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3.2 Motivações econômicas

3.2.3 A expansão do imperialismo europeu sobre o Império Otomano

Após derrotarem os Bizantinos de Constantinopla e grande parte do que restava do antigo Império Árabe em 1516, os turcos otomanos ocuparam a parte do Oriente Médio então conhecida por Síria, e lá permaneceram por quatro séculos, até o final da Primeira Guerra Mundial, em 1918. Durante os três primeiros séculos dessa ocupação, a convivência entre árabes e otomanos, ou entre cristãos, judeus e muçulmanos transcorreu sem grandes incidentes, embora conflitos sectários e tensões sociais sempre existissem e episódios de violência eram inevitáveis. O problema começou a se agravar a partir de meados do século XIX, com a expansão do capitalismo e das ambições imperialista das nações europeias, especialmente por parte da França, Inglaterra e Rússia, que começaram a intervir na dinâmica política, econômica e social do Império Otomano com o intuito de desestabilizá-lo, aumentando gradativamente a frequência e a intensidade dos conflitos. A atuação das potências ocidentais, então, partia do princípio de que era preciso ‘dividir para reinar’. Segundo Oswaldo Truzzi, “naquela região do planeta, isto equivaleu ao fomento de discórdias entre os diferentes grupos étnicos e religiosos” (TRUZZI, 1992, p.13).

Entre as formas de intervenção praticada pelas potências europeias havia o direito a isenção fiscal de vários impostos (conquistado após vitórias militares sobre os otomanos) e a extraterritorialidade (na prática, uma vantagem jurídica que significava a impunidade dos europeus em território otomano), que a princípio, eram reservados aos comerciantes europeus, mas frequentemente estendida a cidadãos locais por cônsules e religiosos que concediam a nacionalidade aos seus protegidos. Os benefícios fiscais e jurídicos estendidos às comunidades árabes cristãs terminaram por provocar a ira da população otomana muçulmana em geral, mas principalmente dos comerciantes, que

enfrentavam maiores dificuldades para comercializar os seus produtos. Logo surgiram numerosos conflitos entre os cristãos e os muçulmanos, estes, descontentes com os privilégios dos mercadores cristãos não europeus. Além disso, as relações comerciais e sociais entre os representantes das comunidades cristãs e das potências europeias, que chegavam a conceder cidadania a seus parceiros comerciais no Oriente Médio era outro fator de conflito com os muçulmanos, que passaram a vê-los como “agentes locais do Imperialismo Europeu” (ROCHA PINTO, 2010, p.29).

Porém, a principal forma de intervenção dos países europeus se dava, sobretudo, através de ‘proteção’ às comunidades religiosas existentes na região. Evidentemente que a ‘proteção’ oferecida estava ligado à expansão dos mercados mundiais e era o mote, a porta de entrada utilizada pelo capital ocidental para penetrar como uma fenda no vasto território ‘inimigo’ compreendido pelo império otomano. Esse tipo de intervenção começou ainda no século XVIII, em 1740, quando a França e a Turquia firmaram um tratado pelo qual a França ficou encarregada de proteger os cristãos do Oriente. Graças a esse acordo, a igreja Católica Apostólica Romana pôde ocupar diversos lugares sagrados e igrejas na Palestina. Esse fato “provocou a ira dos ortodoxos Gregos e da Rússia, que se considerava protetora dos cristãos no Oriente Médio” (ELALI, 1995, p.30). No século seguinte, a França passou ‘proteger’ os católicos, a Rússia os ortodoxos e a Inglaterra, na ‘falta’ de protestantes, protegia os drusos e judeus. “A proteção era acompanhada pelo envio de missionários para fortalecer os elos entre as igrejas locais e o cristianismo europeu, assim como, principalmente no caso das missões protestantes, para converter novos adeptos à forma de cristianismo que elas divulgavam” (MAKDISI, apud ROCHA PINTO, 2010, p.28). É importante ressaltar que a atuação de missionários das diversas igrejas cristãs em território otomano tinha por objetivo a ‘conversão de cristãos ao cristianismo’ por eles defendido, já que “a conversão de muçulmanos a outras religiões era proibida pela lei islâmica” (ROCHA PINTO, 2010, p. 29). Essa prática se difundiu por diversas regiões do Império Otomano, mas, sobretudo, nos territórios ‘sagrados’ para o cristianismo localizados no Oriente Médio. Nas palavras de Elali:

Simultaneamente, vários missionários europeus vieram para Belém. Eles construíram conventos, igrejas, hospitais e escolas, como a Escola da Terra Santa (Terra Sancta), Escola Secundária para Meninas São José, o Hospital Francês, O Convento Alemão e outros, que ofereceram empregos aos trabalhadores de todos os setores da construção civil e reduziram o número de analfabetos (ELALI, 1995, p.31).

O sucesso das missões católicas em difundir suas doutrinas e a autoridade do papa junto às outras comunidades cristãs do Oriente Médio levou ao aumento das tensões e conflitos entre elas, principalmente com a igreja ortodoxa, insatisfeita com a diminuição do

número de fiéis, e que culminou com o conflito entre drusos e maronitas no Monte Líbano e pouco depois, com o massacre de cristãos em Damasco, na Síria, no ano de 1860. Ainda que não haja como se estabelecer uma causalidade direta entre o massacre de cristãos em Damasco e o início das migrações árabes para o Brasil, Paulo Gabriel Hilu da Rocha Pinto alerta que “os processos políticos e sociais desencadeados pela reação otomana criaram condições para que a emigração emergisse como estratégia individual e coletiva em diversos estratos sociais”, começando pela intervenção imperial nas províncias árabes para evitar novos conflitos que pudessem “servir como pretexto para a ocupação militar europeia em províncias do Império”. O resultado dessa intervenção foi o aumento da presença otomana nos territórios árabes e a centralização da administração imperial com o objetivo de promover reformas, inclusive instituindo o serviço militar a cristãos e judeus. No fim, a centralização administrativa contribuiu para excluir as elites árabes letradas de sua participação política nas províncias e teve como efeito colateral o surgimento do nacionalismo árabe. “Em pouco tempo, alguns intelectuais árabes passaram a propor um destino coletivo distinto do Império Otomano para os povos árabes” (ROCHA PINTO, 2010, p.32).

Mesmo evitando a ocupação militar tão temida pelos turcos, os eventos de 1860 levaram a uma maior inserção das potências europeias, garantindo maior autonomia política, administrativa e econômica para algumas regiões predominantemente cristãs dos territórios árabes ocupados, inclusive com a criação de uma província autônoma, cujo governador seria um cristão, não árabe, indicado pelos países europeus, mas submetido ao governo imperial. Tudo isso facilitou a entrada do capital estrangeiro, que não tardou a produzir novas dinâmicas sociais e incorporar parte de Oriente Médio ao sistema capitalista mundial, produzindo inicialmente matéria-prima para a indústria europeia e outros bens primários para o mercado internacional.