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4 OS CAMINHOS DA IMIGRAÇÃO

4.2 A diáspora palestina

De Belém partiram os primeiros imigrantes árabes para o Brasil e a maioria dos imigrantes palestinos cristãos que veio para o Recife. No final do século XIX, período inicial da imigração, aquela cidade era um pouco maior do que uma ‘aldeia rural’ e a sua população mais a dos distritos de Beit Jala e Beit Sahur e da zona rural, era de aproximadamente oito mil

habitantes. No início do século XX, antes da Primeira Grande Guerra Mundial, a população havia aumentado para aproximadamente doze mil habitantes, e em 1921, três anos após o final do conflito, período bastante dinâmico da imigração, a população belenense estava reduzida a metade (ELALI, 1995, p.166). Esta redução não está ligada diretamente ao número de baixas provocadas pela guerra, mas, pela retomada do movimento migratório, em ritmo ainda mais acelerado, ao fim da Guerra. Vale salientar que nem todos que emigraram de Belém ou de outras cidades palestinas vieram para o Brasil. Como já dissemos, muitos seguiram para outros países vizinhos no Oriente Médio e África do Norte (sobretudo os muçulmanos) ou para Europa, Austrália e América, para onde emigrou a maioria dos cristãos. Na América, além do Brasil, os principais destinos foram os Estados Unidos, Chile, Honduras, Costa Rica, El Salvador, Guatemala, México, Argentina e Canadá, mas há muitos relatos entre os palestinos que vivem em Recife de parentes ou conhecidos no Peru, Bolívia e Colômbia. Alguns informantes falam em famílias na diáspora, onde cada um dos seus irmãos, ou cada um dos irmãos dos seus pais foi morar em um país diferente. Segundo o depoimento de Fauze Hazin, meu tio:

Minha mãe [No caso, a minha avó paterna, Hilue Sarah Hazin] tinha duas irmãs. Todas três deixaram a Palestina em momentos diferentes. A primeira migrou para o México, a segunda para o Chile e a minha mãe veio mesmo para o Brasil. Os pais dela ficaram em Belém. Meu pai [meu avô paterno, Hissa Mussa Hazin], só tinha uma irmã, tia Milade. Os dois vieram para o Brasil. Ele imigrou em 1906 e depois de morar quase vinte anos no Piauí, mudou para Recife. Tia Milade só veio em 1920 [da Palestina], depois da Guerra. Passou algum tempo morando em Recife e depois mudou-se para Salvador. A minha avó [Mirian Andônian, mãe do seu pai] chegou a morar alguns anos no Recife, mas depois voltou para a Palestina (fotografias 53 e 54).

Segundo Elizabeth Hazin, sobrinha de Fauze, eram três as irmãs de Hilue. Em nossa entrevista ela comentou que provavelmente ninguém da família sabia da existência dessa outra irmã:

Vovó tinha uma irmã no Chile, no México e na França. Eu soube disso no último ano de vida dela. Ninguém da família sabia disso. Eu estava um dia conversando com ela [...] aí eu disse, – vó, me conta [...] como é que foi a viagem pro Brasil [...]. Aí ela disse, – ah, minha filha, foi... Ela sempre simplificava tudo, né, ela não gostava muito de falar do ‘lado de lá’ não. –A gente veio num navio que parou em Marseille na França e aí eu vi pela última vez minha irmã. Ela morava mais pra cima e desceu para me ver. Aí eu disse, – vó, que irmã? Aí ela disse, – eu tinha uma irmã, a irmã mais velha. Ela casou e foi pra França [...], há muito tempo. Aí vovó passou em Marseille no porto, o navio parou lá antes de vir pro Brasil. E aí elas se encontraram pela última vez.

Fotografia 53 – Miriam Andônian, minha bisavó. Morou Fotografia 54: Hilue e as irmãs que moravam alguns anos no Brasil e retornou em definitivo para Belém. no Chile e no México

Fonte: Coleção do autor. Fonte: Coleção do autor.

Alberto Asfora explica que seus parentes mais próximos emigraram na década de 1930, época da repressão inglesa e dos confrontos com os sionistas durante o protetorado britânico:

Meu avô veio pra cá por causa de perseguição [sionista]. Veio uma parte pra cá, outra parte foi pro Peru, pro Chile, e a outra foi pro México, a outra foi pra Honduras e Estados Unidos. [...] Eram quatro irmãos que saíram da Palestina pra vir pra cá, aí, quando eles chegaram na França, [...] Jorge, que era muito alto e forte, [...] teve uma trombose, um negócio aí e aí morreu. Aí os três vieram pra cá, mas eram quatro.

O Sr. Romano Farsoun emigrou para o Brasil depois da criação do Estado de Israel em 1948 fugindo da Guerra entre judeus e palestinos. Segundo ele:

Não ficou ninguém. Meus primos foram para o Canadá, Vancouver, minha irmã foi para Viena, na Áustria, meu outro irmão foi para os Estados Unidos ele atualmente mora em Miami, ele morava em Orlando, agora em Miami. Isso mesmo. O pior de tudo é que tomaram tudo de nós na base das armas.

Em Belém, a Cidade Imortal, Giries Nicola Elali (1995, p.195-200) dá um depoimento da diáspora vivenciada por sua família em várias gerações sucessivas.

Meu avô Jacob Giacaman Elali nasceu em Belém em 1850[...], teve quatro filhas e um filho: Jamila, Rosa, Manne, Milada e Nicola (meu pai). Jamila casou com Hanna Giacaman Elali. O casal emigrou para o Chile e teve duas filhas: Milada, que casou com Khalil Giacaman Elali não teve filhos e morreu no Chile, e Regina, que casou com Elias Giha, viveu em Lima, no Peru e teve dez filhos, que também casaram e tiveram filhos. Rosa casou com Ibrahim Telche e então emigraram para a Bolívia. Manne casou com Hanna Qteis Bandak e emigraram para Honduras. Milada ficou solteira e morreu em Belém. A maioria deles emigrou para países onde já moravam parentes.

[...]

Meu pai, Nicola, nasceu em Belém em 1878 e minha mãe, Miriam Said Andoniah nasceu em 1888. Como estava insatisfeito com as condições de vida do País, viajou

para a Bolívia, começando a vida como mercador ambulante. Depois, montou um armazém, fez uma razoável economia e voltou para Belém. Meus pais tiveram seis filhos: Afifa, Najib, Giries, Elias, Jacob e Mary. Afifa casou com Said Marzouca e teve quatro filhos e três filhas. Seus filhos Yusef, Elias, George e Fuad casaram e trabalham no comércio, na Carolina do Sul, nos Estados Unidos. Suas filhas moram em Belém. Najib emigrou para o Chile com 17 anos de idade. Ali casou com Inês Salman e teve dois filhos e uma filha. Seus filhos trabalham no comércio. Elias, ainda bem jovem, seguiu seu irmão Nagib para o Chile. Anos mais tarde regressou a Belém e casou com Mary Hanna Hazboun. Eles voltaram para o Chile e tiveram dois filhos e uma filha. Todos trabalham no comércio. Jacob estudou engenharia e trabalhou na construção de casas em Belém e depois no Kuwait. Seus filhos trabalham no comércio e suas filhas moram na Califórnia, Estados Unidos.

[...]

Eu, Giries Nicola Jacob Sales Elali, nasci em Belém em 1922. Minha esposa, Mary Masrieh Elali nasceu em Belém, 1929. No Brasil, ela exerce atividade de comércio e trabalha na administração de nosso hotel em Natal. Estudei engenharia civil através das Escolas de Correspondência Egípcias. Trabalhei como engenheiro em Amã, Jordânia e em Belém. Quando as condições pioraram emigrei para o Kuwait. Depois fui para Bagdá [no Iraque]. Retornei a Belém e ocupei o posto de engenheiro chefe da prefeitura de 1960 até 1964. As condições de vida continuaram a se deteriorar. Para garantir um bom futuro para os meus filhos renunciei ao cargo na Prefeitura de Belém e resolvi viajar para me unir aos meus irmãos no Chile ou aos irmãos de minha esposa, Hissa e Tawfic Jiries Masrieh Hasbun, que viviam na cidade do Recife. Visitei ambos os países e optei pelo Brasil devido à oferta de trabalho na minha área. Pensei em ficar somente cinco anos, período após o qual eu esperava que a compreensão e a paz seriam alcançadas entre palestinos e judeus e eu poderia retornar ao meu País. Cheguei com minha família em 1964 para a cidade do Recife. Em 1976, mudei para a cidade de Natal, onde permaneço até hoje. Meus quatro filhos são Sami, nascido em Belém, Ranzi no Kuwait, Makran, em Bagdá e Esam em Belém. Hoje, todos moram no Brasil.

Os relatos de quase todos os palestinos natos ou dos filhos de palestinos que entrevistei contam histórias parecidas e no geral, o que pude observar, é que a parentela não costumava imigrar toda para o mesmo lugar. Frequentemente eles imigravam para diferentes países de um mesmo continente, na maioria das vezes, na América Central ou América do Sul. Algumas famílias, porém, se dispersavam por diferentes continentes, como a de Giries Nicola Elali que foi relatada acima que tinha parentes nas três américas, na Europa e no Oriente Médio. Além disso, quase todas as famílias tinham parentes que permaneciam em suas aldeias na Palestina.