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Os requisitos para aprovação excepcional do ato de concentração

2. O SISTEMA BRASILEIRO DE DEFESA DA CONCORRÊNCIA SBDC

4.2 ANÁLISE DOS DISPOSITIVOS LEGAIS REGULADORES QUE,

4.2.1 Os requisitos para aprovação excepcional do ato de concentração

A ambivalência das concentrações econômicas consiste na produção de riscos e benefícios simultâneos. Desse modo, ainda que o ato crie ou aumente o poder econômico dos agentes participantes do ato, não é possível determinar a intervenção imediata da autoridade antitruste.

No Brasil, o CADE, por força de legislação, deve ponderar em cada ato de concentração as vantagens e eventuais prejuízos advindos dele. No 6.º do artigo 88, a lei determina a aprovação das concentrações potencialmente lesivas à concorrência desde que ela promova: o crescimento da produtividade ou da competitividade; o aperfeiçoamento de bens e serviços; e a eficiência e o desenvolvimento tecnológico.

Em síntese, a legislação antitruste possibilita que aprovação de atos de concentração geradores de poder econômico desde que haja eficiências econômicas compensatórias de forma que o resultado da soma entre estas vantagens e os prejuízos concorrenciais resulte em efeito líquido não negativo303.

O Guia para Análise Econômica dos Atos de Concentração Horizontal, embora não seja vinculativo, fornece os parâmetros básicos para identificação das eficiências econômicas304 e para determinar a sua relevância para o direito antitruste.

As eficiências econômicas assumem um papel de destaque dentro da sistemática da Lei 12.529/2011. Por um lado, no tocante à avaliação dos atos de concentração, as eficiências

303 Vide o §3º Tutela das estruturas de mercado pela vedação aos atos de concentração econômica da Seção 1 deste Capítulo.

304 De acordo com o Guia eficiências econômicas dos atos de concentração econômica consistem nas “melhorias nas condições de produção, distribuição e consumo de bens e serviços gerados pelo ato, que não possam ser obtidos de outra maneira (‘eficiências específicas’ do ato) e que sejam persistentes a longo prazo.”

atuam como justificativas para aprovação das operações de conjugação empresarial, embora, essas provoquem o aumente do poder de mercado das empresas envolvidas. Por outro, no âmbito das condutas, as eficiências assumem o caráter de excludente absoluto de ilicitude, consoante previsto no artigo 36, §1º, do referido diploma305, com base nas ideias de Calixto Salomão Filho.306

Para a análise dos atos de concentração, de acordo com Robert H. Bork, duas categorias de eficiências econômicas são cruciais. Bork refere-se aos conceitos de eficiência alocativa e eficiência produtiva307.

A eficiência alocativa diz respeito ao modo como os recursos escassos estão distribuídos socialmente. Para Bork, a eficiência alocativa é parâmetro de avaliação para ponderar se os recursos produtivos são destinados para as atividades mais desejadas e necessárias por parte dos consumidores308. Deve-se pontuar, consoante Calixto Salomão Filho309, que mercados nos quais existam agentes econômicos concentrando muito poder econômico, tendem a resultar em situações de ineficiência alocativa chegando, inclusive, a formação do peso morto com a consequente redução do excedente do consumidor.

Por sua vez, a eficiência produtiva relaciona-se com a organização empresária. Diz respeito ao modo como a empresa aplica seus recursos, bem como, os resultados obtidos. Salomão Filho aduz que a eficiência alocativa identifica-se com a curva de demanda pelo bem, já a eficiência produtiva retrata-se pela curva de custos310 para manufatura da mercadoria.

305 “Art. 36. Constituem infração da ordem econômica, independentemente de culpa, os atos sob qualquer forma manifestados, que tenham por objeto ou possam produzir os seguintes efeitos, ainda que não sejam alcançados: I - limitar, falsear ou de qualquer forma prejudicar a livre concorrência ou a livre iniciativa; II - dominar mercado relevante de bens ou serviços; III - aumentar arbitrariamente os lucros; e IV - exercer de forma abusiva posição dominante.”

“§ 1o A conquista de mercado resultante de processo natural fundado na maior eficiência de agente econômico em relação a seus competidores não caracteriza o ilícito previsto no inciso II do caput deste artigo.” Grifos nossos

306 Calixto Salomão Filho, na verdade, fala da eficiência agindo como excludente absoluto de ilicitude no campos dos comportamentos empresariais em relação ao artigo 20, §1º da Lei 8.884/94. Porém houve a reprodução fidedigna do teor desse dispositivo no artigo 36, §1º da Lei 12.529/2011. Isso possibilita racionar que o dispositivo da nova lei tem a mesma natureza do da legislação anterior. (SALOMÃO FILHO, Calixto. Direito concorrencial: as estruturas. 3.ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2007. p. 198).

307 “[...] The whole task of antitrust can be summed up as the effort to improve allocative efficiency without impairing productive efficiency so greatly as to produce either no gain or a net loss in consumer welfare. The task must be guided by basic economic analysis, otherwise the law acts blindly upon forces it does not understand and produces results it does not intend.” (BORK, Robert H. The antitrust paradox: a Policy at War with itself. New York: Basic Books, Inc., Publishers, 1978. p. 91)

308 Idem

309 SALOMÃO FILHO, Calixto. Regulação da atividade econômica: princípios e fundamentos jurídicos. 2.ed.São Paulo: Malheiros Editores, 2008. p. 145.

A eficiência produtiva é a principal defesa das concentrações potencialmente lesivas à concorrência311. Isso decorre em razão dos ganhos produtivos derivados do aumento de escalas na produção. Segundo Calixto Salomão Filho312, a elevação da produção implica na redução do custo unitário das mercadorias, porque os custos fixos diluem-se em um número maior de produtos. E, dessa forma, o melhor uso dos recursos escassos na empresa significa, também, a economia desses e a possibilidade de destinar esses capital e capacidade de trabalho para outras atividades voltadas a satisfação de outras necessidades econômicas.

O Guia para Análise Econômica dos Atos de Concentração Horizontal define que as eficiências são os ganhos de bem-estar advindos especificamente das concentrações. O Guia registra que as eficiências podem apresentar-se sob a configuração de economias de escala e/ou de escopo, inovações tecnológicas mais produtivas, da apropriação de externalidades positivas ou supressão de externalidades negativas e da criação de um poder de mercado compensatório.

As economias de escala constituem a diminuição dos custos médios originada do aumento da produção313. Nos termos do Guia, essa variação do custo produtivo médio ocorre em virtude: da redução proporcional dos custos fixos nos bens manufaturados; aumento da produtividade do trabalho; elevação da produtividade do capital; melhor aproveitamento das propriedades físicas dos equipamentos e insumos industriais.

As economias de escopo correspondem à minoração dos custos médios em razão da conjugação produtiva de produtos diferentes. Segundo Bruno Leal Rodrigues314, as economias de escopo tem origem na ocorrência de fatores de produção partilháveis, na presença de reservas de capacidade e na possibilidade de complementação tecnológica e mercantil.

As inovações tecnológicas, também, são reconhecidas como eficiências compensatórias. De acordo com o Guia, dessas novas tecnologias podem decorrer diversas modalidade de eficiências, tais como a criação de novos produtos, o desenvolvimento técnico- científico da produção e, inclusive, renovação organizacional – no ponto 70 do Guia,

311CARRASCO, Vinicius; MELLO, João M. P. de.; ORENSTEIN, Paulo. Pequeno guia moderno de análises de fusões horizontais: a ótica econômica. In: RODAS, João Grandino (coord.). Direito econômico e social: atualidades e reflexões sobre direito concorrencial, do consumidor, do trabalho e tributário. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012. p. 46.

312SALOMÃO FILHO, Calixto. Direito concorrencial: as estruturas. 3.ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2007. p. 305.

313COOTER, Robert; Ulen, Thomas.Law & Economics.5.ed. Boston: Pearson Education, Inc., 2008. p.34-35 314 RODRIGUES, Bruno Leal. Direito da concorrência, concentração de empresas e eficiência econômica, a aprovação de atos de concentração horizontal por eficiências compensatórias. 2006. 323f. Dissertação (Pós- Graduação Stricto Sensu em Direito) – Universidade Gama Filho, Rio de Janeiro, Rio de Janeiro. p.156.

observar-se que a substituição de administradores incapazes pode ser considerada um aprimoramento tecnológico específico do ato de concentração.

Atualmente, em conformidade com Calixto Salomão Filho, a pesquisa tecnológica consta provavelmente como a preocupação central das políticas industriais dos países modernos315. Essa importância parece revelar a essencialidade do processo de “destruição criativa” para o sistema de mercados, o qual está sempre a criar novos produtos, processos produtivos, técnicas comerciais e melhores estruturas organizacionais ao passo que destrói o velho316.

As externalidades correspondem aos custos sociais que atividade econômica gera, mas não estão contidos no preço317. Assim, esse mecanismo de mercado falha em traduzir a real escassez do bem. Dessa forma as externalidades podem derivar ganhos ou perdas a terceiros não envolvidos na eventual transação. Para o Guia, a criação de externalidades positivas, a supressão de externalidade negativas e a eliminação dessa distorção pela adequada apropriação delas, podem ser tomadas como eficiências derivadas especificamente das operações de concentração.

O poder de mercado compensatório, também, pode ser considerado uma eficiência específica da concentração. Conforme Bruno Leal Rodrigues, o poder de mercado compensatório verifica-se no caso em que o ato de concentração ocorrer no mercado a montante318 e a nova entidade empresarial adquirir a capacidade de fazer pressão para diminuir os preços das matérias-primas319.

As eficiências derivadas dos atos de concentração, somente, podem ser ponderadas como defesa da operação se: forem específicas da concentração; constituírem efetivas economias dos recursos; e sejam razoavelmente verificáveis e mensuráveis. Essas são balizas do Guia que, também, estabelece o conteúdo dessas exigências nos termos a seguir.

A especificidade requerida significa que a geração das eficiências alegadas deve ocorrer diretamente da concentração. E, além disso, não deve ser possível obtê-las por outra forma menos perigosa a concorrência em período inferior a dois anos.

315 SALOMÃO FILHO, Calixto. Regulação da atividade econômica: princípios e fundamentos jurídicos. 2.ed.São Paulo: Malheiros Editores, 2008. p. 152.

316 SCHUMPETER, Joseph A. Capitalism, Socialism, and Democracy. [Kindle Edition] 2.ed. . Floyd: Wilder Publications, Inc., 2013.

317 BORK, Robert H. The antitrust paradox: a Policy at War with itself. New York: Basic Books, Inc., Publishers, 1978. p. 114-115.

318 Vide o item B Concentrações Verticais do §3º da Seção 2 do Capítulo 2.

319 RODRIGUES, Bruno Leal. Direito da concorrência, concentração de empresas e eficiência econômica, a aprovação de atos de concentração horizontal por eficiências compensatórias. 2006. 323f. Dissertação (Pós- Graduação Stricto Sensu em Direito) – Universidade Gama Filho, Rio de Janeiro, Rio de Janeiro.p.159-160.

As eficiências, igualmente, devem implicar em efetivo melhor aproveitamento dos recursos econômico, ou seja, produzir mais com menos. Isso afasta os ganhos meramente pecuniários – tais como economias tributárias – da condição de elemento de defesa da conjugação empresarial que produza ou reforce poder de mercado.

No tocante à necessidade de razoável demonstrabilidade e mensuração, embora, a avalição dos atos de concentração seja um prognóstico, faz-se preciso afastar os alegados ganhos de eficiência vagos, especulativos e cujas identificação e medição não ocorram com base em causas comprováveis no momento do julgamento.

Por fim, aprovação de concentrações potencialmente lesivas à concorrência apenas se aprovarão em razão das eficiências econômicas compensatórias caso os consumidores sejam beneficiados com parcela substancial dos ganhos advindos da operação, como determina o II do §6º do artigo 88 da Lei 12.529/2012.