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Atos de concentração que devem ser submetidos ao crivo do CADE

2. O SISTEMA BRASILEIRO DE DEFESA DA CONCORRÊNCIA SBDC

4.1 O CONTROLE DOS ATOS DE CONCENTRAÇÃO ECONÔMICA

4.1.1 Atos de concentração que devem ser submetidos ao crivo do CADE

O artigo 88266 da Lei 12.529/2011 em seus incisos I e II fixa um parâmetro cumulativo de faturamento bruto, obrigando, assim, a submissão de todos os atos que alcancem esse patamar à apreciação do CADE. Além de evidenciar os critérios de sujeição obrigatória dos atos, a lei objetiva procura estabelecer que o CADE envolva-se somente no julgamento de casos realmente relevantes para o direito antitruste e permita uma ação mais eficiente da autoridade antitruste267.

Essa preocupação tem origem nas críticas feitas à sistemática da Lei 8.884/94, considerada pouco seletiva. Tal permissividade resultava na análise de muitos casos de menor importância, consumindo recursos e tempo do CADE. Gianni Nunes de Araújo ilustra que nos anos de 2008 e 2009, quando vigorava a prévia lei antitruste, houve o julgamento de 1112

266 “Art. 88. Serão submetidos ao CADE pelas partes envolvidas na operação os atos de concentração econômica em que, cumulativamente:”

“I - pelo menos um dos grupos envolvidos na operação tenha registrado, no último balanço, faturamento bruto anual ou volume de negócios total no País, no ano anterior à operação, equivalente ou superior a R$ 400.000.000,00 (quatrocentos milhões de reais); e”

“II - pelo menos um outro grupo envolvido na operação tenha registrado, no último balanço, faturamento bruto anual ou volume de negócios total no País, no ano anterior à operação, equivalente ou superior a R$ 30.000.000,00 (trinta milhões de reais).”

267 ANDERS, Eduardo Caminati (coord.); BAGNOLI, Vicente (coord.); PAGOTTO, Leopoldo (coord.). Comentários à nova lei de defesa da concorrência: Lei 12.529. de 30 de novembro de 2011. São Paulo: Método, 2012. p. 276-277.

atos de concentração do quais 987 receberam aprovação incondicional, 77 foram aprovados com restrição, 29 não chegaram a serem conhecidos e 2 reprovados. Esses números sugerem a ocorrência de avaliações desnecessárias por parte da autarquia antitruste268.

Inicialmente, a lei previu que a apreciação da concentração é obrigatória quando um dos grupos269 participantes da operação registre no faturamento bruto anual o montante equivalente ou superior a R$ 400.000.000,00 – quatrocentos milhões de reais - e ao menos um dos outros envolvidas atinja o patamar de R$ 30.000.000,00 – trinta milhões de reais.

A própria lei fixou a possibilidade de alteração dos valores referidos para a atualização desses270 por intermédio de portaria interministerial dos Ministros de Estado da Fazenda e da Justiça. E essa eventualidade já aconteceu. A Portaria Interministerial n.º 994, de 30 de maio de 2012, elevou os valores dos incisos I e II do artigo 88 da Lei 12.529/2012 para respectivamente R$ 750.000.000,00 (setecentos e cinquenta milhões de reais) e R$ 75.000.000,00 (setenta e cinco milhões de reais).271

A despeito dos critérios já discutidos, o CADE tem a faculdade de apreciar no período de um ano contado a partir da data de consumação quaisquer atos de concentração por força do §7º, do artigo 88, da lei antitruste brasileira272. Segundo Gianni Nunes de Araújo, a raison d’être desse dispositivo é garantir a possibilidade da autarquia antitruste apreciar

268 ANDERS, Eduardo Caminati (coord.); BAGNOLI, Vicente (coord.); PAGOTTO, Leopoldo (coord.). Comentários à nova lei de defesa da concorrência: Lei 12.529. de 30 de novembro de 2011. São Paulo: Método, 2012. p. 277.

269 Para efeitos da análise dos atos de concentração o CADE definiu o conceito de grupo econômico por meio da Resolução n.º 2, de 29 de maio de 2012. In verbis: “§1º Considera-se grupo econômico, para fins de cálculo dos faturamentos constantes do art. 88 da Lei 12.529/11, cumulativamente: I – as empresas que estejam sob controle comum, interno ou externo; e II – as empresas nas quais qualquer das empresas do inciso I seja titular, direta ou indiretamente, de pelo menos 20% (vinte por cento) do capital social ou votante.[...] § 2º No caso dos fundos de investimento, são considerados integrantes do mesmo grupo econômico para fins de cálculo do faturamento de que trata este artigo, cumulativamente: I - O grupo econômico de cada cotista que detenha direta ou indiretamente participação igual ou superior a 50% das cotas do fundo envolvido na operação via participação individual ou por meio de qualquer tipo de acordo de cotistas; II - As empresas controladas pelo fundo envolvido na operação e as empresas nas quais o referido fundo detenha direta ou indiretamente participação igual ou superior a 20% (vinte por cento) do capital social ou votante; e [...]§ 3º A definição de grupo econômico deste artigo aplica-se apenas para fins de cálculo do faturamento com vistas à determinação do atendimento dos critérios objetivos fixados no artigo 88 da Lei 12.529/2011, e não vincula decisões do Cade com relação à solicitação de informações e à análise de mérito dos casos concretos”.

270 “Art. 88, § 1o Os valores mencionados nos incisos I e II do caput deste artigo poderão ser adequados, simultânea ou independentemente, por indicação do Plenário do Cade, por portaria interministerial dos Ministros de Estado da Fazenda e da Justiça”.

271 “Art. 1o Para os efeitos da submissão obrigatória de atos de concentração a analise do Conselho Administrativo de Defesa Econômica - CADE, conforme previsto no art. 88 da Lei 12.529 de 30 de novembro de 2011, os valores mínimos de faturamento bruto anual ou volume de negócios no país passam a ser de:”

“I - R$ 750.000.000,00 (setecentos e cinqüenta milhões de reais) para a hipótese prevista no inciso I do art. 88, da Lei 12.529, de 2011; e”

“II - R$ 75.000.000,00 (setenta e cinco milhões de reais) para a hipótese prevista no inciso II do art. 88, da Lei 12.529 de 2011”

272“§ 7o É facultado ao Cade, no prazo de 1 (um) ano a contar da respectiva data de consumação, requerer a submissão dos atos de concentração que não se enquadrem no disposto neste artigo.”

eventuais efeitos anticoncorrenciais de operações de diminuto valor para assegurar o interesse público sem gerar uma carga de trabalho excessiva à autoridade concorrencial. Araújo critica esse dispositivo, porque parece afrontar o princípio da segurança jurídica, constitucionalmente consagrado no artigo 5º, inciso XXXVI, CF273.

Como abordado no capítulo anterior274, a forma do ato de concentração não tem importância para o direito antitruste. O que interessa são as consequências concorrenciais das concentrações para o mercado. A própria Lei 12.529/2011 define o que considera “ato de concentração”275 nos incisos do artigo 90.

Na primeira hipótese, constante no inciso I do artigo 90 da referida lei, prevê a fusão de empresas como um ato característico de concentração. De acordo com o Guia Prático do CADE, duas ou mais empresas fundem-se quando “dois ou mais agentes econômicos independentes formam um novo agente econômico, deixando de existir como entidades jurídicas distintas” por meio de um ato societário276.

O inciso II do artigo 90 trata de situações relativas à influência concorrencialmente relevante. Nesses casos, diferentemente da hipótese prevista no inciso I, não há necessidade dos agentes econômicos perderem suas autonomias no processo de formação de uma nova entidade societária. Trata-se dos casos nos quais há cooperação entre agentes econômicos, que se caracteriza pela unificação de decisões concorrencialmente sensíveis ou adoção de práticas coordenadas no mercado277.

Essa atuação coordenada, nos termos do dispositivo citado, é viabilizada pela aquisição ou troca de ativos dentre os agentes econômicos que concedem poder decisório concorrencialmente relevante.

No inciso III do artigo 90, há remissão aos casos de incorporação, cuja definição encontrada no Guia Prático do CADE diz respeitos às operações societárias nas quais “um ou

273ANDERS, Eduardo Caminati (coord.); BAGNOLI, Vicente (coord.); PAGOTTO, Leopoldo (coord.). Comentários à nova lei de defesa da concorrência: Lei 12.529. de 30 de novembro de 2011. São Paulo: Método, 2012. p. 285.

274 Vide Capítulo 2. A concentração econômica, sistema de mercados e a manifestação do poder econômico no mercado

275 “Art. 90. Para os efeitos do art. 88 desta Lei, realiza-se um ato de concentração quando: I - 2 (duas) ou mais empresas anteriormente independentes se fundem; II - 1 (uma) ou mais empresas adquirem, direta ou indiretamente, por compra ou permuta de ações, quotas, títulos ou valores mobiliários conversíveis em ações, ou ativos, tangíveis ou intangíveis, por via contratual ou por qualquer outro meio ou forma, o controle ou partes de uma ou outras empresas; III - 1 (uma) ou mais empresas incorporam outra ou outras empresas; ou IV - 2 (duas) ou mais empresas celebram contrato associativo, consórcio ou joint venture.”

276 CONSELHO ADMINISTRATIVO DE DEFESA ECONÔMICA – CADE. Guia Prático do CADE: a defesa da concorrência no Brasil. 3. ed. revista, ampliada e bilíngue. São Paulo : CIEE, 2007. p. 27.

277 Tratam-se dos conceitos de “cooperação econômica” e “influência relevante” trabalhados por Calixto Salomão Filho (SALOMÃO FILHO, Calixto. Regulação e concorrência: estudos e pareceres. São Paulo Malheiros Editores, 2002. p. 86-95).

mais agentes econômicos incorporam, total ou parcialmente, outros agentes econômicos dentro de uma mesma pessoa jurídica,” e tendo por efeito o fim da personalidade jurídica do agente incorporado e perpetuação da autonomia de direito da sociedade adquirente278.

O incisivo IV do artigo 90 prevê hipóteses nos quais a lei identifica a ocorrência de atos de concentração econômica em contratos de cooperação econômica. A disposição traz em seu bojo os contratos associativos, consórcio ou joint ventures.

A associação empresarial, consoante Gianni Nunes de Araújo, é um contrato marcado pela partilha “de informações, infraestrutura, pesquisa e desenvolvimento, marketing, que afetam o comportamento das partes no mercado ou entre as partes e terceiros, sem relação de propriedade ou relação de subordinação econômica”279.

O consórcio tem previsão legal na Lei 6.404/1976 em seus artigos 278 e 279280. E, segundo José Edwaldo Tavares Borba, constitui uma variedade de contrato entre sociedades que se conjugam para realização de uma iniciativa singular.

As joint ventures281, conforme Herbert Hovenkamp282, consistem em uma modalidade de cooperação empresarial que estabelece estratégias compartilhadas de pesquisa, produção e distribuição.

278 CONSELHO ADMINISTRATIVO DE DEFESA ECONÔMICA – CADE. Guia Prático do CADE: a defesa da concorrência no Brasil. 3. ed. revista, ampliada e bilíngue. São Paulo : CIEE, 2007. p. 27

279 ANDERS, Eduardo Caminati (coord.); BAGNOLI, Vicente (coord.); PAGOTTO, Leopoldo (coord.). Comentários à nova lei de defesa da concorrência: Lei 12.529. de 30 de novembro de 2011. São Paulo: Método, 2012. p.300.

280 “Art. 278. As companhias e quaisquer outras sociedades, sob o mesmo controle ou não, podem constituir consórcio para executar determinado empreendimento, observado o disposto neste Capítulo.”

“§ 1º O consórcio não tem personalidade jurídica e as consorciadas somente se obrigam nas condições previstas no respectivo contrato, respondendo cada uma por suas obrigações, sem presunção de solidariedade.”

“§ 2º A falência de uma consorciada não se estende às demais, subsistindo o consórcio com as outras contratantes; os créditos que porventura tiver a falida serão apurados e pagos na forma prevista no contrato de consórcio.”

281 O Guia Prático do CADE conceitua joint venture nos seguintes termos: “Joint-venture é a associação entre dois ou mais agentes econômicos para a criação de um novo agente econômico, sem a extinção dos agentes que lhe deram origem. Pode ter por objetivo a pesquisa e o desenvolvimento de novos produtos e serviços, a atuação em um novo mercado distinto dos mercados individuais de cada empresa, ou ainda a participação no mesmo mercado relevante dos agentes econômicos, dentre outros objetivos.” CONSELHO ADMINISTRATIVO DE DEFESA ECONÔMICA – CADE. Guia Prático do CADE: a defesa da concorrência no Brasil. 3. ed. revista, ampliada e bilíngue. São Paulo : CIEE, 2007. p. 28).

282 “Agreements among competitors that include some coordination of research, production, promotion or distribution are commonly referred to as 'joint ventures.' A joint venture is ant association of two or more firms for carrying on some activity that each firm might otherwise perform alone. Some joint ventures require the parties to agree about price or output, although many do not. Likewise, the participants in some joint ventures are competitors, while in others they are firms at different levels in a distribution chain, firms producing related products, or the sam product in different geographic marketsl. As a result, to characterize something as 'joint venture' is to say nothing abou its effects on competition or its legality under the antitrust laws. When joint ventures are condemned, it is either because the joint venture allegedly excludes non member firms from access to a certain market.”. (HOVENKAMP, Herbert. Federal antitrust policy: the law of competition and its Practice. St.Paul: West Publishing Co., 1994.p.185-186).

A lei concorrencial estabelece ainda um caso de isenção antitruste283 relativa aos atos de concentração motivados pelo fim particular de participar das licitações conduzidas pela administração pública direta e indireta. Nessa hipótese, o controle prévio do CADE sobre as operações de reunião de empresas é afastado.

Por fim, no tocante ao Sistema Financeiro Nacional, o CADE não tem competência legal para analisar os aspectos concorrenciais dos atos de concentração das instituições financeiras, cabendo ao Banco Central do Brasil – BACEN – a fiscalização dessas operações. Todavia, essa configuração jurídica e institucional ainda não está estabilizada.

A competência do BACEN para apreciar a legalidade dos atos de concentração no Sistema Financeiro sofre contestação judicial por parte do CADE. Na verdade, há mais de uma década que ocorre uma disputa entre os dois órgãos para determinar a quem cabe examinar as concentrações financeiras.

A celeuma começou quando, nos autos do Ato de Concentração n.º 08012.002381/2001-23, incidentalmente, o CADE determinou que o Banco de Crédito Nacional S/A e o Bradesco/SA notificassem essa autarquia a respeito do ato de aquisição do controle do primeiro banco pelo segundo. Frise-se: o ato de concentração ocorrido entre os bancos não era alvo naquele momento da apreciação da autarquia antitruste.

As instituições financeiras impetraram mandado de segurança contra o ato do CADE sob a alegação de que este órgão não detinha competência para apreciar a concentração entre integrantes do SFN - Sistema Financeiro Nacional. Os bancos argumentaram que se regiam por legislação especial, a Lei 4.595/64. Logo a aplicação da lei antitruste estava afastada. A discussão ocorreu em relação à Lei 8.884/94.

O mandado de Segurança recebeu provimento no primeiro grau, mas foi revisto no Tribunal Regional Federal da 1ª Região - TRF1. A decisão do Tribunal foi impugnada por meio do Recurso Especial n.º 1.094.218 – DF, o qual foi provido reconhecendo-se como atribuição exclusiva do BACEN fiscalizar e julgar as operações de concentração de instituição relacionada ao Sistema Financeiro Nacional284.

O acórdão do Superior Tribunal de Justiça – STJ - foi judicialmente questionado por meio do Recurso Extraordinário n.º 664.189- DF, cuja relatoria designou-se para o Ministro Dias Toffoli do Supremo Tribunal Federal – STF. O relator deste recurso negou seguimento à

283“Art. 90 Parágrafo único. Não serão considerados atos de concentração, para os efeitos do disposto no art. 88 desta Lei, os descritos no inciso IV do caput, quando destinados às licitações promovidas pela administração pública direta e indireta e aos contratos delas decorrentes.”

284BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n.º 1.094.218. DF 2008/0173677-1, Relator: Ministra ELIANA CALMON, Data de Julgamento: 25/08/2010, S1 - PRIMEIRA SEÇÃO, Data de Publicação: DJe 12/04/2011.

medida processual sob o argumento que a definição da competência do BACEN era matéria de cunho infraconstitucional e, por não haver, ofensas à CF, não caberia ao STF pronunciar-se sobre o caso285. A disputa ainda não se encerrou, porque o CADE ajuizou Agravo Regimental da decisão do Ministro Toffoli impugnando a decisão dele.

Nesse ínterim, o BACEN expediu expediente normativo para regular o controle de atos de concentração no âmbito do SFN e até um guia orientando a análise econômica das referidas operações.

A Circular 3.590, de 26 de abril de 2012286, fixou os critérios definidores dos atos relevantes para o controle estrutural efetuado pelo BACEN. Para esse órgão, as cooperações econômicas não se enquadram no conceito de atos de concentração287 nem há estabelecido nenhum valor de referência no tocante ao faturamento dos agentes que se reúnem para filtrar as operações.

E, ainda que, conceitualmente, haja discrepâncias quanto aos critérios de incidência do controle de estruturas, ambos os órgãos aproximam-se em relação aos parâmetros aprovação ou reprovação dos atos. Nesse sentido, observa-se que “Guia para Análise de Atos de Concentração” 288 envolvendo instituições financeiras estabelece procedimentos e condições semelhantes aos presentes no Guia proposto pela Secretaria de Acompanhamento Econômico do Ministério da Fazenda - SEAE-, presente na Portaria Conjunta Seae/SDE 50, de 1º de agosto de 2001.