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3.3 Motivações políticas

3.3.4 A Segunda Guerra Mundial e a criação do Estado de Israel

Como já havia acontecido durante a Primeira Guerra Mundial, o fluxo de imigrantes praticamente estancou durante a Segunda Guerra Mundial. Na prática, não havia transporte de passageiros civis no Mar Mediterrâneo ou no Atlântico e também não havia por via aérea. Uma narrativa de Elizabeth Hazin sobre a sua tia Norma Frej Hazin, uma filha de palestinos nascida em Recife, demonstra a dificuldade e o risco de uma viagem entre a Palestina e o Brasil durante aquele período:

Ela foi pra palestina com um ano de idade, só tinha um ano. [...] Ela foi com dona Afife pra Palestina visitar a família, aí eclodiu a Segunda Guerra [...]. Estava na Palestina, aí dona Afife quis voltar para o Brasil, não é, quis voltar pro Brasil e não tinha como. Disseram a ela na que não tinha possibilidade de volta. Aí ela pegou um taxi com titia, pegou um taxi e foi para o Líbano, para Beirute, aí, lá em Beirute, ela foi no consulado do Brasil... Eu tenho pra mim que aqueles países ali tinham um consulado para o grupo todo, não era um em cada País. Aí no consulado ela jogou titia e disse, “ela é brasileira, a responsabilidade agora é de vocês”. Aí saiu e aí o cara chamou ela. “Está bem, a senhora é muito viva, eu vou resolver o problema”. Aí ela veio no navio. O navio na volta [para o Líbano] foi afundado. Foi a última viagem do navio. Foi bombardeado. Elas vieram na última viagem.

Em minha entrevista com Hanna Safieh ele explicou que a emigração não cessou apenas pelas dificuldades de transporte como havia acontecido na Primeira Guerra Mundial. Paradoxalmente, a Segunda Guerra Mundial foi um período de relativa paz e prosperidade para a Palestina e isso teria contribuído para frear a emigração. Sobre isso ele dá o seguinte depoimento:

Na Segunda Guerra Mundial, a imigração praticamente parou e por uma razão, a Palestina estava próspera. [...] Na Segunda Guerra Mundial a Palestina se transformou num ponto estratégico de logística para os aliados, especialmente para os ingleses, significa que de lá eles encaminhavam os mantimentos, comida, etc, como também os armamentos, e também passou a ser centro hospitalar para os feridos, uma época de muita circulação de dinheiro que estabilizou tudo. [...] Durante a época da Guerra, todo mundo estava ocupado na Europa. Os judeus não tinham força. [...] Foi uma época de tranquilidade e prosperidade, até 45.

Contudo, o período imediatamente seguinte à Guerra, ainda sob a ‘tutela’ do Governo Britânico e antes da criação do Estado de Israel, foi um dos mais conturbados para os palestinos. Ao mesmo tempo em que as revoltas palestinas haviam sido suspensas, os judeus, quase todos europeus recém-chegados, iniciaram as ações terroristas contra os palestinos e britânicos para impedir a independência palestina. Naquela ocasião, os grupos terroristas judeus Irgun e Stern sequestraram e enforcaram oficiais britânicos, atacaram e saquearam depósitos militares de armas e munições, dinamitaram quarteirões residenciais e mercados públicos, culminando com a explosão em 1946 do Hotel King David, em Jerusalém, sede do governo britânico, causando a morte de 91 oficiais e servidores do governo britânico (fotografia 26). Naquela ocasião Hanna Safieh e sua família ainda viviam em Jerusalém:

A questão política estava parada. Os ingleses fizeram um livro branco em 1939 dizendo que eles abandonam o projeto sionista [...] Emitiram um livro branco no qual o Governo britânico oficialmente abandona esse projeto. Por isso, que quando terminou a Segunda Guerra Mundial os judeus começaram a atacar o exército britânico, fazendo terrorismo contra o exército britânico na Palestina porque eles queriam que eles fossem embora.

Fotografia 26: Ataque dos judeus ao Hotel King David, sede do governo mandatário britânico, pouco antes da criação do Estado de Israel. Fonte: KHALIDI, 1986, p.250

Pressionados de um lado pelos terroristas judeus e do outro pelos aliados europeus e americanos que precisavam encontrar um destino fora da Europa para os milhares de judeus salvos dos campos de concentração nazistas, a Inglaterra transferiu para a ONU53 o destino da Palestina. Em novembro de 1947 a Assembleia Geral da ONU aprovou a resolução 181 que estabelecia a divisão do território em dois estados: Palestina, com uma área total de 11.800km2, equivalentes a 43% do território original e Israel, com os 14.500km2 restantes, que representavam 57% do antigo território palestino (mapa 10).

A Resolução estabelecia ainda que os dois novos estados só começariam a existir dois meses depois de encerrado o mandato britânico e de a Inglaterra retirar a totalidade de suas forças do País. Diante da Resolução, a Inglaterra comunicou a ONU que encerraria o mandato e retiraria suas forças até o dia 15 de maio de 1948, seis meses depois da aprovação da Resolução 181. Os árabes, que representavam quase 70% da população, não concordaram com a resolução e tentaram a todo custo evitar a partilha. Os Judeus, que tentavam estabelecer um Estado para eles e representavam naquela ocasião um terço da população do território, também não aceitaram plenamente a resolução da ONU. A desordem foi geral, com atos terroristas de ambos os lados.

Mapa 10: Mapa da Palestina após a partilha com Israel, de acordo com a resolução 181 aprovada pelas Nações Unidas

Fonte: KHALIDI, 1986, p.307

53 A ONU, que foi criada oficialmente em outubro de 1945 após a assinatura da Carta das Nações Unidas pelos

Assassinatos, incêndios e explosões transformaram a Palestina numa praça de guerra. Segundo Hanna Safieh:

A resolução da partilha precipitou o País na anarquia e no caos [...] e o período remanescente do protetorado britânico, uma sequência de horrores, já que o governo britânico não queria comprometer suas forças para restabelecer a lei e a ordem. Os palestinos tentavam impedir a partilha de sua pátria ancestral. Os judeus sionistas procuravam estabelecer um estado judeu, não exatamente sobre as fronteiras estabelecidas pela ONU, mas um Estado que fosse livre de árabes. [...] No dia que a ONU votou a divisão da Palestina, no outro dia começou a eliminação do povo palestino, num plano chamado Plano ‘Dalet’, que foi decidido pela cúpula do Sionismo em Haifa, numa casa de cor vermelha, por isso o Acordo Dalet da casa Vermelha, de onde saíram as ordens para as unidades deles de começarem a ir de aldeia por aldeia eliminando uma atrás da outra54.

Fotografia 26: Subúrbio de Deir Yassin, próximo a Fotografia 27: Subúrbio de Jerusalém atacado e em Jerusalém, onde centenas de árabes foram mortos. seguida ocupado por famílias judias.

Fonte: KHALIDI, 1986, p.335 Fonte: KHALIDI, 1986, p.335

Fotografia 28: Famílias árabes em fuga de Jerusalém Fotografia 29: Fuga dos árabes pelo porto de Jaffa Fonte: KHALIDI, 1986, p.337 Fonte: KHALIDI, 1986, p.337

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O Plano Dalet foi elaborado no final de 1947 pelo Haganah, organização paramilitar sionista. A finalidade do plano nunca ficou totalmente esclarecida. Para alguns autores seu objetivo era o confronto com os árabes para garantir a criação de um estado judeu após o fim do mandato britânico. Para outros autores (Walid Khalidi, Ilan Pappé), o objetivo seria conquistar o máximo do território da Palestina, criando se possível um estado exclusivamente judeu, livre de árabes, tal como foi propugnado na famosa ‘Carta de Ben-Gurion de junho de 1938’: "Eu sou pela transferência compulsória. Não vejo nada de imoral nisso."

Em abril de 1948, um mês antes do fim do mandato britânico, terroristas judeus massacram centenas de palestinos em Deir Yassin, subúrbio ocidental de Jerusalém (fotografia 26). O massacre provocou o êxodo de milhares de famílias árabes de suas casas (fotografias 28 e 29). Nos dias seguintes, todos os bairros palestinos da Jerusalém Ocidental foram atacados e depois ocupados pelos sionistas, para sempre (fotografia 27). Essa mesma tática de produzir o terror, seguida de expulsão das famílias árabes de suas casas e da ocupação das casas pelos judeus aconteceu nos dias seguintes nas cidades de Tiberíades, Haifa, Jaffa, Saffad, Lyddah e Ramleh. Só nesta última, 60 mil palestinos foram expulsos pelos sionistas. O pânico se estabeleceu entre a população árabe que não dispunha de exército para defender-se,55 provocando o êxodo de milhares de famílias das áreas de combate. Segundo o relato concedido por Alberto Asfora:

Em 48 meu sogro estava lá [na Palestina] aí teve aquele negócio do Deir Yassyn, uma vila árabe, os homens foram trabalhar e só ficaram as mulheres, porque eles são covardes, não é, aí eles entraram na cidade, mataram as mulheres, tiraram as roupas delas, e botaram nos carros pra desfilar. Aí ele disse que viu, um cara pegou, um soldado israelense, a baioneta e enfiou na barriga de uma palestina que estava lá, grávida. São muito covardes. São covardes, no mano a mano...

Romano Farsoun, nasceu em Haifa em 1928. Na época da guerra com Israel ele e sua família ainda viviam na Palestina. Em minha pesquisa de campo ele deu o seguinte relato:

No nosso apartamento a gente botava sacos de areia nas janelas por causa dos tiros, a gente fazia fogo no ‘primus’ para fazer o pão lá porque não conseguia levar na padaria, a gente andava engatinhando dentro de casa. [...] Foi um período muito ruim na época porque os ingleses e os americanos armavam os judeus contra os árabes, contra os árabes cristãos e contra os árabes muçulmanos. E a gente tinha o que em casa, uma pistola, um revólver? Contra canhões, vai fazer o que? [todo o armamento britânico depois da Segunda Guerra Mundial terminou] nas mãos dos judeus. Infelizmente foi isso. Então, levaram tudo que era nosso. Tudo. Nós saímos assim [...]. Sem dinheiro, sem documentação, sem ‘pipoca’ nenhuma. Felizmente, nós tínhamos muitos amigos no Líbano, que eram padres e que nós estudamos lá, nos acolheram no convento. [...] Nós fugimos para o Líbano. Eu trabalhava numa companhia de petróleo no Líbano. Eu fui transferido de Haifa para Beirute, na companhia, e fiquei empregado lá em Beirute. De Beirute, na companhia, fui para Trípoli, lá no Líbano ainda, depois o Líbano não permitiu mais os palestinos trabalhar lá, pra dar emprego aos libaneses. Demitiram a gente. Eu fui para a Arábia Saudita.

Contrariando o que ficara estabelecido pela Resolução 181, no dia 14 de maio de 1948, um dia antes do fim do mandato britânico na Palestina, os sionistas criaram o Estado de Israel e intensificaram seus ataques contra a população palestina, acelerando o seu êxodo. Nos dias que se seguiram 450 aldeias palestinas foram destruídas e em seguida ocupadas pelos judeus e 960 mil palestinos (segundo a ONU) foram expulsos de suas casas e

refugiaram-se em abrigos improvisados nos países vizinhos, principalmente na a Jordânia, Síria, Egito e Líbano. (A Nakba, ou Catástrofe, em árabe). (Fotografias 30 e 31)

Fotografias 30 e 31: A Nakba, o êxodo dos refugiados palestinos da Guerra com Israel Fonte: Palestine Solidarity Campaign. Acesso em 11.07.2016. Disponível em: http://www.palestinecampaign.org/tag/nakba/

Hanna Safieh relatou o que viveu nessa época na Palestina:

No ano da catástrofe, da Nakba, 48 e início de 49, o inverno foi terrível. Já estavam em tendas. A expulsão dos palestinos e sua exterminação, porque foi feita a exterminação física, entravam nas aldeias para matar [...]. Começou essa eliminação do povo palestino em 47, no mês de novembro, depois que foi votado a partição da Palestina. O Estado foi formado em 48, 14 de maio, e aí, a história começou. Começou uma vaga de emigração muito forte. Muitos saíram dos territórios que foram ocupados e se refugiaram. [...] A maior parte na Cisjordânia, [...] a parte que ficou com a Palestina, e uma parte no Líbano. Aqueles [...] que eram da parte Sul foram para Gaza, que não foi ocupada, com um número enorme de pessoas, e nós fomos reduzidos a um povo de refugiados (fotografias 32 e 33). [...] Nessa fase aqui, quem tinha um parente fora, que estava bem de vida, mandava os filhos pra lá.

Fotografias 32 e 33: Acampamentos de refugiados palestinos.

Fonte: Desertpeace e Awda-Dawa. Acesso em 11.07.2016. Disponível em: https://desertpeace.wordpress.com/category/from-the-media/

Os ingleses se retiraram da Palestina sem concluir a criação dos dois estados como havia sido decidido em Assembleia Geral pela ONU. Em vez disso, não conseguiram evitar que caíssem nas mãos dos judeus grande parte de seu armamento pesado levado para Jerusalém para ‘proteger’ a Palestina durante a Segunda Guerra Mundial, e que depois de apropriado pelos judeus, seria utilizado para espalhar o terror, massacrar o incipiente exército palestino e ‘garantir’ a expansão do Estado de Israel. Embora desarmados, os palestinos ainda conseguiram se reorganizar e salvar uma pequena parte de seu antigo território, correspondente a aproximadamente 21% da área original56 , enquanto o Estado de Israel ocupou os outros 79% do território palestino (mapa 11). Em nenhum momento a ONU procurou intervir militarmente para que a partilha original fosse acatada por Israel. E mesmo com o fim dos conflitos anos depois, os palestinos continuaram impedidos pelos sionistas de retornarem ao País, apesar da resolução 194 da ONU reconhecer o direito dos palestinos de retornarem aos seus lares57.

Mapa 11: Mapa da Palestina antes da partilha, com a partilha segundo a resolução 181da ONU e após a criação de Israel e da guerra entre judeus e palestinos.

Fonte: Escola Educação. Acesso em 11.07.2016. Disponível em: http://escolaeducacao.com.br/questao-palestina/

Imediatamente após a Segunda Guerra Mundial e, sobretudo, depois da criação do Estado de Israel, verificou-se um aumento expressivo da imigração judaica para a

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Que incluía a Cisjordânia, Jerusalém Oriental e a Faixa de Gaza e representava cerca da metade do território que previa a resolução 181 da ONU.

57 “Diante da situação dos refugiados palestinos que estavam acomodados em acampamentos improvisados nos

países vizinhos, como Jordânia, Síria e Líbano, vivendo em condições subumanas, a ONU votou a resolução 194 (de 11 de dezembro de 1948) que reconhece o direito de os refugiados palestinos retornarem a seus lares ou serem indenizados, quando assim preferirem” (SAFIEH, 2001).

Palestina. Milhares de judeus provenientes de vários países da Europa, muitos dos quais salvos dos campos de concentração nazistas pelas forças aliadas no final da Segunda Guerra Mundial, ingressaram na Palestina, saqueando casas ou construindo novas colônias nos territórios ocupados ilegalmente por Israel em áreas palestinas. Nas palavras do Sr. Romano Farsoun:

Eu trabalhava na alfândega de Haifa em 1946, 47, 48, eu era funcionário da alfândega de Haifa, fiscalização. Chegavam navios e mais navios [...] cheios de judeus pra descer. O Governo inglês não permitia, mas os Estados Unidos forçava e abria.