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Intervenção estatal no domínio econômico prescrita pela Lei 12.529/2011

2. O SISTEMA BRASILEIRO DE DEFESA DA CONCORRÊNCIA SBDC

2.2 OS MECANISMOS JURÍDICOS DE PROTEÇÃO DA CONCORRÊNCIA: O

2.2.1 Intervenção estatal no domínio econômico prescrita pela Lei 12.529/2011

A Lei nº. 12.529/2011 sistematiza o regime jurídico do controle do exercício abusivo do poder econômico em duas vertentes: uma repressiva, ao positivar, no artigo 36, as condutas anticoncorrenciais capazes de limitar ou prejudicar a livre concorrência, e uma preventiva, ao

108 MARTINEZ, Ana Paula. Histórico da introdução do controle de concentrações no Brasil. In: Publicações da Escola da AGU: Debates em direito da concorrência. GUEDES, Jefferson Carús (coord.); NEIVA, Juliana Sahione Mayrink. Brasília: Advocacia-Geral da União, 2011. p. 18.

109 PINHEIRO, Armando Castelar; SADDI, Jairo. Direito, economia e mercados. Rio de Janeiro: Elsevier, 2005.p. 382

110 CARVALHO, Vinícius Marques (coord.); RAGAZZO, Carlos Emmanuel Joppert. Defesa da concorrência no Brasil: 50 anos. Brasília: Conselho Administrativo de Defesa Econômica – CADE, 2013. p. 59-61.

111 FORGIONI, Paula A. Fundamentos do antitruste. 6.ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013.p. 122-123.

sujeitar a eficácia jurídica dos atos e contratos capazes de produzir qualquer forma de concentração econômica, definidos no artigo 88, à aprovação da entidade administrativa competente (CADE). Dessa forma, a lei instituiu dois subsistemas de proteção à concorrência livre: o controle das condutas e o controle das estruturas112. Desde já, conforme Gaban e Oliveira113, adianta-se que os dois subsistemas desenvolveram uma necessidade de aplicação harmônica para que se execute uma tutela adequada da concorrência.

2.2.1.1 Controle de estruturas

A concentração empresarial não é um fenômeno que só gera prejuízos, se assim o fosse o seu regramento seria a proibição pura e simples. Mas existe um complexo de benefícios e perigos, que torna a regulação do acúmulo de poder econômico assaz delicada. Assim sendo, estará sempre presente na disciplina das estruturas uma tensão motivada pelo fato de que, simultaneamente, a concentração de capitais tem uma utilidade indiscutível – considerada por uns até indispensável – ao desenvolvimento do sistema produtivo, mas tem o efeito negativo de criar instabilidade no setor econômico em razão do surgimento de agentes capazes de alterar as condições de mercado ao seu talante114.

Inicialmente cumpre informar que a ideia nuclear de concentração está no crescimento de poder econômico de um ou mais agentes de mercado. Isto é, pode-se afirmar que a concentração econômica indica diversas situações na quais há essa centralização de poder ou aumento da capacidade de modificar o funcionamento do mercado115. A título de exemplificação, verificam-se os atos de fusão e incorporação de empresas. A concentração, outrossim, ocorre quando se constituem nova firma ou formam-se outros grupos econômicos, cujo poder de controle é compartilhado, ou nas hipótese de aquisição de ativos ou compra de parcela dos bens de uma sociedade por outra.

A Lei 12.529/2011 enuncia em seu artigo art. 90 o que significa um ato de concentração: 1. Operação de fusão; 2. Aquisição, direta ou indireta, de participações

112 Os subsistemas, isto é, controle estrutural e controle de conduta correspondem, respectivamente, a uma atuação preventiva e outra repressiva. Segundo Paulo Furquim Azevedo essas são as duas principais formas de atuação da autoridade concorrencial (AZEVEDO, Paulo Furquim de. Análise econômica da defesa da concorrência. In: TIMM, Luciano Benetti (org.). Direito e economia no Brasil. São Paulo: Atlas, 2012. p. 272). 113 GABAN, Eduardo Molan; DOMINGUES, Juliana Oliveira. Direito antitruste. 3.ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 77.

114 FORGIONI, Paula A. Fundamentos do antitruste. 6.ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. p. 403-408.

115 NUSDEO, Ana Maria de Oliveira. Defesa da concorrência e globalização econômica: o controle de concentração de empresas. São Paulo: Malheiros Editores, 2002. p.21-22.

societárias ou de ativos de terceiros, tangíveis ou intangíveis; 3. Incorporação de empresas; 4. Constituição de consórcios; 5. Celebração de “contratos associativos” ou de “joint ventures”.

Existem muitas razões116 para que as empresas se concentrem, as mais comuns são: 1. Diminuir a pressão competitiva entre os agentes econômicos; 2. Possibilitar o desenvolvimento de economias de escala e a melhor gestão dos recursos disponíveis; 3. Cooptar capital humano especializado ou a fruição de patentes, de direitos de propriedade intelectual, entre outras vantagens; 4. Proporcionar a entrada de um player em um mercado; 5. Conservar as atividades empresariais; 6. Economias tributárias, legítima opção de investimento de capital, diversificação para diminuição dos riscos da atividade.117

De acordo com Paula Forgioni, essas razões indicam que a concentração de capital viabiliza a consecução de objetivos intangíveis pelas empresas isoladamente, isto é, caso o mesmo capital permanecesse pulverizado. Na União Europeia, as concentrações foram incentivadas durante as fases iniciais do bloco econômico, a fim de estimular a harmonização das economias nacionais. Durante o regime militar do século passado, no Brasil, houve uma política franca de estimulo às concentrações para que a união de empresas fortalecesse a indústria nacional, proporcionasse desenvolvimento tecnológico e crescimento da economia pátria, como também conferisse condições de competitividade com a concorrência internacional118.

No tocante ao processo de controle das concentrações, a primeira etapa consiste em medir os potenciais efeitos prejudiciais aos mercados por meio do seguinte esquema: definição do mercado relevante, identificação do grau de concentração do mercado, verificação de barreiras à entrada de novos concorrentes e à dinâmica de concorrência naquele mercado e a existência de concorrência potencial119. O CADE conduz um juízo de ponderação entre os prejuízos a concorrências e a eficiências advindas da concentração.

As concentrações também se sujeitam à disciplina dos comportamentos, uma vez que podem configurar infração da ordem econômica se tiverem por fim ou possam produzir: limitação, falseamento ou de prejuízos a livre concorrência ou a livre iniciativa; dominação de mercado relevante de bens ou serviços; aumento arbitrário dos lucros; e abuso de posição dominante, conforme previsão do artigo 36 da lei antitruste brasileira.

116 Além das citadas por Paula Forgioni, cumpre destacar a globalização e a competição em nível internacional. 117 FORGIONI, Paula A. Fundamentos do antitruste. 6.ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. p. 400-403.

118 FORGIONI, Paula A. Fundamentos do antitruste. 6.ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. p. 405-406.

119 As etapas de avaliação das concentrações encontram-se indicadas na Portaria conjunta SDE/SEAE nº 50/ 2001.

A lei prevê, nos artigos 88, caput, e 90 da Lei 12.529/2011, os critérios cumulativos para a identificação dos atos que devem se submeter obrigatoriamente ao crivo do CADE. A partir da Lei 12.529/2011, o controle das concentrações passou a ser prévio.

Em razão da segurança jurídica e do respeito à livre iniciativa, os casos previstos para a revogação das autorizações estão previstos, em numerus clausus, no texto do art. 91 da Lei 12.529, de 2011, não sendo o elenco apenas exemplificativo.

A Lei também traz a possibilidade de celebração de “acordo em controle de concentrações”, para que se possa por meio desse instrumento determinar condições voltadas para eliminação dos efeitos prejudiciais à concorrência, gerados pelo ato de concentração, e, dessa forma, viabilizar a aprovação desse ato. Tais acordos estão recebendo aceitação por parte das empresas porque afastam a contestação judicial das operações empresariais.

2.2.1.2 Controle de condutas

A tutela concorrencial eficaz exige a execução dos controles estrutural e comportamental de forma concomitante e associada120.

Atualmente, observa-se o desenvolvimento de novas estruturas empresariais, que, sob a influência das terceirizações, representam empresas sem autonomia interna, isto é, o centro de controle da empresa está fora da firma. Esse fenômeno ocorre pela vinculação entre empresas por meio de contratos e não por força de participações societárias. Tem-se o surgimento de uma rede de empresas associadas – que não pode ser classificada nos modelos de consórcios de empresas – em que uma “holding” atua unicamente no papel de governo do conjunto empresarial sem participar do capital social das sociedades controladas. Vale salientar que muitas vezes sequer se estabelece contratualmente. As estruturas podem se originar da íntima dependência de contratos de prestação de serviços ou do fornecimento sem cláusulas prevendo o comando. A sociedade controladora exerce um poder de fato que é apenas obliquamente devido ao contrato. Esses novos arranjos empresariais são de difícil detecção para o controle estrutural121.

Os controles estrutural e de condutas mantêm relação simbiótica. Esse fenômeno é observado de várias formas. Por um lado, constata-se ser o controle de comportamentos o acabamento cogente à disciplina das estruturas. O controle estrutural faz-se porque a teoria

120 GABAN, Eduardo Molan; DOMINGUES, Juliana Oliveira. Direito antitruste. 3.ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p.77-78.

121SALOMÃO FILHO, Calixto. Direito concorrencial: as condutas. 2.ed. São Paulo: Editora Malheiros, 2007. p.18-19.

microeconômica de matriz marginalista convenceu que determinas condições de mercados, isto é, mercados altamente concentrados, dão azo a que as empresas detentoras de excessivas participações de mercado abusem de sua posição. Mas esse controle não tem como solucionar tudo e sua aplicação em demasia pode gerar prejuízos ao desenvolvimento econômico, uma vez que estaria obstando o surgimento estruturas eficientes e benéficas para o consumidor122.

Então, o controle eficaz dos comportamentos é essencial, porque, caso não se aplique adequadamente à disciplina das condutas, necessitar-se-á um controle estrutural demasiadamente severo, obstando arranjos empresarias que nem sempre são infensos à livre concorrência e restringindo em excesso a liberdade econômica. Diante disso, em algumas situações, exerce-se um controle comportamental mais forte, inclusive por meio de acordos de desempenho, em vez do controle estrutural123.

É no artigo 36 da Lei 12.529/2011 que se encontra a definição das práticas ilícitas denominadas “infrações da ordem econômica”, que se caracterizam em razão do efeito, ainda que potencial, prejudicial à liberdade de concorrer, que acarrete a dominação dos mercados, a eliminação da concorrência e ou aumento arbitrário dos lucros.