, dividindo com os particulares a responsabilidade pelo desenvolvimento nacional. Diante de tal realidade, a

60 OLIVEIRA, Diogo Pignataro de; MENDONÇA, Fabiano André de Souza; XAVIER, Yanko Marcius de Alencar. A governança pública e o estado regulador brasileiro na efetivação do direito fundamental ao desenvolvimento. In: MENDONÇA, Fabiano André de Souza; FRANÇA, Wladimir da Rocha; XAVIER, Yanko Marcius de Alencar (organizadores). Regulação econômica e proteção dos direitos humanos: um enfoque sob a óptica do direito econômico. Fortaleza: Fundação Konrad Adenauer, 2008. p. 41-89.

61 SCOTT, Paulo Henrique Rocha. Direito Constitucional econômico: Estado e normalização da economia. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris Editor, 2000. P. 105-113.

62 OLIVEIRA, Diogo Pignataro de; MENDONÇA, Fabiano André de Souza; XAVIER, Yanko Marcius de Alencar. A governança pública e o estado regulador brasileiro na efetivação do direito fundamental ao desenvolvimento. In: MENDONÇA, Fabiano André de Souza; FRANÇA, Wladimir da Rocha; XAVIER, Yanko Marcius de Alencar (organizadores). Regulação econômica e proteção dos direitos humanos: um enfoque sob a óptica do direito econômico. Fortaleza: Fundação Konrad Adenauer, 2008. p. 41-42.

63 POLTRONIERI, Renato. “Regulação econômica e regulação social: um exemplo de normatização brasileira” in Revista Tributária e de Finanças Públicas vol. 63 Jul 2005.

legislação de defesa da concorrência assume um caráter essencial na manutenção dos mercados em um estado ótimo.