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3.4 Fatores coadjuvantes

3.4.3 Os acordos diplomáticos com o Império Otomano

Como já comentei anteriormente a viagem do Imperador Pedro II não deve ser apontada como causa da imigração árabe para o Brasil, mas como um dos vários fatores que a tornaram possível. É provável que sem essa visita, uma parte significativa dos imigrantes árabes que veio para o País tivesse escolhido os Estados Unidos ou outros países da América do Sul, como o Chile ou a Argentina, uma das economias mais importantes no começo do século XX. Essa viagem também não foi um fato político isolado que, de repente, ‘uniu’ os

dois continentes. Antes de ela acontecer e mesmo para que ela pudesse acontecer, seria necessário um conjunto de mudanças importantes, nos dois lados do processo, que tornasse viável a sua marcha. Desde o século XVIII e principalmente no início do século XIX, o Império Otomano estava em franco declínio em face de invasões e da perda de muitos de seus antigos territórios. Por essa razão, o Governo turco resolveu implementar uma série de reformas para modernizar a administração e fortalecer o Império Otomano com o objetivo de se proteger de novas ameaças e da perda de novos territórios. Nesse período, que ficou conhecido como Tanzimat70, os turcos também fizeram diversos acordos e alianças com países europeus, principalmente coma França, Inglaterra e Rússia, para tentar se resguardar da cobiça por seus territórios e das ambições imperialistas europeias.

No meio das reformas ocorridas no Império Otomano, dois fatos políticos de grande relevância para a imigração árabe no Brasil merecem destaque: primeiro, o Tratado de Amizade, Comércio e Navegação que foi assinado pelos dois ‘impérios’ em 1858. Um diplomata brasileiro havia relatado que “entravam no Bósforo mais de 10 navios não brasileiros por ano com café ‘do nosso País’... Além de outros produtos brasileiros como couro de boi e açúcar, que não iam diretamente do Brasil nem por exportadores brasileiros”. Havia, portanto, um interesse do Brasil em incentivar a venda de produtos brasileiros ao Império Otomano, principalmente café, açúcar e couro que já eram consumidos na região, mas que eram fornecidos por comerciantes estrangeiros. Por outro lado, havia o interesse da Turquia em fomentar a “emigração de cidadãos ou súditos otomanos, como eram chamados os sírios, libaneses e palestinos, para a América Latina, particularmente para o Brasil, Argentina e México” (KHATLAB, 2015, p.51-52). O Acordo, porém, não implicou em ‘troca de embaixadores e o Brasil continuava sem uma representação diplomática na região.

Então, o segundo fator político relevante que teria acontecido durante a Tanzimat e que antecedeu as viagens de Dom Pedro II, foi o estabelecimento de uma representação diplomática brasileira em Alexandria, no Egito, em 1867, e cujo objetivo primordial era proteger o comércio brasileiro de ‘atravessadores’ internacionais. O Brasil escolheu o Egito não apenas porque este era o País mais importante da região, mas, sobretudo, porque o Canal de Suez seria aberto no ano seguinte e transformaria o porto de Alexandria num dos mais importantes do Oriente Médio e Norte da África. A partir do Egito, o representante diplomático do Brasil atenderia a região da Turquia, Oriente Médio e Norte da África, mas, ainda, sem status diplomático. Isso só aconteceria em 1911, já no período

republicano, com o estabelecimento do Consulado do Brasil em Alexandria, que substituiria a representação diplomática ainda existente. Durante todo esse tempo, tanto os cidadãos turcos que vinham para o Brasil, como os cidadãos brasileiros que iam para o Império Otomano, podiam recorrer ao consulado turco na França, ou ao consulado francês na Turquia ou no Brasil, já que a França mantinha um acordo com o Governo Turco para representá-lo nesses casos (fotografias 42 e 43).

Mesmo que não tenha havido troca de embaixadores entre o Brasil e a Turquia nos primeiros anos de relações comerciais, algumas cláusulas do Tratado de Amizade, Comércio e Navegação assinado com os otomanos parecem ter sido realmente determinantes para o início da imigração árabe para o Brasil e para a inserção dos ‘súditos otomanos’ no território nacional. O artigo 3º, por exemplo, estabelecia que os ‘súditos’ poderiam viajar e residir em todos os portos, cidades e lugares dos dois impérios. Já o artigo 4º rezava que os súditos dos

Fotografia 42: Documento de uma imigrante belenense Fotografia 43: Documento de um imigrante durante a dominação otomana emitido pelo Belenense que chegou ao Brasil durante o consulado francês. protetorado britânico.

Fonte: Coleção do autor Fonte: Coleção do autor

dois impérios poderiam comerciar livremente em todas as cidades, portos e lugares abertos ao comércio estrangeiro. Portanto, o tratado não apenas permitia que imigrantes árabes viessem para o Brasil, como também, foi responsável, em parte, pelo modelo de inserção adotado pelos sírios, libaneses e palestinos em terras brasileiras, já que essa se deu primordialmente pela mascateação e pelo comércio, atividade para o qual eles estavam totalmente liberados.

Ao contrário dos outros estrangeiros imigrantes que vinham com ‘contrato’ assinado, subvencionados pelo Brasil e por seu governo de origem e ficavam limitados à área mencionada em seu contrato de trabalho, fosse na fazenda ou na cidade. Já os titulares de passaporte otomano ou turco, que vinham sem subvenção ou contrato entre os governos, desembarcavam do navio em portos brasileiros e já começavam a comercializar por todo o território (KHATLAB, 2015, p.54).

É possível que isoladamente, nem o Tratado de Amizade, Comércio e Navegação assinado pelos os dois imperadores em 1858, nem a representação diplomática estabelecida em Alexandria, no Egito, em 1867 e nem as duas viagens de Dom Pedro II ao Oriente Médio em 1871 e 1876 pudessem ser determinantes para o sucesso da ‘empreitada’ imigrantista instituída pelos árabes. Mas, conjuntamente, os quatro fatores tiveram uma importância fundamental para o empreendimento. Primeiro, por tornarem o Brasil conhecido entre os árabes e depois, por criar os instrumentos jurídicos necessários para o desembarque, moradia e para o trabalho dos árabes no País.