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Fundamentos do processo administrativo no âmbito do CADE

5. A IMPLEMENTAÇÃO DO CONTROLE DOS ATOS DE CONCENTRAÇÃO

5.1 O PROCESSO ADMINITRATIVO PARA ANÁLISE DE ATO DE

5.1.1 Fundamentos do processo administrativo no âmbito do CADE

O processo administrativo tem o condão estabelecer, por um lado, a “forma jurídica” à qual deve submeter-se a Administração Pública para que sua vontade manifeste-se por meio de atos aptos a produção de efeitos jurídicos e, por outro, a disciplina dos pedidos e requerimentos dos administrados contra resoluções administrativas340. Nesse sentido, Celso Antônio Bandeira de Mello informa que o processo administrativo tem uma finalidade dupla: salvaguardar os direitos dos cidadãos e permitir uma ação estatal administrativa pautada na clarividência341.

Nesse intento e no tocante à repressão ao abuso de poder econômico, a realização do processo administrativo para análise de ato de concentração econômica vincula-se a normas diversas as quais devem ser impreterivelmente respeitadas.

5.1.1.1 Base constitucional

Importante observar que o controle dos atos de concentração econômica conduzido pelo CADE acarreta numa restrição aos direitos de propriedade e liberdade econômica dos

cumpre que haja uma sequência de atos conectados entre si, isto é, armados em uma ordenada sucessão visando a um ato derradeiro, em vista do qual se compôs, esta cadeia, sem prejuízo, entretanto, de que cada um dos atos integrados neste todo conserve sua identidade funcional própria, que autoriza a neles reconhecer o que os autores qualificam como ‘autonomia relativa’. Por conseguinte cada ato cumpre uma função especificamente sua, em despeito do que todos co-participam do ruma tendencial que os encadeia: destinarem-se a compor o desenlace, em um ato final, pois estão ordenados a propiciar uma expressão decisiva a respeito de dado assunto, em torno do qual todos se polarizam” (MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 19. ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros Editores, 2005. P. 455).

339 PERANTONI, Marianna. A aplicação do acordo sobre subsídios e medidas compensatórias pelo estado brasileiro. 2012. 212f. Dissertação (Mestrado em Direito)- Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, Rio Grande do Norte. p. 177.

340OLIVEIRA, Gesner; RODAS, João Grandino. Direito e economia da concorrência. Rio de Janeiro: Renovar, 2004. p. 177.

341MELLO, Celso Antônio Bandeira. Curso de direito administrativo. 19.ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros Editores, 2005. p. 465.

agentes privados. O próprio processo administrativo pelo qual se efetua a análise da operação de concentração significa uma oneração burocrática ao exercício da atividade empresarial. Assim sendo, é importante marcar que a ação estatal durante o processo administrativo de análise de ato de concentração deve ter sempre a preocupação de não restringir demasiadamente a livre iniciativa e o direito de propriedade.

O processo administrativo para análise de ato de concentração, assim como, toda atividade do Estado, encontra-se pautada pelo princípio republicando impondo ao ente estatal o dever de boa-fé e lealdade para com os administrados e o respeito à segurança jurídica342. Além disso, a atuação do CADE no controle de estruturas, também, encontra-se vinculado aos princípios gerais da administração pública previstos no caput do artigo 37 da Constituição Federal: legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência343.

O processo administrativo para análise de ato de concentração, além de submeter-se aos preceitos constitucionais gerais destinados à Administração Pública, deve, também, obediência aos princípios específicos do processo administrativo, que, segundo José dos Santos Carvalho Filho, são: o devido processo legal, a oficialidade, o contraditório e a ampla defesa, a publicidade, o informalismo procedimental e a verdade material344.

O devido processo legal encontra guarida constitucional no artigo 5º, LIV, da Constituição Federal determina: “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”345.

342 ATALIBA, Geraldo. República e Constituição. 2.ed. atual. por Rosolea Miranda Folgosi. São Paulo: Malheiros Editores, 2004. p. 173.

343 Nesse sentido eis excerto do voto do Ministro do Supremo Tribunal Federal Marco Aurélio: “A administração pública é norteada por princípios conducentes à segurança jurídica – da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da publicidade e da eficiência. A variação de enfoques, seja qual for a justificativa, não se coaduna com os citados princípios, sob pena de grassar a insegurança.” In: AUTORIDADE COATORA - MANDADO DE SEGURANÇA - ATO COMPLEXO - APERFEIÇOAMENTO. Tratando-se, na impetração, de ato complexo, já aperfeiçoado, tem-se, como autoridade coatora, aquela que atuou na última etapa, formalizando-o. DECADÊNCIA - MANDADO DE SEGURANÇA - ATO COMPLEXO - TERMO INICIAL. Uma vez dirigido o mandado de segurança contra ato complexo, o termo inicial do prazo de decadência coincide com o conhecimento da última atividade que o compôs, sendo irrelevante a causa de pedir veiculada, a articulação de defeito em etapa anterior. PROMOÇÃO - ANTIGUIDADE - DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO - EMPATE - LISTA DE ANTIGUIDADE - CONFECÇÃO. Uma vez acionada, pelo Conselho Superior da Defensoria Pública da União, a competência normativa prevista no artigo 10, inciso I, da Lei Complementar nº 80/94, e publicada a lista confeccionada, ilegal é a mudança de critério, refazendo-se a ordem de colocação. PROMOÇÃO E REMOÇÃO - DESEMPATE - REGÊNCIA. Surge harmônica com o sistema da Lei Complementar nº 80/94 a tomada de empréstimo, pelo Conselho Superior da Defensoria Pública da União, para efeito de desempate, visando à promoção por antiguidade, do disposto no artigo 37 da citada lei, a versar sobre critérios relativos à remoção. (BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Mandado de Segurança n.º 24872. Relator: Min. MARCO AURÉLIO, Tribunal Pleno. Data de Julgamento: 30/06/2005. Data de Publicação: DJ 30/09/2005 PP).

344CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 13. ed. rev. ampl. e atual. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005. p. 758-761.

345 EMENTA: CONSTITUCIONAL. PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. ALEGADA OFENSA AO ART. 5º, XXXV, LIV e LV, DA CF. OFENSA REFLEXA.

Esse dispositivo determina que a Administração Pública não tem o condão de aplicar decisão, a qual considere cabível, diretamente, isto é, sem obedecer a um rito adequado para a emanação democrática desse ato administrativo decisório restritivo dos direitos do administrado. É importante frisar que a privação de liberdade ou a limitação do direito de propriedade não necessitam de ser total para o princípio do devido processo legal ter cabimento. Quaisquer formas de sacrifícios, ainda que parciais, exigem o respeito a um processo regular com observância do contraditório e da ampla defesa346.

O princípio da oficialidade implica em que a deflagração da instauração e do desenvolvimento do processo administrativo é responsabilidade da própria Administração347. Segundo Celso Antônio Bandeira de Mello, o fundamento constitucional desse preceito está presente no artigo 2º da Constituição Federal, o qual, ao estabelecer a separação entre os poderes, confere à Administração o poder e o dever de por iniciativa própria trabalhar pelo bem público348.

No artigo 5º, LV, tem-se a seguinte dicção: “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com meios e recursos a ela inerentes”. Nesse dispositivo encontra-se consagrado o princípio do contraditório e da ampla defesa que garante ao administrado o direito de poder contestar as alegações da Administração, influindo efetivamente na decisão do processo, bem como, instruir suas alegações com provas e colher as informações necessárias sua defesa e relativas ao processo349.

O princípio do informalismo procedimental apresenta seu fundamento constitucional implicitamente no artigo 5º, II, e §2º da Constituição Federal. De acordo com Celso Antônio Bandeira de Mello, essa diretriz representa uma preocupação constitucional em valorizar a

DEVIDO PROCESSO LEGAL. PRECEDIMENTOS ADMINISTRATIVOS. NECESSIDADE DE OBSERVÂNCIA. AGRAVO IMPROVIDO. I - A jurisprudência da Corte é no sentido de que a alegada violação ao art. 5º, XXXV, LIV e LV, da Constituição, pode configurar, quando muito, situação de ofensa reflexa ao texto constitucional, por demandar a análise de legislação processual ordinária. II - O entendimento desta Corte é no sentido de que o princípio do devido processo legal, de acordo com o texto constitucional, também se aplica aos procedimentos administrativos. III - Agravo regimental improvido. Grifos nossos (AI 592340 AgR, Relator(a): Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Primeira Turma, julgado em 20/11/2007, DJe- 162 DIVULG 13-12-2007 PUBLIC 14-12-2007 DJ 14-12-2007 PP-00058 EMENT VOL-02303-07 PP-01395). 346 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 19. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2005. p.103.

347 CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 13. ed. rev. ampl. e atual. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005. p. 758.

348MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 19. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2005. p. 477.

349CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 13. ed. rev. ampl. e atual. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005. p. 759.

cidadania por meio da refutação aos empecilhos desnecessários e excessivamente burocráticos no processo administrativo350.

O princípio da verdade material tem base constitucional o artigo 2º da Constituição Federal, uma vez que deriva da própria natureza da função administrativa351. Decorre dele que a administração tem o dever de buscar a verdade real e não somente a verdade formal no seio do processo administrativo. Assim, o administrador está autorizado a proceder por ele próprio buscas por provas e informações para a melhor solução do caso. Além disso, esse princípio autoriza a reformatio in pejus, no âmbito do processo administrativo352.

5.1.1.2 Premissas infraconstitucionais

O processo administrativo para análise de atos de concentração, além de respeitar todos os preceitos constitucionais, é regulamentado pelo conjunto de cinco leis: Lei 12.529/2011 que regulamente o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência; o Código de Processo Civil, Lei 5.869/1973; Lei 7.347/1985 que disciplina a ação civil pública; o Código de Defesa do Consumidor, Lei 8.078/1990; e a Lei 9.784/1999 que regulamenta o Processo Administrativo no âmbito da Administração Federal353.

A Lei 12.529/2011 é o principal diploma regulamentador do processo administrativo para análise de atos de concentração, sendo, subsidiariamente, em matéria processual suplementada pelas demais leis. Isso quer dizer o direito material presente no Código de Defesa do Consumidor não têm aplicação no âmbito do controle de concentrações exercido pelo CADE354.